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terça-feira, 22 de janeiro de 2008

ARTES



A revista CONTINENTE é um produto editorial de altíssima
qualidade e se põe entre as revistas de cultura do país elevando o nível do mercado .
paulo a c v

ARTES
Depois daquele beijo
A cambojana Rindy Sam beijou a tela branca do pitor Cy Towmbly, provocando uma disputa na justiça e um debate sobre a arte conteporânea.
Por Camilo Soares

Aconteceu no último 19 julho, no Sul da França, durante exposição da Coleção Lambert em Avig-non. Deslumbrada com o quadro do pintor norte-americano Cy Twombly, de um branco imaculado, a jovem cambojana Rindy Sam levou os lábios sobre a tela, deixando a impressão de seu batom escarlate. Presa e levada a julgamento, a moça negou declarar-se culpada, defendendo aquilo que teria sido sim-plesmente um gesto de amor, ato não-deliberado provocado pelo poder da arte. Em desacordo com tal liberdade poética sobre obra avaliada em dois milhões de euros, o diretor da coleção Eric Mézil e seus advogados classificaram o ato de vandalismo, requerendo compensação financeira correspondente ao preço da peça. Meio às querelas judiciárias, mais do que apenas marcar o alvor da tela de Twombly, tal beijo parece ter levado à tona a separação entre dois mundos, o da arte e o do mercado de arte, além de ressuscitar o debate sobre a finalidade da arte em nosso tempo.

“Não considero que um beijo de mulher possa ser considerado como uma agressão”, conserta o advogado de defesa Jean-Michel Ambrosino, comparando a murros e marteladas dados recentemente sobre obras-primas em museus parisienses. De um certo aspecto, as marcas carmins de batom Bourjois (empresa que, sentindo o cheiro da ótima publicidade, aceitou revelar o bem-guardado segredo de sua fórmula para facilitar a restauração química da tela) podem até mesmo ser consideradas um comple-mento esperado e necessário para um trabalho artístico atual. Após descobrir os happenings e as per-formances, a arte contemporânea se aproximou definitivamente do público, como aponta o professor da Sorbonne Marc Jimenez em seu L’esthétique contemporaine, pois ela « tende a se fundir na vida cotidiana, a solicitar reações do público ». Vendo assim, o quadro do ilustre artista teria sido marcado pelo impulso que ele mesmo provocou; e o vermelho borrado sobre o suporte não seria nada mais do que o indício desse desejo, traços de simbologia sensual e erótica que há muito vaga pelo inconsciente coletivo. Marcas que impregnarão para sempre a obra, o tríplice Phaedrus, mesmo depois que sejam fisicamente desmaterializadas pelos laboratórios da Nasa, que se propôs prontamente a efetuar a tarefa. A partir de hoje, não mais se poderá comentar o Phaedrus de Cy Twombly sem se falar daquele beijo. Efêmero, veloz, virtual e carnal, fusão entre objeto e observador, o gesto de Rindy Sam ainda lembra da redefinição artística fora da instituição das Belas Artes, como já pregava Duchamps há um século.


Em fins do século 19, uma visita aos mosaicos bizantinos das igrejas de Ravena, Itália, marcaria profundamente o pintor Gustav Klimt. A influência dessas imagens religiosas tornou-se evidente em sua obra, na composição da figura humana, nas inscrições sobre a tela e escolha da tipografia, na geo-metria nas dobras de vestimentas e, sobretudo, no fundo chapado e na utilização do ouro, representa-ção da luz divina nos ícones. No entanto, bem ao contrário do que tentava impedir o famoso cânone 100, o que atraiu Klimt séculos depois para essa estética foram justamente as impurezas das imagens, tentadoras aos olhos como uma irresistível gula visual banhada pela sedução das cores e pelo deslum-bramento do ouro luxuriante. O beijo (1907-1908) de Klimt é tão devoto como o beijo bizantino, tão idealizado quanto e até mesmo igualmente sensual. Não obstante, a figura idealizada é agora terrena e, embora ainda inegavelmente divinizado, o desejo assume finalmente seu erotismo. O filósofo François Dadognet aponta essa ambigüidade mística como um fator importante na atual percepção da arte : « o espectador oscila entre dois pólos opostos, o que não deixa de nos lembrar dos princípios gerais da pintura religiosa: de um lado terrestre, as alusões, de outro lado, o vazio, o aéreo. E quem não ficaria incomodado por essa alternância».

Depois do ataque às Belas Artes pelo modernismo, a técnica plástica do artista deixou de ser pre-ponderante ou pelo menos incontornável. A invenção do ready-made, segundo Yves Michaud, des-substancializou a arte, tornando-a processual, o que teria efeito duplo para o ambiente das artes plásti-cas, de liberdade e de retenção: “O mundo é invadido por essa atmosfera estética. Simultaneamente, o mundo da arte ritualizado, sacralizado, apegado a sua preciosa raridade teatral, esvazia-se pouco a pouco, não somente de obras mas de participantes. Somente alguns poucos iniciados, obstinados, faná-ticos e conservadores, senão francamente reacionários, se obstinam a perpetuar o ritual ». A atividade artística evoluiu no século 20 numa velocidade alucinante, deixando para trás um mundo institucional da arte perplexo e cada vez mais perdido na incapacidade de avaliação. Sentindo sua legitimidade ame-açada, críticos, curadores e organizações se trancafiaram num profundo obscurantismo para justificar seus salários ou as estratosféricas cotações das peças de arte que representam nesse mercado em franca ascensão.

