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sábado, 20 de outubro de 2007

Oliviero Toscani, fotógrafo, publicitário e grande provocador: "Somos todos anoréxicos




20/10/2007
Oliviero Toscani, fotógrafo, publicitário e grande provocador: "Somos todos anoréxicos"

Laura Lucchini
Em Milão

A fotografia de uma mulher esquelética e completamente nua deu a volta ao mundo depois de aparecer em enormes outdoors distribuídos por cidades como Paris e Milão. Essa imagem dramática era acompanhada de uma mensagem: "Não à anorexia No-l-ita". Tratava-se de uma campanha publicitária da marca italiana No-l-ita, para a qual o criador dessa imagem, Oliviero Toscani, trabalha hoje, depois de sua ruptura com a Benetton. Com seu tom cínico e amável ao mesmo tempo, ele recebeu este jornal na sede da equipe de futebol Inter de Milão, de cuja imagem também cuida.

Oliviero Toscani fez aquilo de novo. Ele é o autor da imagem que provocou a última grande polêmica no mundo da publicidade, ao enfocar o drama de uma garota, Isabel Caro, que sofre de distúrbios alimentares e pesa 31 quilos. Toscani, hoje com 65 anos, trabalhou para a marca de roupas Benetton entre 1982 e 2000, e a imagem da empresa foi identificada com suas fotografias mais polêmicas: a de um doente de Aids que parecia um Cristo de Mantegna rodeado por seus familiares, ou os retratos dos condenados à morte no Texas. Estes provocaram a ruptura de seu casamento com a Benetton, que durou 18 anos. Hoje, como na época, meio mundo foi contra ele por explorar o sofrimento alheio. E ele, como na época, muito seguro de si, parou para observar o efeito em cadeia produzido por sua provocação. "Somos todos anoréxicos. A isso se deve o sucesso", afirma.


Campanha que mostra modelo anoréxica, fotografada por Toscani, é visto em rua de Roma

El País - Como nasceu a idéia de uma campanha de publicidade sobre a anorexia?
Oliviero Toscani - Não nasceu. Eu não tenho nenhuma idéia. Sou um homem sem idéias. E não sou publicitário. Faço o que penso. Fotografo o que vejo e quero ser testemunha do meu tempo. Sendo fotógrafo, faço as imagens que considero necessário fazer como jornalista.

EP - Faz parte de um projeto mais amplo sobre a anorexia?
Toscani - Faz parte do projeto do meu trabalho, o que sempre fiz. A anorexia é um problema sobre o qual trabalhei durante anos. Também fiz um filme que foi apresentado no festival de cinema de Locarno (Suíça), que se chama "Bianca ha 16 anni" (Bianca tem 16 anos). Tive a oportunidade de encontrar um promotor que financiou a idéia. Esse promotor é a No-l-ita, uma empresa de roupas [para a qual fez a última de suas campanhas polêmicas], e isso é ainda mais interessante.

EP - Uma das críticas que fazem ao senhor é a de usar o corpo de uma pessoa doente para vender um produto.
Toscani - Não me interessam as críticas. Quer dizer, me interessam só até certo ponto. Há críticas em todas as direções. Se esta for uma, está bem, a escuto.

EP - O senhor trabalhou muito tempo como fotógrafo de publicidade. Nunca fez uma imagem só para vender um produto?
Toscani - Todas as imagens servem para vender algo. Em um jornal também se escrevem matérias para vender o jornal. Tudo pertence ao poder da economia. Temos de perceber isso. Há dois tipos de arte. Uma que é só mercado. Falo da arte oficial, essa que consideramos verdadeira. Falo de escultura e pintura, que só servem para enfeitar as casas dos ricos. Existe outra arte, a da comunicação, que é contaminada: é a que eu faço. A arte sempre foi contaminada. Além disso, a arte sempre existiu a serviço de um poder. Primeiro foi o poder religioso, depois o político, agora o econômico. O poder precisa da arte e a arte precisa do poder.

EP - Capturar experiências tão dramáticas e reduzi-las a imagens estilizadas que se repetem milhares de vezes... não corre o risco de neutralizá-las, de torná-las menos incômodas para os outros?
Toscani - Penso que trazem muitos riscos. Criatividade e risco andam juntos. Mas de que riscos você fala?

EP - Do risco de neutralizar o drama que representam ou de transformá-las em imagens entre muitas outras...
Toscani - Não creio que sejam neutras, já que você veio aqui me perguntar sobre elas, como outros jornalistas. E creio que tocaram a consciência individual de todos. Porque no fundo uma campanha contra a anorexia é uma campanha dirigida a todos. Cada indivíduo é anoréxico em alguma parte. Todos sofremos de anorexia de alguma forma. Por isso precisamos cada vez mais de vestidos, de camisas, saltos altos, batons. Precisamos de um carro grande, de uma casa em um lugar e em outro. Tudo isso é anorexia. Temos anorexia nas relações com nossos corpos, mas também em relação aos outros. Temos anorexia em relação ao nosso trabalho e nossa condição humana. Cada pessoa é anoréxica à sua maneira. Por isso a campanha fez tanto sucesso.

EP - Que conseqüências têm essas provocações?
Toscani - Creio que quando se utiliza a palavra "provocação" logo se pensa em algo negativo.

