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terça-feira, 3 de abril de 2012

A Noiva da Paulista

Lembro-me da Casa Madame Rosita, no fim da Av. Paulista, quase na esquina com a Haddock Lobo, anos 70. Era um casarão, de certa forma imponente, onde se trabalhava com moda feminina, num tempo em que a alta costura ainda estava chegando por aqui. Seu nome, de fato, era Rosa de Libman, uruguaia que aportou no Brasil em 1935. Naquele mesmo ano, inauguraria sua Maison, denominada Peleteria Americana, na Rua Barão de Itapetininga, em São Paulo. Seu foco eram artigos de pele, visons, mantas, raposas e zibelinas. Mme. Rosita trazia para cá as mais famosas peles do mundo, sendo responsável pela primeira griffe brasileira, podemos assim afirmar. Seu primeiro desfile profissional no país foi em 1944, uma verdadeira vanguardista da Alta Costura no Brasil!
Primeiro, sua loja foi no centro da cidade, quando a Barão de Itapetininga estava no auge. Após a decadência, ela instala-se no Conjunto Nacional da Av. Paulista, agora com o nome de Madame Rosita, num momento em que aquele projeto arquitetônico inflamava a cidade. Depois ela criaria a sua própria casa, no casarão da Paulista com a Haddock Lobo a que me refiro.
Do outro lado da avenida, havia a Sloper, casa que eu já conhecia no Recife, terceira maior cidade do país àquela época, após São Paulo e Rio. A Sloper foi uma espécie de Magazine Chic, frequentado pelas dondocas, onde encontravam-se luvas, lenços, echarpes finíssimas e bijuteria sofisticada, além de grandes marcas de cosméticos, entre as quais Helena Rubenstein, patrocinadora oficial do Miss Brasil, concurso de sucesso no fim dos anos 70 (mas havia, ainda, outra dezena de marcas!).
Bem, mas eu disse tudo isso para tentar descrever parte do cenário no qual se insere o tema deste texto: a noiva da Paulista! Vamos a ela.
Recordo-me, nos anos 70 para 80, da aparição, costumeira, às tardes, de uma mulher de seus sessenta e tantos anos, senão mais, que desfilava em frente à loja da Madame Rosita, trajando um vestido de noiva com uma grande cauda, um buquê de flores e, claro, um solidéu. Compenetrada, passeava, desfilava pela calçada como uma personagem de Godard: para mim, aquilo era cinema ao ar livre! Admirava-me a coragem e a forma compenetrada da tal mulher, louca, não sei; sei que, de coragem e poder de criação, sim! Era o tempo em que performance era loucura; hoje ganha-se dinheiro com as estátuas vivas, ou esculturas humanas... Bom!
Mas o que se passaria na cabeça da tal mulher? O que a levaria àquela atitude? A mim, trazia todo um imaginário cinematográfico, a imagem que nos alucina, só que estava bem ali, ao vivo e em cores e cheiro!
Certa vez, cheguei mais perto da tal figura e senti seu perfume, seu rosto de inteira fidelização ao personagem empunhado. Dava-me uma vontade de acompanhá-la com um traje equivalente, mas eu pensava que lhe roubaria a cena... Mas vontade eu tinha... Tinha sim: era a erupção, a exuberância, o crer no desejo e realizá-lo, postando, assim, parte de suas dobras de subjetividade, e, ao mesmo tempo, adornando a cidade. Talvez o fluxo das pessoas daquela avenida não a compreendesse, não a sentisse, mas que ela tinha público, tinha!
Essa mulher foi para mim, por incrível que pareça, a minha visão da Madame Rosita, já que nunca conheci a sua loja, tampouco ela, em pessoa.
A noiva era símbolo da decadência da pauliceia rica, enlouquecida, que não perdia a pose, que mantinha o charme e a sedução. Ela era o desencontro de tantos da cidade e, ao mesmo tempo, o encontro da fascinação em tempos de alta moda, para poucos. Ela zombava, era uma noiva solitária, silenciosa, sem seu par, mostrando que, mesmo assim (e apesar disso!), vivia como “noiva do além”.
A noiva da Paulista é a noiva sem casamento, como a avenida, que não casou, pela sua imponência, ficou só mais pomposa, deturpada, com a sua cauda já ultrapassada por outras caudas de outras noivas solas, das avenidas da cidade.
Hoje eu penso: mudou? Será que não existem noivas, noivos punks, agora com outra performance, mais brutal, com seus cenários de clubes da luta? Continua, agora, não mais Godard - Une femme est une femme (J. L. Godard, 1961) -, mas sim clubes das lutas de skinheads e punks... outros noivos...
E termino com Eduardo Gudin:
… Se a avenida / Exilou seus casarões / Quem reconstruiria / Nossas ilusões?/ Me lembrei / De contar pra você / Nessa canção / Que o amor conseguiu […] / Se os seus sonhos / Emigraram sem deixar / Nem pedra sobre pedra / Pra poder lembrar / Dou razão / É difícil hospedar / No coração / Sentimentos assim

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