Diante de paradoxal ressacralização de uma arte já atéia, da mercantilização de uma atividade anticapitalista e anárquica, um beijo sobre a tela revelou o desproporcional e descabido elitismo da arte contemporânea. Depois da queda da figuração, da supressão da bidimensionalidade, da revalorização do corpo como lugar de arte e após o público ser convidado a participar de criação artística, a indigna-ção do vanguardista Cy Twombly e a soma exorbitante de ressarcimento pedido pelos organizadores da exposição espelham um irritante não-me-toquismo institucional que reenquadrou a arte como um ato nobre, caro e conceitual. Julgamento finalizado em 16 de outubro, Rindy Sam deverá verter 1.500 euros aos organizadores da exposição e aos detentores da obra e o simbólico um euro pedido pelo ar-tista, que não quis aumentar a polêmica. Independentemente das conclusões penais, seu beijo, consi-derado iconaclasta pela mídia, desprendeu o nó de uma discussão sobre as evidentes limitações da arte contemporânea, do fazer artístico e do apreciar estético dentro da percepção atual. Além disso, talvez tenha mesmo esquentado um pouco a frieza desse meio, oferecendo novamente à estética o direito de ser transgressiva. “Você gosta de Twombly?”, perguntou um jornalista à ex-réu. “No processo eles disseram: suas obras não deixam ninguém indiferente. Pois é, eu estou de acordo”.



(Leia a matéria na íntegra, na edição nº 85 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)






Camilo Soares é jornalista.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Philip Roth



P.Roth, é um dos grandes escritores vivos dos EUA, sua escrita flue e traz uma estilística que transversa o local para o universal.Diria que ele é um arqueólogo do humano, desconstruindo as existências humanas e colorindo de pontuações os transes as mutações do existir naquilo que tem de mais comum e fecundo, desde o nascer, o amor, os amigos, a convivência, a morte e a velhice.Sua obra é de uma autoridade na sua decrição, com pontuações filosóficas que por vezes nos deixa perplexo.Sem qualquer tansferência estilística de um Baudrilard ele as vezes nos parece o filosófo que indaga da existência a medida que a disseca e pontua nos porquês.Vale a pena ser lido.
Li o ano passado nas féria o Animal Agonizante, nestas de 2008 li O Homem Comum.Maravilhosos!!!!!!!!!
PAULO A C V

Rubem Fonseca e Nélida Piñon são convidados à feira do livro de Buenos Aires



Rubem Fonseca e Nélida Piñon são convidados à feira do livro de Buenos Aires
A Língua Portguesa esta em alta nos últimos anos na Argentina.O ano passado quando estive na Feria del Libro, o homenageado foi José Saramargo, entretanto de nossa parte não vejo homenagens a Literatura Portenha, com tantos autores de peso.
paulo av

BUENOS AIRES, 19 Jan 2008 (AFP) - Os brasileiros Rubem Fonseca e Nélida Piñon, a espanhola Almudena Grandes e o americano Tom Wolfe estão na lista dos mais de 30 convidados estrangeiros, a maioria latino-americanos, para a Feira do Livro de Buenos Aires que será realizada de 24 de abril a 12 de maio, informou a organização.

A Fundação El Libro, responsável pelo evento, convidou ainda a presidente argentina Cristina Kirchner para a inauguração da feira.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

El poeta argentino Juan Gelman gana el Premio Cervantes 2007


El poeta argentino Juan Gelman gana el Premio Cervantes 2007


Gelman, de 77 años, es el poeta argentino más premiado de su generación, la de los años 60-70,
Infolatam
Madrid, 29 de noviembre 2007



El escritor argentino Juan Gelman, que ha sabido testimoniar en su poesía su tiempo literario e histórico, ha ganado hoy el Premio Cervantes 2007, considerado el más prestigioso de las letras hispanas y que concede el Ministerio de Cultura español en reconocimiento al conjunto de la obra de un autor.

El fallo de este premio, que está dotado con 90.450 euros, ha sido hecho público por el ministro de Cultura, César Antonio Molina, tras la reunión mantenida por el jurado, presidido por el director de la Real Academia Española, Víctor García de la Concha, y que ha adoptado su decisión por mayoría. Gelman se impuso a otros cuatro candidatos: la peruana Blanca Varela, el mexicano José Emilio Pacheco, el uruguayo Mario Benedetti y el chileno Nicanor Parra.

García de la Concha ha reconocido la dificultad del jurado en decidir entre estos candidatos y sobre Gelman ha afirmado que es un hombre entregado desde muy joven a la poesía. Después de "haber milongueado mucho" con la palabra, con el ritmo y con el juego del léxico, Gelman se abrió a un "compromiso mayor con la realidad", ha afirmado el presidente del jurado. "Pero su compromiso social nunca le llevó a abdicar de su compromiso con la poesía", ha añadido.

El poeta Antonio Gamoneda, ganador de la pasada edición y que formó parte también del jurado, ha afirmado que, a título personal, considera que el autor argentino era el "más merecedor" del galardón. El ministro de Cultura ha destacado que Gelman tiene una obra numerosa, pero también cualitativamente grande. Molina, que ha anunciado cambios en la formación del jurado del Cervantes, ha subrayado que Juan Gelman es una persona que ha sufrido la poesía en su propia carne.