EP - Não...
Toscani - Bem, então a provocação é útil. Provocar significa ter a generosidade de suscitar um interesse. Provocar a possibilidade de perceber que existe um ponto de vista diferente. Outro modo de viver. Outra escala de valores. Provocar a dúvida de que talvez nosso ponto de vista não seja o único. A provocação, nesse sentido, é a finalidade principal da arte. Não foi o que fez Goya durante toda a sua vida? E Picasso? Eles não fizeram outra coisa além de provocar.

EP - O senhor pensa em fazer outras campanhas sobre temas delicados?
Toscani - Vamos ver. Creio que a condição da mulher ainda está no nível da escravidão.

EP - O senhor busca a beleza também na representação de imagens dolorosas?
Toscani - Creio que há beleza na tragédia. A pintura espanhola demonstrou isso. Há muitas coisas muito belas mas que são feias, e outras muito feias mas belíssimas.

EP - O que é a beleza?
Toscani - A beleza não tem nada a ver com a moral. Não coincide com a estética. Não é só estética. A beleza é um conjunto de coisas, como a música... é intangível. A beleza é conseqüência de uma reflexão individual.

EP - Em um livro que o senhor publicou, cita com freqüência Pier Paolo Pasolini. Pasolini era comunista e católico e defendia fortemente as duas opções. Que valores o senhor tem?
Toscani - Não sou nem comunista nem católico, sou laico. Mas não um laico triste como são normalmente os laicos italianos e talvez também os espanhóis. Cito Pasolini porque me interessa sua lucidez. Mas era um beato. Não era comunista, era católico antes de tudo. Os verdadeiros comunistas são desses católicos que cheiram a incenso e a igreja. Meus valores... Não estou aqui para dar valores. Não sou capaz.

EP - Em seu livro, o senhor ataca a "monocultura" e o consumismo. Mas viveu muitos anos da publicidade. Não vê aí uma contradição?
Toscani - Quando uma pessoa se encontra em um engarrafamento, xinga o engarrafamento e diz: "Merda, este engarrafamento me faz perder tempo". Um engarrafamento é normal. É uma condição na qual nos cabe estar às vezes. Se ando pela rua e respiro o ar poluído, não tenho por que ficar contente de respirar ar poluído. Por que você se queixa do ar poluído e anda pela rua? Porque temos de andar pela rua, não se pode andar em outro lugar.

EP - De que maneira o senhor atua contra a "monocultura" e o consumismo?
Toscani - Primeiro, porque nunca entrei em um banco na minha vida. Nunca. Sempre houve alguém que o fez por mim. Logo, sou uma pessoa particularmente privilegiada e afortunada, porque entendo certas coisas e percebo que sou privilegiado. Tenho uma autodisciplina.

EP - Sente falta de seu trabalho na Benetton?
Toscani - Não, absolutamente. Só me resta uma desilusão: que não tenham entendido que era preciso continuar com a campanha contra a pena de morte. Eu continuei trabalhando contra a pena de morte, mas eles tiveram medo. Mas agora, com tudo o que está acontecendo, poderiam ser muito importantes. Não tiveram essa inteligência.

EP - Quer criar algo parecido com a No-l-ita?
Toscani - Não, eu sou livre. Não preciso de uma marca.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2007/10/20/ult581u2295.jhtm
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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Gullar lembra Oiticica e Clark e ataca arte contemporânea



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Foto Rascunho


Ferreira Gullar lembra Oiticica e Clark e ataca arte contemporânea
Em entrevista à Folha, poeta e crítico maranhense de 77 anos relaciona a arte dos dias de hoje a uma "pretensão descabida" e destaca sua influência sobre os nomes centrais do neoconcretismo
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2010200708.htm
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Leia a seguir trechos da entrevista com Ferreira Gullar, na qual reforça a importância de seus livros-poema e relembra a cisão que envolveu concretistas em São Paulo com os neoconcretistas no Rio. (MARIO GIOIA)

FOLHA - O que te motivou a fazer esse livro?
FERREIRA GULLAR - Eu não costumo planejar as coisas, vêm inesperadamente. Depois que eu adoto a idéia, eu sou sistemático, e aí é outra coisa, mas eu nunca planejei fazer esse livro. Surgiu do fato de que, escrevendo eventualmente colaborações daqui e dali, enfim, voltam as questões da arte concreta e neoconcreta. As pessoas me perguntavam coisas, e coisas que eu lia e não correspondiam à realidade. Eu que fui o autor do manifesto, o autor da teoria do não-objeto, modéstia à parte, tive uma participação decisiva na criação desse movimento, mas chegou um momento em que eu me afastei.
Então, ele seguiu em frente, e aí tomaram conta dele [risos]. Grande parte do que fiz não publiquei, como os livros-poema. Idéias que ficaram no manifesto foram sendo postas de lado e se criou uma teoria e uma interpretação do movimento que eu acho que não corresponde exatamente à verdade. Então, eu digo: é necessário botar as coisas nos seus devidos lugares, até para as pessoas compreenderem que é um movimento importante da arte brasileira. Há a contribuição da Lygia [Clark], do Hélio [Oiticica], do Amilcar [de Castro], do Weissmann, enfim, do grupo todo, e é muito importante.

FOLHA - Você mostra a cisão entre os grupos paulista e carioca na poesia e nas artes entre os concretos e os neoconcretos?
GULLAR - São coisas diferentes. A arte concreta e a poesia concreta são, de fato, preponderantemente paulistas. Houve contribuição do grupo do Rio no começo e, sobretudo, quando se refere à poesia, a gente começou mais ou menos junto e tal, mas depois houve a ruptura em condição de discordâncias teóricas, que eram, na verdade, expressão de uma tendência que preponderava mesmo no grupo de São Paulo. Já preponderava entre os pintores com o Waldemar Cordeiro.
A gente aqui no Rio achava ele racional demais, muito excludente das outras complexidades. Depois, com os poetas, quer dizer, com a tese de uma poesia que era feita segundo um plano piloto, coisas com as quais nós não concordávamos.
Era muito mais teoria do que prática. A poesia será feita segundo fórmulas matemáticas... Aí não é possível fazer. Eu considero charlatanismo dizer uma coisa que não pode ser feita. O movimento neoconcreto não nasceu como uma resposta ao concretismo de São Paulo. Essa cultura nasceu em meados de 57, o movimento neoconcreto só nasce em 59, quase dois anos depois.

FOLHA - Você considera que o primeiro marco da sua obra é "Luta Corporal", em 1954? E, na época, qual era a sua relação com poetas de gerações anteriores, como João Cabral, Drummond, Murilo Mendes, Manuel Bandeira?
GULLAR - Quando eu comecei a fazer poesia em São Luís do Maranhão, tinha 17, 18 anos, nem conhecia esses poetas. Não conhecia ninguém. Eu costumo dizer que São Luís era Macondo, lá ainda se fazia poesia parnasiana. Quando eu tomei conhecimento da poesia moderna, foi uma coisa estranha, surpreendente. Em seguida, eu procurei ler sobre aquilo, entender, aderir a essa visão nova e de maneira mais radical do que os próprios poetas da época. E daí "Luta Corporal" ter se tornado mesmo tão exclusivo, que terminou com a desintegração da linguagem, porque não aceitaria qualquer princípio a priori para fazer poesia. Qualquer norma agora, nada eu aceitaria. Esse fato me levou a desintegrar tudo.
Quando eu descobri esses poetas, quer dizer, Drummond, Murilo Mendes, eles contribuíram para me revelar, evidentemente, uma outra visão do que era a poesia. Uma poesia mais ligada ao mundo cotidiano, às constâncias atuais, à realidade material do mundo. Lia todos os dias esses poetas, Bandeira, Murilo, Drummond, lia, relia. Depois, comecei a descobrir os outros poetas do mundo, Rilke, foi uma revelação quando eu conheci a poesia dele, aí depois Rimbaud, Mallarmé.

FOLHA - Você defende a idéia de que a poesia neoconcreta tem uma nova sintaxe, mas não um novo verso...
GULLAR - Veja bem, o Augusto de Campos e o Haroldo de Campos tinham publicado um artigo em que eles diziam que se tratava de buscar um novo verso para a poesia. Aí eu falei para eles: não se trata de um novo verso, se trata de uma nova sintaxe, porque o verso já era. A sintaxe foi desintegrada, tem de ser buscada uma nova sintaxe. O que o grupo de São Paulo fez? Eles criaram, de fato, uma nova sintaxe, que foi a idéia do poema visual, o poema cuja construção não é a sintática, a sintaxe vocabular, a sintaxe da língua, mas o que eles dizem: as relações de proximidade e semelhança entre as palavras. Então, é uma outra forma de construir o poema. Isso é uma coisa nova, eles que fizeram.

FOLHA - Por que sua poesia partiu para o tridimensional? Seus poemas estão em exposições de artes...
GULLAR - Pois é, comecei a fazer o livro-poema. Como eu posso construir um poema que obrigue o leitor a ler palavra por palavra e que no final resulte em uma estrutura visual? Procurei criar um livro que obrigasse o leitor a ler palavra por palavra. Esse fato foi decisivo no neoconcreto. O que distingue a poesia concreta? A participação do espectador na obra de arte. E nasceu do livro-poema, mas eu não inventei nada.

FOLHA - No livro, você diz que seu poema "Fruta" influenciou a série dos "Bichos", da Lygia Clark?
GULLAR - O "Fruta" já é um objeto, ele não é mais um livro. A maneira como ele abre é como se você estivesse assim abrindo uma flor, você tira uma pétala, abre outra pétala, abre outra e aí no fundo está a palavra "fruta" [Gullar pega um "Bicho" e mostra as semelhanças do movimento da escultura]. A Lygia estava desintegrando a pintura e tirando do plano o elemento tridimensional. Estava fazendo os "Casulos", que inchavam a tela, que criavam uma terceira dimensão. Ela partiu para criar uma coisa no espaço, que não é uma escultura, na verdade, é uma coisa que nasce da pintura.