Gelman, de 77 años, es el poeta argentino más premiado de su generación, la de los años 60-70, y ha merecido ya galardones como el Nacional de Poesía argentino, el de Literatura Latinoamericana y del Caribe Juan Rulfo, el Iberoamericano de Poesía "Pablo Neruda" y el Reina Sofía de Poesía Iberoamericana. El jurado del premio ha estado compuesto, además de por García de la Concha y Gamoneda, por Francisco Albizúrez, designado por la Academia Guatemalteca de la Lengua; José Miguel Ullán, designado por el ministro de Cultura; y José Manuel Sánchez Ron, designado por el secretario de Estado de Universidades e Investigación.

También han formado parte del jurado María Ángeles Pérez López, designada por la directora del Instituto Cervantes; Amalia Iglesias, designada por la directora de la Biblioteca Nacional; Martín Caparrós, designado por el director general de Cooperación y Comunicación Cultural; y Alfredo Conde, designado por el director general de Libro, Archivos y Bibliotecas.

Como secretario ha ejercido Rogelio Blanco Martínez, director general del Libro, Archivos y Bibliotecas y como secretaria de actas, Mónica Fernández Muñoz, subdirectora general de Promoción del Libro, la Lectura y las Letras Españolas.

ENTRADAS RELACIONADAS
Poeta español Antonio Gamoneda, Premio Cervantes 2006

Juan Gelman, un maestro de la poesía comprometido con su tiempo

Poeta nacido en Buenos Aires, en el barrio de Villa Crespo. Su primera obra publicada, Violín y otras cuestiones, prologada entusiastamente por otro grande de la poesía, Raúl González Tuñon, recibió inmediatamente el elogio de la crítica. Considerado por muchos uno de los más grandes poetas contemporáneos, su obra delata una ambiciosa búsqueda de un lenguaje trascendente, ya sea a través del -realismo crítico- y el intimismo, primeramente, y luego con la apertura hacia otras modalidades, la singularidad de un estilo, de una manera de ver el mundo, la conjugación de una aventura verbal que no descarta el compromiso social y político, como una forma de templar la poesía con las grandes cuestiones de nuestro tiempo. Fue obligado a un exilio de doce años por la violencia política estatal, que además le arrancó un hijo y a su nuera, embarazada, quienes pasaron a formar parte de la dolorosa multitud de -desaparecidos-. En 1997 recibió el Premio Nacional de Poesía. Su obra ha sido traducida a diez idiomas. Reside actualmente en México, aunque -Volver, vuelvo todos los años, pero no para quedarme. La pregunta para mí no es por qué no vivo en la Argentina sino por qué vivo en México. Y la respuesta es muy simple: Porque estoy enamorado de mi mujer, eso es todo-. Perdonando tamaño romanticismo, la ciudad de Buenos Aires lo honró recientemente con el título de ciudadano ilustre. © epdlp
AUSENCIA DE AMOR

Cómo será pregunto.
Cómo será tocarte a mi costado.
Ando de loco por el aire
que ando que no ando.

Cómo será acostarme
en tu país de pechos tan lejano.
Ando de pobrecristo a tu recuerdo
clavado, reclavado.

Será ya como sea.
Tal vez me estalle el cuerpo todo lo que he esperado.
Me comerás entonces dulcemente
pedazo por pedazo.

Seré lo que debiera.
Tu pie. Tu mano.



PRESENCIA DEL OTOÑO

Debí decir te amo.
Pero estaba el otoño haciendo señas,
clavándome sus puertas en el alma.

Amada, tú, recíbelo.
Vete por él, transporta tu dulzura
por su dulzura madre.
Vete por él, por él, otoño duro,
otoño suave en quien reclino mi aire.

Vete por él, amada.
No soy yo él que te ama este minuto.
Es él en mí, su invento.
Un lento asesinato de ternura.



ESCRIBO EN EL OLVIDO...

Escribo en el olvido
en cada fuego de la noche
cada rostro de ti.
Hay una piedra entonces
donde te acuesto mía,
ninguno la conoce,
he fundado pueblos en tu dulzura,
he sufrido esas cosas,
eres fuera de mí,
me perteneces extranjera.



LO QUE PASA

Yo te entregué mi sangre, mis sonidos,
mis manos, mi cabeza,
y lo que es más, mi soledad, la gran señora,
como un día de mayo dulcísimo de otoño,
y lo que es más aún, todo mi olvido
para que lo deshagas y dures en la noche,
en la tormenta, en la desgracia,
y más aún, te di mi muerte,
veré subir tu rostro entre el oleaje de las sombras,
y aún no puedo abarcarte, sigues creciendo
como un fuego,
y me destruyes, me construyes, eres oscura como la luz.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Abecedário de uma arte popular






Abecedário de uma arte popular

José Nêumanne

O ABC é uma modalidade do repente (poesia popular sertaneja) e do cordel, sendo basicamente usado para celebrar feitos e heróis do povo, que ouve os desafios de viola ou lê os folhetos com romances vendidos nas feiras livres do sertão. É uma prática ancestral de celebrar o heroísmo a partir de senhas, ou palavras-chave, por ordem alfabética, de A a Z. Bráulio Tavares, que conhece bem as formas literárias populares do Nordeste (assim como da ficção científica), recorreu a esse modo para fazer uma abordagem original do universo no qual se apóiam dramas e romances de seu conterrâneo Ariano Suassuna. No ano da comemoração dos 80 anos do escritor paraibano (nascido no Palácio do Governo, em 1927, ano em que seu pai, João Suassuna, era presidente da Província, que sempre lhe serviu de cenário, mesmo tendo o autor se mudado para Pernambuco, em cuja capital, Recife, foi estudar, quando sua mãe ainda morava em Taperoá), ABC de Ariano Suassuna se destaca exatamente por isso.