FOLHA - E você diz que seu "Poema Enterrado" influenciou projetos de Hélio Oiticica.
GULLAR - Sim. Depois que eu fiz "Fruta", que já era um objeto, eu pensei: bom, vou fazer objeto a partir de agora. Não vou fazer mais nem livros nem coisas parecidas com livros. Depois, vamos fazer algo com a participação corporal. Agora, não é só a mão que vai participar, agora é o corpo inteiro. E como será? Eu tenho de entrar no poema. Eu imaginei entrar no poema e aí bolei o "Poema Enterrado", que é uma sala no fundo do chão, em que o cara desce por uma escada, abre a porta e entra no poema e lá tem os cubos. Tem lá um cubo vermelho, você levanta, depois tem um cubo verde, você levanta e depois tem um cubo menor que você pega do chão e lê a palavra: "rejuvenesça".
Então, eu publiquei o projeto desse "Poema Enterrado" no Suplemento Literário do "Jornal do Brasil". Aí o Hélio Oiticica leu e me ligou. Falou: "Cara, achei genial, vamos construir. Meu pai está construindo uma casa nova aqui na Gávea Pequena e eu vou dizer a ele para a gente construir o "Poema Enterrado" no quintal". O pai depois se rendeu e construiu o "Poema Enterrado". Quando nós fomos ver, no dia da inauguração do poema, tinha chovido na véspera, o poema estava inundado [risos].
O "Poema Enterrado", do final de 59, teve influência sobre o trabalho do Hélio. Anos depois, os projetos "Cães de Caça", que o Hélio fez, são labirintos que a pessoa percorre, quer dizer, tem essa participação corporal, é uma coisa que foi antecipada pelo "Poema Enterrado". Não estou querendo dizer que eu sou o genial criador da arte neoconcreta. Nós éramos um grupo e havia uma permuta permanente de idéias.

FOLHA - Você fala no livro que Lygia Clark e Hélio Oiticica enveredaram por um campo sensorial.
GULLAR - Essas experiências-limite foram desenvolvidas pela arte neoconcreta e levadas às últimas conseqüências. Quando a própria Lygia, depois dos "Bichos", começa a fazer experiências com a fita de Moebius no "Caminhando", começa a cortar coisas e a experiência seria ficar cortando infinitamente aquelas formas. Ela própria disse que isso não era mais arte. Depois, ela própria transformou aquilo em terapia, os objetos relacionais. Quando o Hélio faz, por exemplo, os "Parangolés", ele não está mais no terreno da experiência formal, de alguma coisa que eu construo. É uma pessoa qualquer que bota um pano nas costas, tem a ver com uma porta-bandeira de Carnaval.

FOLHA - Você está desencantado com o atual estado da arte e da crítica?
GULLAR - Sim, claro. Porque não tem sentido o cara fazer um tipo de suposta arte que não tem artesanato, não tem técnica, não tem princípio, não tem norma, não tem objetivo nenhum. A gente sabe que não pode ser ensinada para ninguém. O que eles vão deixar para a outra geração? O quê? Como se vê mosca em microscópio? É uma pretensão descabida. Até Bach teve que aprender música para poder compor.
É publicada uma série de bobagens, e a crítica participa disso. Fica aí escrevendo coisas que não tem pé nem cabeça. O que você vai escrever? O cara bota larva de mosca... O que a crítica vai dizer? Essas larvas são boas, são belas larvas? Então, não há crítica para isso. Então, o crítico está sendo expulso e não percebe. Então ele fica escrevendo bobagens, sociologias, especulações filosóficas em torno da larva da mosca. Ah, o que há?
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2010200708.htm
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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Uma amostra da nova poesia brasileira

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Trópico

Uma amostra da nova poesia brasileira

Rodrigo Petronio
É mestrando em literatura espanhola na USP e autor de "História Natural" (poemas, selo Gargântua) e "Transversal do Tempo" (ensaios, Imprensa Oficial de Pernambuco, no prelo).


É grande a dificuldade de se fazer uma antologia como “Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil” em um país tão carente de debate sobre poesia como o nosso. É um tipo de trabalho que acaba sempre gerando polêmicas e muitas vezes chama a atenção menos por seus méritos e mais para seus lapsos ou para inadequações garimpadas por especialistas.

“Na Virada do Século”, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa, faz parte de um projeto mais amplo, na verdade. Integra um conjunto de livros que abrange a poesia que vai de Anchieta a Augusto dos Anjos, em um primeiro volume, já publicado, e a que vem do modernismo e chega aos anos 70, em Paulo Leminski e Sebastião Uchoa Leite, em um segundo volume, ainda inédito.

Os poetas selecionados nesse terceiro volume estão unidos pelo fato de terem iniciado sua atividade literária por volta dos anos 80 e 90, à exceção de alguns poucos, que, já publicados antes dessas décadas, só nelas tiveram tiragens maiores e maior atenção da crítica.

Há algum tempo a editora Landy vem se destacando por investir em títulos muitas vezes de circulação restrita, com projetos gráficos diferenciados. Assim, lançou as “Cartas Filosóficas”, de Voltaire, e “Forças Estranhas”, conjunto de contos do excelente Leopoldo Lugones, infelizmente um tanto esquecido pelo cânone literário.

“Na Virada do Século” é composto de 46 poetas de vertentes e procedências diversas, não havendo um predomínio exclusivo de Rio de Janeiro e São Paulo. Quanto aos critérios de escolha, os organizadores optaram por autores que, segundo eles, tivessem uma obra poética inventiva e de qualidade, ambos critérios que contribuem também para fornecer certa unidade à gama de tendências de seus integrantes.