Leitor apaixonado da poesia e do romance e espectador privilegiado do teatro de Suassuna, o escritor de Campina Grande aproveita a celebração da efeméride para revolver, de forma competente e agradável, todo o universo mítico no qual o literato pessoense ergueu seu marco, para usar outra expressão familiar aos interessados na poética popular nordestina: Marco Marciano, por sinal, é o título da canção de Lenine e Bráulio que mistura a epopéia sideral com a saga sertaneja. Bráulio recorreu a um expediente interessante para facilitar a leitura do abecedário pelo leitor urbano, desacostumado à fórmula. O primeiro verbete é Acauã, nome da fazenda onde Ariano passou os primeiros anos de sua infância, com o pai ainda vivo. A fazenda, em Souza, no sertão paraibano, é histórica, pois por lá passou Frei Caneca em ferros a caminho do Recife, onde liderara malograda revolta republicana contra o Primeiro Império, e teve sua decadência registrada nas imagens de um clássico do documentário brasileiro, O País de São Saruê (título inspirado num folheto de cordel), dirigido por outro paraibano, Vladimir Carvalho.

Descrita no verbete João Grilo, seu protagonista, a obra-prima de Ariano Suassuna, a comédia teatral O Auto da Compadecida, é, como ele mesmo gosta de apregoar em suas engraçadíssimas aulas-espetáculo, a fusão de três folhetos de cordel, que leu na infância. O mais celebrado de sua prosa de ficção, A Pedra do Reino, do qual Luiz Fernando de Carvalho adaptou uma microssérie para a televisão, levada ao ar em junho passado, justamente quando se comemorava o aniversário do autor do romance, também se inspira (mais que isso, se molda) em formas da narrativa popular, seja cantada por violeiros e rabequistas, seja impressa nos folhetos dos poetas de bancada. O título da tese da professora Elizabeth Marinheiro sobre o romance - A Intertextualidade das Formas Simples - remete exatamente a essa questão: trata-se de um texto de ficção construído sobre a intertextualidade, só que não das citações eruditas, como o termo complicado pode insinuar, mas, sim, das formas literárias que falam diretamente ao goto, ao gosto e ao conhecimento do povo. A forma original que Bráulio encontrou para celebrar seu ídolo foi falar das fontes em que ele bebeu para construir a obra pela qual ele se tornou conhecido e festejado no Brasil inteiro na programação do veículo popular por excelência da arte, da cultura, do entretenimento e da informação. Ao dissecar as origens dos textos nos quais o celebrado autor se inspirou, o exegeta aproveitou para trazer a lume a extraordinária riqueza da produção literária dos sertões. É conhecida da academia - e até mesmo do público leitor em geral - a militância de Ariano pela conservação das formas da cultura popular, de origem marcadamente ibérica, mas misturada com tradições indígenas e africanas. Infelizmente, contudo, só se conhece a releitura que ele tem feito, primeiro no teatro e depois na prosa de ficção, das obras seminais dessa cultura, que pode ser sepultada pela urbanização, pela tecnologia e, sobretudo, pela globalização. Bráulio faz, neste sentido, um trabalho exemplar, ao escavar, como um arqueólogo e expor à luz do dia obras de extraordinário valor, recriadas pelo engenho e pela arte de um escritor fora de série, ao qual, aliás, o autor do abecedário sempre rendeu suas homenagens, a ponto de se tornar um especialista - para tanto convidado para participar da redação do roteiro original da microssérie para a televisão.

O último verbete foi reservado para Zélia, a bela mulher com quem o feioso dramaturgo se casou e sua paixão pela vida afora.

Seja na forma adaptada da modalidade de viola e cordel, seja na escolha das palavras para encimarem o capítulo, permitindo uma abordagem linear da vida, paixão e influências do autor-tema, Bráulio traça um painel completo de um universo rico, colorido e profícuo. Didático, mas sedutor, seu estilo introduz o leitor num universo ancestral, que se torna novo a seus olhos ávidos de informação.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

ABC de Ariano Suassuna, Bráulio Tavares, José Olympio, 238 págs., R$ 28,50

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

HERMILO BORBA FILHO


FALAR DE HERMILO BORBA FILHO

POR MOBILE


FALAR DE HERMILO BORBA FILHO




FALAR DE HERMILO , SOBRE E SUA OBRA E AÇÕES É NOS DEBRUÇARMOS SOBRE UM INTELECTUAL RARO, DO BRASIL CONSTATANDO O SEU PODER INUSITADO COMO GESTOR E PRODUTOR CULTURAL QUE MUITAS VEZES, E QUASE SEMPRE, ESQUECIDO PELA MÍDIA EM GERAL E, MESMO, A PERNAMBUCANA.
HERMILO FOI UM HOMEM SÉRIO QUE NÃO SÓ ATUOU NO TEATRO,COM PASSAGENS POR ENCENAÇÕES MARCANTES EM RECIFE, NORDESTE EM GERAL, ASSIM COMO EM S PAULO, INCLUSIVE. TAMBÉM FOI EDITOR DA REVISTA VISÃO SP.
HERMILO DEU CONTRIBUIÇÕES INEFÁVEIS A LITERATURA, COM UAM OBRA FORTE,AO TEATRO,COM SUA PRODUÇÃO TEÓRICA E DRAMATÚRGICA,CONTRIBUIU COM O MUNDO EDITORIAL, LIVREIRO E DE REVISTAS, ASSIM COMO NA ÁREA DA MÚSICA.
PRECISAMOS REVER TODAS A S SUAS INTERVENÇÕES NO MUNDO DA CULTURA.
PAULO VASCONCELOS
EX-DIRETOR E FUNDADOR DA ESCOLA HERMILO BORBA FILHO -RECIFE PE; EX INTEGRANTE DO TEATRO HERMILO BORBA FILHO
EVELIN MONTEIRO CARVALHO- JORNALISTA E INTEGRANTE DO TEATRO HERMILO BORBA FILHO OLINDA PE 
Quarta- feira, 2 janeiro de 2008 edições anteriores