Há, no entanto, uma série de linhas de força a partir das quais podemos agrupá-los. Ricardo Aleixo e Antonio Risério partem do substrato negro e da mitologia africana presente nos orikis para a composição de seus cantos, ao passo que Carlito Azevedo e Claudia Roquette-Pinto, recentemente premiada com o Jabuti por seu livro “Corola” e uma das presenças mais interessantes do livro, seguem o caminho da pesquisa formal e da poesia construtiva.

A vertente construtiva se espraia também em Eduardo Sterzi, Ronald Polito, Tarso de Melo, Kleber Mantovani e Fabiano Calixto, embora com certas variantes de dicção que exploram mudanças de sentido de caráter minimalista. Já em um caminho oposto se encontram os poemas fortes e vociferados de Ademir Assunção, Joca Reiners Terron, Ricardo Corona e Rodrigo Garcia Lopes, que retomam o repertório da beat generation e da contracultura para compor uma poesia de apelo visual acentuado e de desarticulação sintática.

Os dois organizadores também estão presentes na antologia. No prefácio, justificam tal inclusão como uma escolha recíproca um do outro e, a despeito do que essa iniciativa possa gerar de temeroso, dizem que isso é o resultado de uma confiança mútua nos critérios críticos e no valor poético de cada um deles.

A poesia de Claudio Daniel, 40, autor de “A Sombra do Leopardo” (Azougue), transita entre referências a filosofias orientais e à estética neobarroca cubana, explorando a capacidade plástica da linguagem e das imagens, enquanto a de Frederico Barbosa, 41, autor de “Nada Feito Nada” (Perspectiva), traduz a experiência árida da vida metropolitana em uma linguagem poética que se torna cada vez mais sugestiva. E talvez seja a sugestão, a metáfora em alto grau de condensação, o fio condutor de todas essas poéticas da atualidade, já que esse é o traço marcante da maior parte da poesia que tem sido produzida.

Os poemas de Donizete Galvão, outro ponto alto da antologia, partindo de uma temática ligada à terra, aos objetos cotidianos, à memória e aos resíduos do tempo, arranja esse mundo mudo, que Francis Ponge classificou como a única pátria do homem, a partir de um tratamento muito acurado da linguagem e um olhar certeiro. Já Glauco Mattoso exibe seu riso ácido e indefectível em uma seleção de poemas que contém muitos traços de sua produção literária até hoje.

Um dos nomes a ser destacado é o de Antônio Moura, que domina bem o ritmo, recortando o verso de maneira muito peculiar. Há também o de Contador Borges, discípulo de René Char e dono de uma imagética muito pessoal, e Maurício Arruda Mendonça, poeta que consegue guiar o olhar do leitor na sua vertigem de imagens.

O livro conta com um espaço especial para os poetas inéditos, ou seja, aqueles que não têm livros impressos mas que já publicaram poemas em revistas literárias, coletâneas ou na Internet. Dentre eles se destacam sobretudo André Dick e Micheliny Verunschk.

Em tempo, algumas justiças sejam feitas. A inclusão dos poetas Cacá Moreira de Souza e José de Paula Ramos Jr. e a omissão de nomes como Augusto Massi, Heitor Ferraz e Fábio Weintraub, entre outros, nos induz a pensar que a balança guiada pelo binômio invenção-qualidade pesou sem muita justificativa em favor do primeiro critério. Porque a qualidade não precisa necessariamente estar associada a esse conceito de pesquisa formal que os organizadores relevaram na escolha dos nomes, e não raras vezes é possível encontrar uma aparente radicalidade formal cujo único objetivo é camuflar propostas vazias de interesse e ornamentar concepções poéticas que são, em sua essência, fracas e rebarbativas. Aqui parece que as divergências estéticas prevaleceram sobre o bom senso, o que é de se lamentar.

A antologia poética de Claudio Daniel e Frederico Barbosa pode ser vista apesar disso como um bom recorte. Isso não nos impede, como é de praxe ocorrer, de enfileirarmos uma série de novos nomes e fazermos nossa reivindicação, pois se o mérito da iniciativa se esgotasse em si mesmo, não haveria ressonâncias e debate, ou seja, boa parte de seu valor se perderia.

Por que não Paulo Ferraz, Fabrício Corsaletti e Chantal Castelli, que estão despontando agora, já têm livros publicados e um trabalho bastante sólido? Por que não Dirceu Villa e Cídio Martins, as vozes mais fortes da poesia nascente? Fica a crítica em forma de sugestão, para uma edição futura dessa obra ou para outras possíveis antologias que apareçam por aí.


Na Virada do Século – Poesia de Invenção no Brasil é o terceiro volume de um projeto editorial maior. Falem um pouco desse projeto.

Claudio Daniel: Existe um livro sedutor, chamado Cinco Séculos de Poesia, que apresenta uma mostra da poesia clássica brasileira, desde Anchieta até Augusto dos Anjos. Este livro foi organizado pelo poeta Frederico Barbosa, que, além de sua obra pessoal como criador, tem se dedicado também à crítica literária e ao trabalho de editor de textos como os Sermões de Vieira e a poesia de Camões, publicados pela editora Landy. Pois bem, no prefácio a Cinco Séculos, o autor fez uma promessa: continuar a antologia, publicando mais dois volumes, um dedicado à poesia brasileira do período entre o modernismo e os anos 70, e um outro enfocando a produção contemporânea, do final do século 20.