CADERNO 2


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Pensador original, renovou a cena artística no Recife
Hermilo fundiu identidade regional com o caráter universalista das vanguardas

Mariangela Alves de Lima

Estão quase sempre de acordo os historiadores da arte ao situar no fim dos anos 30 do século passado o marco inicial do modernismo teatral brasileiro. Até hoje faz-nos falta, contudo, um compêndio de intuito didático ligando os vários pontos geográficos em que o movimento teatral sincronizou-se e, inversamente, distinguindo as significativas diferenças regionais. No Estado de Pernambuco, uma hoste modernista numerosa e verdadeiramente genial - e aqui é preciso invocar a condescendência dos leitores para esse qualificativo anacrônico - começou no Recife uma renovação cultural, cujas irradiações ainda são sensíveis na linguagem da cena e no âmbito mais específico da dramaturgia televisiva. Hermilo Borba Filho (1917-1976) foi figura de proa da renovação artística da cena no Recife, mas foi também, além disso, autor de obras destinadas à difusão do conhecimento e pensador de um projeto estético onde se fundiram, de modo prático e teórico, a aparente dicotomia entre a identidade regional e a o ânimo universalista das vanguardas.

Em grande parte a gênese dessa síntese corporificada na ficção dramática está recontada em uma série de romances de formação enfeixada sob o título de Um Cavalheiro da Segunda Decadência. São livros de grande sucesso de estima que talvez ainda possam ser encontrados no Nordeste, mas que os leitores paulistanos amantes de literatura brasileira disputam a tapa nos sebos. Pode-se dizer o mesmo das preciosas contribuições historiográficas e ensaísticas em que o dramaturgo e o encenador abrem alas ao excelente (e nem por isso imparcial) professor. Para fundamentar sua prática como encenador e dramaturgo, para orientar os grupos e elencos com que trabalhou e, sobretudo, subsidiar a atividade didática informal e universitária, escreveu uma história do teatro tendo como perspectiva central a evolução do espetáculo.

Ângulo inovador entre nós nos anos 50 do século 20, uma vez que ainda estávamos em débito com a história da literatura dramática brasileira, a tese de Hermilo Borba Filho harmonizava as duas batidas pendulares da arte no seu Estado natal. Em Pernambuco, e também em outros Estados do Norte e Nordeste, os espetáculos populares, bem-sucedidos na medida em que seu público se renova há várias gerações, eram predominantemente cênicos e só 'literários' de modo secundário. Testemunhavam, portanto, o vigor da comunicação direta, da inteligência original do artista da cena, capaz de recriar e improvisar infinitamente as suas histórias. No contratempo dessa batida havia, e há ainda esse sintoma freqüente em culturas que preservam o fascínio pelo universo rural, um ímpeto metropolitano e universalista incitando à abertura para as novidades da vanguarda internacional.

Nas artes visuais, a contradição já estava resolvida havia duas décadas, mas, no teatro, a formulação aparece, primeiro insinuada e depois em diferentes graus de resolução, em uma seqüência de obras teóricas que se inicia com a História do Teatro, editada em 1950 pela Casa do Estudante do Brasil e ilustrada por Aloísio Magalhães, afina-se em Diálogos do Encenador, edição de 1964 pela Imprensa Universitária da Universidade do Recife e cristaliza-se nas páginas de Fisionomia e Espírito do Mamulengo. Este último título, publicado em 1966 na preciosa coleção Brasiliana, co-edição da Civilização Brasileira e da Edusp é, embora motivado pelo afeto localista, um trabalho exemplar de demonstração da plasticidade e do grau de abertura das formas espetaculares preservadas pela cultura iletrada.

Sem explicitar as referências às vanguardas européias que valorizaram a encenação e os atores situando-os em um patamar à altura da dramaturgia, o estudo dos mamulengos nordestinos destaca os procedimentos de composição da cena, as estruturas dramáticas, a vitalidade resultante da ênfase na potência icônica da personagem e, sobretudo, a independência de uma linguagem que se firma nas convenções puramente teatrais, sem ligar a mínima para a forma aparente do real. Esse 'realismo superior, porque poético' seria, na perspectiva do ensaio, um ponto de contato íntimo ou uma identificação metafísica entre o teatro contemporâneo e os espetáculos populares.