Pois bem, como eu estava organizando, também, uma seleção de poetas recentes, foi até natural o nosso encontro, que permitiu juntarmos esforços para realizar o segundo livro da trilogia, que é Na Virada do Século. Trabalhar com Fred, que hoje além de parceiro intelectual é meu amigo, foi algo muito prazeroso, e certamente aprendemos muito um com o outro. Enfim, esse foi um trabalho empolgante, que agora oferecemos aos leitores e aos críticos, e sobretudo ao tempo, que, como diz Fred na sua introdução, é o maior de todos os críticos literários.

Frederico Barbosa: O projeto tem inspiração no trabalho de antologistas do passado, como Manuel Bandeira, Sérgio Buarque de Holanda e Andrade Muricy. Inicialmente pretendi, com o livro Cinco Séculos de Poesia, apresentar uma seleção dos grandes poetas brasileiros anteriores ao modernismo. A idéia foi incluir os poemas mais canônicos, assim como aqueles mais inventivos, que muitas vezes não são os mais conhecidos, de poetas como Gonçalves Dias, Olavo Bilac ou Álvares de Azevedo.

Pretendia continuar o projeto com a poesia do modernismo, mas é uma empreitada por demais trabalhosa, mesmo porque há de se negociar direitos autorais com famílias por vezes bem pouco receptivas etc. Ao conhecer o Claudio Daniel, descobri que ele fazia uma antologia dos anos 90. Resolvemos, então, juntar nossos esforços para fazer Na Virada do Século. Sem o Claudio, esse volume não seria possível. Aprendi tanto com ele, que já o convidei para organizar o volume do modernismo comigo. Além disso, a Landy, por sugestão minha, vai publicar livros de poetas e prosadores contemporâneos brasileiros e portugueses. Creio que será uma coleção muito significativa.

Quais foram os critérios adotados para selecionar os poetas e os poemas? E a pesquisa do material, como foi feita?

Daniel: Paixão e rigor, gozo sensual e reflexão sobre a escritura estão presentes em qualquer trabalho com a criação poética. Não é possível haver “neutralidade”, nem uma suposta objetividade científica, sobretudo em antologias, que são recortes parciais da produção de um período. Há método e normas, há critérios e um trabalho meticuloso, mas que andam de mãos dadas com a intensidade, a cumplicidade, o envolvimento com os autores e textos selecionados.

Quando Fred e eu resolvemos nos lançar à aventura de organizar Na Virada do Século, partimos de algumas pistas iniciais: queríamos mostrar o que havia de mais criativo e inovador na poesia brasileira mais recente, produzida nos anos 80 e 90, e não apenas no habitual eixo Sul-Sudeste, mas também em outras regiões do país, para dar uma abrangência nacional à mostra. De fato, comparecem autores como Antônio Moura, do Pará, Micheliny Verunshk, de Pernambuco, Antônio Risério, da Bahia, André Dick, do Rio Grande do Sul, e muitos outros nomes e estados.

Porém, não concordamos, de maneira nenhuma, com pressupostos da teoria dos gêneros. Não incluímos nenhum autor apenas por ser negro, judeu, mulher ou homossexual; julgamos textos e processos criativos, e não características biológicas ou pessoais. Houve um critério rigoroso, com certeza, na avaliação dos trabalhos, que privilegiou poetas comprometidos com a experimentação estética, com a invenção, ainda que não filiados a uma única concepção ou escola.

Há abrangência e multiplicidade em nossas escolhas, que incluem autores que partiram do neobarroco, da “Language poetry”, da poesia marginal e de outras vertentes estéticas, mas excluímos, de maneira programática, as linhas mais conservadoras, como o neoparnasianismo, que estão fora de nosso campo de interesse. Por outro lado, embora o livro privilegie autores que estrearam nos anos 80 e 90, achamos oportuno, também, incluir alguns poetas que, embora tenham estreado nos anos 70, com livros de pequena tiragem e custeados pelos próprios autores, só obtiveram fortuna crítica mais recente: é o caso de Antônio Risério, Glauco Mattoso e Júlio Castañon Guimarães.

A pesquisa foi realizada em anos de leitura, não só dos livros de dezenas ou centenas de poetas, mas também de revistas e sites de literatura que surgiram no período. Reunimos, ao todo, 46 poetas numa antologia que vem mostrar a falácia de certas premonições de sibilas do apocalipse, que não se cansam de repetir o refrão de que não há nada de novo na poesia atual. Certamente, muitos não vão gostar da escolha dos nomes, dizendo que faltaram este ou aquele, mas não é possível agradar a gregos e baianos, felizmente.

Barbosa: Gostaria de acrescentar que toda escolha é passível de revisão. Mesmo sendo, como a nossa, pautada por critérios poéticos e não pessoais, como ocorre em muitas que rolam por aí, especialmente aquelas “para inglês ver”. Já vi até um certo antologista de incrível caráter que, depois de brigar com alguns poetas por ele incluídos numa antologia dessas, resolveu eliminá-los de futuras edições. Pode? Como nunca se poderá conhecer toda a produção poética de um país tão cheio de poetas como o Brasil, é óbvio que muita coisa boa acaba ficando de fora.