Porque estão, por circunstância de nascimento, livres da 'ilusão burguesa do teatro realista', as figuras e as tramas do mamulengo podem ser a fonte de inspiração para uma dramaturgia que vise o espetáculo antes da literatura. Móvel, abrigando-se em qualquer lugar onde haja público e misturando-se fisicamente a ele, mantendo uma relação dialógica que o obriga a atualizar-se, o diminuto teatro de mamulengo torna-se a antimetáfora da grandiosa cena italiana e do culto às obras-primas. É a articulação complexa e inteligente da arte popular, mais do que a preservação de uma arte arcaica, que interessa ao encenador e dramaturgo. E é o teórico sempre apaixonado pelo novo que conclui: 'Certos puristas do folclore abrem a boca escandalizados quando vêem, em qualquer divertimento popular, a intromissão de novos elementos. É uma besteira. Os artistas populares incorporam e absorvem qualquer fato novo que lhes fira a imaginação, sem que por isso abastardem sua arte. Vi, num mamulengo, uma figura de andarilho que carregava nas costas um saco - elemento próprio - e uma miniatura de garrafa de Coca-Cola.'

Para lembrar Hermilo Borba Filho
Parte da extensa obra do dramaturgo e teórico pernambucano chega ao público em novas edições

Beth Néspoli

Sem dúvida, entre intelectuais e gente de teatro, a importância do dramaturgo, escritor, diretor, professor e teórico Hermilo Borba Filho (1917-1976) é reconhecida em qualquer parte do Brasil. Porém, em Pernambuco, não só sua memória como sua obra se mantêm vivas e ao alcance de diferentes públicos. Ele foi o homenageado especial do 10º Festival Recife de Teatro Nacional e sua viúva, Leda Alves, subiu ao palco do Teatro Santa Isabel, em noite de abertura, para representá-lo.

No mesmo festival, que transcorreu entre os dias 7 e 19 de novembro e foi acompanhado pelo Estado, foi lançada oficialmente uma coletânea, em três volumes, com 12 peças do dramaturgo - Hermilo Borba Filho: Teatro Selecionado - em caprichada edição da Funarte, Fundação Nacional da Arte, ligada ao Ministério da Cultura. No palco, comovida, Leda Alves mostrou a condecoração da Ordem do Mérito Cultural, classe grã-cruz, homenagem póstuma ao homem de teatro por ela recebida na véspera das mãos do ministro da Cultura Gilberto Gil. 'Esta medalha pertence a todos nós. O teatro de Hermilo falava de sua gente, sua região, do Brasil.'

No saguão do Santa Isabel, teatro administrado por Leda Alves, é possível apreciar uma exposição com objetos pessoais, fotos do dramaturgo, antigas edições de suas obras ou de livros por ele traduzidos e imagens de sua região natal, a zona da mata do sul de Pernambuco, de onde pescou muitos dos tipos que iria retratar em contos realmente primorosos. Hermilo nasceu no Engenho Verde, município de Palmares. Em 1946, fundou com outros artistas e intelectuais, Ariano Suassuna entre eles, o Teatro do Estudante de Pernambuco. Atuou também em São Paulo, como diretor na companhia de Nydia Licia e Sérgio Cardoso, entre outras, e também escreveu para jornais como Última Hora e Correio Paulistano. Mas voltou para o Recife em 1958 e passou a exercer importante atividade intelectual na capital de seu Estado natal. Que parece jamais tê-lo esquecido.

Textos teóricos como Espetáculos Populares do Nordeste vêm sendo publicados pela Editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, e podem ser encontrados nas livrarias. Sem contar análises sobre sua obra, entre elas O Diálogo como Método: Cinco Reflexões sobre Hermilo Borba Filho, organizada por Lúcia Machado, que traz artigos de diferentes especialistas, editado pela Fundação de Cultura da Cidade do Recife. É possível comprar nas livrarias coletâneas de seus contos, como O Peixe, cuja linguagem tem pontuação e ritmo surpreendentes, e está publicado em Os Melhores Contos, Hermilo Borba Filho, também da Fundação Cultura.

Ainda na programação do festival, duas montagens foram criadas a partir de seus textos. Mucurana, o Peixe, espetáculo da Cia. Construtores de História dirigida por Carlos Carvalho, transpunha com as ferramentas do teatro épico o conto já citado. Em três sucintas páginas, o autor narra uma história de cruel exercício de poder, e também de poética resistência, entre o poderoso major e um pobre andarilho que ousa pescar um peixe em suas terras. O teatro épico é boa escolha para reproduzir o olhar crítico do autor e a trupe alcança esse objetivo em cenas como o almoço grotesco dos poderosos. Pena que o ritmo ralentado, pelo menos na sessão acompanhada pelo Estado, tenha impedido outra meta, a potencialização da contundência do embate desigual.

Uma das peças publicadas pela Funarte, O Bom Samaritano, também subiu ao palco no festival e, não por acaso, traz também um jogo entre opressor e oprimido. Escrita em 1965, em linguagem de cordel, conta a história de Manuel da Redenção, que foi colocado amarrado em praça pública como castigo exemplar. Dirigida por Samuel Santos - mesmo criador do ótimo espetáculo infantil O Amor do Galo pela Galinha d'Água -, a montagem nasceu dentro do projeto O Aprendiz em Cena, que une artistas iniciantes e consagrados. Iniciativa louvável, cujos resultados vão bem além da exibição de um espetáculo. Para quem não pode ir até Pernambuco conferir essa memória viva, vale ler a obra desse pensador, em grande parte reeditada graças ao apoio do poder público, é preciso reconhecer.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O ENCORE PUNK-ROCK DO MINIMALISMO


24 MAI - 26 AGO 2007


O ENCORE PUNK-ROCK DO MINIMALISMO

Partindo da definição paradoxal da Pós-Modernidade proposta por Lyotard, para quem “uma obra só pode tornar-se moderna se for, antes de mais, pós-moderna”, Thierry de Duve identifica e caracteriza as duas tendências fundamentais da criação e da crítica contemporâneas, polarizadas entre duas concepções da história – uma de inspiração hegeliana, a outra de orientação nietzschiana –, entre duas conceituações da estética – uma marxista, a outra barroca – e entre duas inscrições políticas – uma centrada nas determinações ideológicas (realista), a outra partidária da total autonomia da arte (idealista). A “arqueologia da modernidade” de Thierry de Duve desenterra assim os argumentos da ‹i›querela‹/i› que, desde as primeiras aflorações do modernismo (e das duas concepções da modernidade e da pós-modernidade) se tem mantido à superfície da criação e da historiografia contemporâneas. De um lado, as correntes pós-Habermas, que defendendo a proporcionalidade entre a função epistemológica e a probidade ética, vêem na arte “uma promessa de emancipação fiel ao ideal das Luzes” e “desesperam de ver essa promessa traída a cada dia”. Estes seriam, como acrescenta de Duve, os «protestantes», para os quais, sendo a arte um conceito crítico (significativo), todo o deleite estético determina uma decadência hedonista. De outro lado, as disposições pós-Baudrillard, que sustentando que a arte não é uma questão de verdade, mas se inscreve numa circularidade de simulacros e numa economia pulsional (fetichista), alimentam uma “paixão fria pelo objecto”. Estes seriam, por contraste, os «católicos», para os quais “a estética é tudo e a arte tudo menos um conceito”. É nesta oposição, não de antigos e modernos, mas entre uma reflexão e uma acção radicadas na história e um pensamento que se constrói fora do tempo, a partir de um ponto de vista que transcende a história, que Thierry de Duve reconhece dois paliativos e duas interpretações do paradoxo lyotardiano. Para os primeiros, o paradoxo de Lyotard reinscreve sem cessar o pós-moderno no moderno: a história da modernidade prossegue até hoje, mas como “repetição infeliz, utopia sem promessa, radicalidade gratuita”. Para os segundos, o paradoxo de Lyotard é entendido no sentido inverso e traduz uma reciclagem permanente do moderno no pós-moderno: a história da modernidade acabou, ou melhor, “tanto a história como a modernidade acabaram uma vez que nos encontramos na pós-história”.

É neste contexto, de acordo com estes parâmetros, que têm de ser avaliado o trabalho de Steven Parrino, na releitura que este propõe das vanguardas (tanto as do início como as de meados do século que assim as nomeou), conduzida através da já clássica transgressão das fronteiras disciplinares, da prática da apropriação e da citação e da junção entre a cultura pop e o modernismo mais erudito, mas também a “radicalidade” com que a crítica tem, unanimemente, classificado as suas propostas. Atendendo à urgência de desmontar a ideologia da vanguarda – no tom hegeliano com que esta conduziu a arte a um devir histórico, através da alienação que acompanha o progresso a caminho do projecto da sua destruição e desaparecimento –, é o próprio autor que reconhece que “a radicalidade vem do contexto e não necessariamente da forma” porque “as formas são radicais na memória, perpetuando o que foi radical antes por extensão da sua história”: é que “a vanguarda deixa um turbilhão e, movida por uma força maneirista, ela prossegue o seu avanço”. Mesmo na fuga, acrescenta Parrino, “olhamos para trás por cima do ombro e conduzimos uma aproximação à arte mais por intuição do que por estratégia” e “vista sob este ângulo, a arte é mais culto do que cultura”.

Um ano e meio depois da morte de Steven Parrino, significativamente vitimado por um acidente ao volante da sua Harley Davidson – mota cuja coloração standard preta e metalizada, usada pelo autor tanto em referencia à cultura Hot Rod, como enquanto elo de ligação da estética Hell’s Angels e da arte minimal, se tornaria no seu “emblema” de culto, signo arte-vida (ou se preferirmos, arte-morte, passe o humor negro que certamente não desagradaria a Parrino) – o Palais de Tokyo propõe um olhar perspectivado sobre o trabalho desenvolvido ao longo de quase 30 anos por este artista americano. Concebida como um tríptico, a exposição, “La Marque Noire / Steven Parrino Retrospective, Prospective” é composta por uma selecção de trabalhos realizados pelo autor entre 1981 e 2004; por “Before (Plus ou Moins)”, mostra composta por obras históricas das décadas de 1960/70, que constituem algumas das peças-chave na formação do universo estético de Parrino; e por “Bastard Creature”, releitura de duas exposições comissariadas por Parrino em 1999 e 2003.

Tendo dinamizado na cena nova-iorquina do início dos anos 80 um amplo regime de colaborações, cobrindo um campo diversificado que vai do minimalismo à tatuagem, passando pela música, pelo cinema experimental, pela banda desenhada e pelo design industrial, a prática artística de Steven Parrino desenvolve-se sobretudo na articulação de duas frentes, ensaiando estratégias de aproximação entre a “alta cultura” e a “cultura popular”. Por um lado, apropria-se das imagens produzidas pela contra-cultura americana do pós-guerra, reflectindo sobre a reemergência das sub-culturas “biker”, “no-wave” e “punk”. Por outro, usa essas imagens conotadas com uma certa ficção apocalíptica e um certo ideário satânico-porno-queer-motard em diálogo estreito com a vanguarda americana da segunda metade do século XX – particularmente com a obra de artistas como Andy Warhol, Vito Acconci, Robert Smithson, Frank Stella ou Donald Judd –, procurando explorar a pintura numa nova direcção “realista”, quando a morte da pintura parecia já um facto consumado. Deste modo, Steven Parrino (designado por alguns como o Dr. Frankenstein da pintura), vai somando transgressões de circunstância, mais ou menos folclóricas, mais ou menos pertinentes, que desembocam, simultaneamente, numa necrofilia pictórica, numa crença tardia na eficácia disruptiva da vanguarda e numa ideia de realismo coincidente, nos seus princípios e fins, com a objectividade minimalista. A cartilha de Steven Parrino fica assim a meio caminho entre o “protestantismo” e o “catolicismo”, entre o impulso destruidor e iconoclasta (porventura anarquista) e a estetização das ruínas (certamente romântica).