Já descobri, desde que fizemos o livro, alguns poetas bem interessantes que poderiam muito bem constar da antologia, como o paraibano André Ricardo Aguiar. Além disso, falta, na seleção, exemplos da poesia visual, de autores como Avelino Araújo, de Natal, ou mesmo de autores presentes na seleção, como Arnaldo Antunes, Antonio Risério e João Bandeira. Foi uma opção editorial. Mas espero publicar, logo, uma antologia integralmente voltada para a poesia visual.

Na introdução do livro, vocês dizem que dois critérios fundamentais para a seleção dos autores foram a inventividade e a qualidade. Esses critérios não se chocaram, já que há uma série de autores que têm qualidade mas não se filiam tão explicitamente a esse conceito de invenção que vem das vanguardas e, mais especificamente, da poesia concreta?

Daniel: Confesso que não tenho o menor interesse pela poesia bem comportada, convencional e canônica, pela lírica de “estrelas alfa” e “virgens cem por cento”, de que falava o Manuel Bandeira. Prefiro o “poema sórdido”, assim como o mestre pernambucano. Gosto de poemas de alto impacto, que me levem a nocaute. E a poesia que me surpreende, fascina e encanta é aquela que trabalha com a linguagem da maneira mais radical, rompendo com as normas lineares do discurso e da sintaxe, renovando o léxico e os códigos de referências simbólicas.

Essa vertente poética, sem dúvida, dialoga com aspectos da poesia concreta, do tropicalismo, mas sem ficar restrita aos postulados do “Plano Piloto”. Os poetas da nova geração, que reunimos nesta antologia, têm múltiplas filiações e pesquisas culturais e lingüísticas. Temos desde poetas como Josely Vianna Baptista, que faz uma interessante releitura do neobarroco, até Tarso de Melo, que busca a síntese e a estranheza a partir da visão incomum sobre o cotidiano; para não falar de Rodrigo Garcia Lopes e Ademir Assunção, que incorporaram influências da música pop, do cinema, das histórias em quadrinhos e outras mídias, ou de Ricardo Aleixo, que fez pesquisas sobre o oriki, o poema-ritual de origem africana.

Dizer que todos esses autores são “concretistas” seria um ledo e ivo engano. São jovens que pesquisam, insatisfeitos com a banalidade da mídia, novas modalidades de criação. Isto, para mim, é poesia. É a poesia que faz sentido hoje.

Barbosa: Qualidade sem inventividade não é arte, é burocracia, é papo furado, papo de otário. O conceito de “invenção” não foi criado pelas vanguardas, muito menos pela poesia concreta. Invenção é tudo na poesia, desde Homero. O resto é conversa para boi dormir, picaretagem.

O papel das revistas é fundamental, sobretudo para os iniciantes. Vocês acham que há no Brasil uma boa cultura de meios de divulgação, como revistas especializadas, jornais, sites e editoras?

Daniel: Poesia no Brasil sempre foi mercadoria de contrabando. Somos todos passageiros clandestinos, que insistem em escrever poemas e mais poemas, quase sempre à margem da imprensa diária, da televisão, da universidade e, muitas vezes, até do mercado editorial. Por quê? É difícil saber. Talvez seja uma doença, ou um vício. O fato é que os poetas da nova geração organizam recitais, criam fanzines, sites e revistas de literatura, como Medusa, Monturo e Babel para fazer circular a sua produção, ainda que na contracorrente.

A internet contribuiu, talvez, para levar a poesia a um público mais amplo, e hoje existem sites de ótima qualidade, como Popbox, Caos e o site do próprio Frederico Barbosa. Acredito que todas essas publicações e páginas virtuais, assim como as antologias, com as suas possíveis lacunas e desníveis de realização, constituem registros ou documentos consistentes daquilo que fomos capazes de criar.

Barbosa: A divulgação da literatura produzida no Brasil hoje é péssima. A grande imprensa dedica seu pouco espaço a best sellers como Harry Potter, a livros idiotas escritos por adolescentes que vão ao shopping ou mesmo ao trabalho de certos críticos universitários caquéticos que não fazem mais do que reproduzir velhos conceitos ultrapassados e incapazes de dar conta da produção contemporânea. Ao contrário do Claudio, eu tenho enorme desconfiança mesmo da revistas de poesia. Em geral representam “clubinhos” e seus editores se pautam por critérios totalmente pessoais. Escrevi até um poema sobre o assunto, que vai aí em primeira mão:

ação entre amigos

dois ou três poetas
– medíocres –
montam revista

são donos do mundo:
– abrimos as portas!

seus amigos
batem palmas

lá fora
ninguém ouve
seus vivas
ninguém os lê

lá fora
é só tiro
só desgraça
raiva e vaia

mas
dois ou três poetas
– medíocres –
batem palmas

seus amigos
são donos do mundo
montam revista

batem-se palmas...
batem-se palmas...
batem-se palmas...

Qual é a importância da cultura e da erudição para um poeta?

Daniel: Creio que a importância da cultura para o poeta é a mesma que para o cidadão em geral, ou seja, contribuir para formar a sua visão de mundo, e portanto sua cidadania e liberdade de escolha, a partir do conhecimento histórico e das realizações artísticas e intelectuais que marcaram o nosso planeta. Para o trabalho poético, as referências culturais podem ser interessantes como sugestões de temas, ou para a escolha de palavras, formas ou citações, mas isso não é essencial para se fazer um bom poema, que pode ser tão simples e profundo como “velha lagoa / salta uma rã / rumor de água”, do poeta-samurai Matsuo Bashô...