Os termos “radicalidade” e “realismo” definem-se em Parrino um em função do outro, como um pas de deux: do mesmo modo que a radicalidade é realista (no sentido físico do minimalismo), a acção do realismo deverá ser radical (no sentido metafísico da figuração). Redefinido depois de Courbet, o realismo, refere Parrino, “não trata mais de representar a realidade de um momento, mas de dar corpo a um objecto, num mundo real e num tempo real”. Se o projecto modernista consistiu na definição da arte pela sua redução progressiva às suas condições necessárias e suficientes, para que uma obra tenha sentido é necessário que resulte de uma posição justa quanto à sua materialidade, quanto à ideologia na qual é concebida e quanto à situação em que intervém. A reavaliação crítica da vanguarda e das suas potencialidades deverá, como o propõe Thierry de Duve, incidir assim numa tripla averiguação: do lado do significado, a auto-exaltação do sentido da arte deverá passar pela derisão; ao nível do significante, a auto-instituição das suas convenções formais deverá passar pela desmontagem; e, no que se refere ao referente, a auto-referência dos seus propósitos deverá passar pela traição. Manifestando uma “crença na estética” e a convicção de que a noção de vanguarda pode ainda ser operante no contexto contemporâneo, Steven Parrino furta-se no entanto a uma problematização aprofundada da questão, refugiando-se em expedientes vulgarmente associados ao pós-modernismo (entendido no seu sentido mais corrente): a obra é assim concebida como uma superfície de projecção e de associação livre.

A par dos trabalhos figurativos, constituídos essencialmente por desenho e colagem, explícitos quanto ao seu universo de referência (o já indicado bestiário fantástico de heróis e vilões da contra-cultura americana do pós-guerra), no que toca à arte erudita, as estratégias de apropriação, citação e comentário desenvolvidas por Parrino são variadas. A pesquisa pictórica de Parrino incide tanto numa radicalidade cromática (as telas são, na sua maioria, superfícies lisas, negras ou metalizadas) como morfológica (o autor desenvolve uma “obstrução formal” que desemboca na indiferenciação do espaço real e do espaço de representação, na exploração da tridimensionalidade da pintura, na redução à sua elementaridade mínima daquilo que pode ser identificado como a “violência” expressiva do expressionismo abstracto, agora convertida em acção destruidora. Entre alusões ao “Quadrado negro” de Malevich, ao vocabulário artístico de Daniel Buren, ao “conceito espacial” e incisuras sobre telas monocromáticas de Lucio Fontana, Parrino prossegue uma pesquisa estética na senda destes e doutros autores, prolongando assim o questionamento sobre os limites físicos do suporte pictórico (questão formulada de modo particular através do reenquadramento e plissagem das telas em grades convencionais, ocultando desse modo parte da superfície pintada e mostrando em contrapartida zonas por intervencionar), sobre a representação como obliteração, a série, a repetição, o original, a cópia, etc. O denominador comum de todas os trabalhos pode encontrar-se – como é sublimado tanto pelas obras em suporte vídeo como pelas experiências sonoras/musicais – na sobreposição de um ruído opacificante à pureza formal do minimalismo. Produzindo um distanciamento plástico (e porventura histórico) face a essas experiências, este é seguramente o aspecto mais pertinente da obra de Steven Parrino: o que confere alguma modernidade ao que de outro modo não passaria de uma frivolidade pós-moderna, se nos é permitido inverter os termos de Lyotard.

Tendo em conta a linha de programação do Palais de Tokyo, depois de “Cinq Milliards d’Années” e de “M Nouvelles du monde renversé”, exposições consagradas a testar respectivamente “a elasticidade e a oscilação da obra de arte”, “La Marque Noir” pretende agora “experimentar a sua resistência”. Se é certo que estes propósitos traduzem bem aquelas que continuam a ser as preocupações de alguma arte contemporânea, seja nomeadamente naquilo que continua a haver de moderno no decreto pós-moderno, seja na mesmidade autofágica da pescadinha-de-rabo-na-boca que continua a ser o binómio arte / antiarte, cumpre questionar a que práticas responde o epíteto da “radicalidade”. É que posicionando-se algures num ponto supra-determinado (na comodidade da n + 1.ª dimensão que caracteriza o cinismo teórico), tanto a “arqueologia da modernidade” (que para analisar o fenómeno artístico contemporâneo, propõe, no caso de Thierry de Duve, o ponto de vista de um “etnólogo marciano”), como a falsa audácia e abertura das instituições aparentemente mais “progressistas” (às quais competiria uma reflexão sobre o fenómeno artístico em “tempo real”) não respondem àquela que é a condição primeira e sine qua non da radicalidade: o enraizamento local e epocal, a radicação da acção não numa qualquer ideia de “globalização”, mas no aqui e no agora.


António Preto
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