Por outro lado, nos últimos anos, podemos notar, na poesia de nossa geração, um excesso de referências cultas, e muitas vezes o resultado é algo artificial e afetado, uma espécie de maquiagem de drag queen. É preciso ter cuidado com as citações, com os diálogos intertextuais, para que eles não se sobreponham ao olhar do próprio poeta sobre as coisas; sobretudo, em minha opinião, deve haver sinceridade no texto poético, mesmo quando o autor está mentindo, já que o ofício do camaleão faz parte da escritura e das obsessões de qualquer escritor ou artista. É preciso sinceridade na verdade, e ainda mais na mentira.

Barbosa: É isso aí. Cultura e erudição são fundamentais para qualquer ser humano. O que é lamentável é a ostentação de cultura, em geral feita por pessoas que a têm apenas como verniz. Na poesia é a mesma coisa. Estou farto de poetas “novo cultos”, para os quais a poesia é um veículo de esnobismo cultural.

Heidegger escreveu O Que É Metafísica? e Sartre, O Que É Literatura?. Se fosse pedido a vocês um livro desse gênero, o que diriam em linhas gerais? Ou seja, o que é poesia?

Daniel: Poesia, para mim, é encantamento. É surpresa. Transformar as palavras em música orgânica, em pinturas vivas. O bom poema, como dizia Huidobro, é um pequeno universo, com sua própria fauna e flora, e não um eco ou reflexo de algo exterior à sua própria lógica semântica e estrutural. A poesia é a arte da resistência à banalidade, pois o poeta não se conforma à monotonia do cotidiano, à repetição mofada de ícones da indústria cultural, enfim, a uma suposta realidade, previsível e vulgar. Ele prefere dizer não a uma ordem carcomida e construir novas possibilidades de uma realidade alternativa, através de seus poemas.

O poeta é um criador de realidades; pelas relações inusitadas entre as palavras, ele articula novas formas de pensamento, e logo novos modelos de mundo. Esse é o potencial subversivo da linguagem, é a sua ação política. Quando você apenas reproduz formas de escritura petrificadas, ainda que abordando temas “sociais”, não estará fazendo nada além de reproduzir os modelos de idéias vigentes na sociedade.

Ao romper com esses padrões e propor outros modos de comunicar idéias e sensações, o poeta não está conduzindo uma insubordinação aparente, mas uma transformação profunda, que produz novos conteúdos, numa rebelião contra o banal imediato e o lugar-comum. Os poetas que me interessam atuam nessa linha, como Maiakóvski, Blake, Rimbaud, Augusto de Campos, entre muitos outros de diferentes épocas, climas e latitudes.

Muito do que nasceu sob o signo da ruptura e do experimentalismo já foi assimilado pela indústria cultural. A subversão da linguagem, em arte, ainda tem um significado político?

Daniel: Acredito que exista uma tensão permanente entre a arte e a sociedade. Cabe ao artista questionar, sempre, as formas viciadas de viver, sentir e pensar, refletir criticamente sobre o estabelecido, e não se pode cumprir esta missão por meio de formas estéticas convencionais, como o realismo. É preciso criar sempre novos instrumentos de guerrilha cultural, pois não é possível questionar estruturas sociais sem colocar em xeque também o mecanismo do pensamento e a linguagem que são produzidos por essas mesmas estruturas.

Como dizia o poeta russo Vladimir Maiakóvski, “sem forma revolucionária, não existe arte revolucionária”. É claro que a indústria cultural se alimenta da subversão que produzimos: tudo aquilo que foi sinal de inconformismo nos anos 60, como por exemplo o rock and roll e a revolução sexual, já foi incorporado à telinha da Globo.

É a maneira que o sistema encontra para renovar a sua própria linguagem e conteúdos, para fortalecer e ampliar seu domínio e, ao mesmo tempo, esvaziar o potencial demolidor das vanguardas, diluir ou amortecer o seu impacto. Estamos jogando xadrez com um adversário muito inteligente, e nossa tarefa é criar cada vez mais dificuldades para que ele tenha dificuldade em assimilar e processar esses dados e, um dia, quem sabe, entre em curto-circuito.

Valorizar o novo: não seria isso um velho modismo?

Daniel: E valorizar o velho, seria um novo modismo? Vou te contar uma história: quando li o poema Tudo Está Dito, do Augusto de Campos, aos 18 anos, confesso que senti uma profunda angústia. Pensei: depois disso, o que é possível fazer? Depois, quando li o Finnegans Wake, do Joyce, senti a mesma coisa em relação à prosa: caramba, esse sujeito explodiu a linguagem, e não dá para escrever mais nada. Creio que muitas pessoas de minha geração sofreram impacto semelhante.

Claro, nessa situação, só há duas saídas possíveis: ou você recusa o caminho da invenção e faz o retorno a formas fáceis, canonizadas pela tradição, para fugir ao problema, fazer de conta que ele não existe, como o marido traído que tira o sofá da sala, para tentar evitar o adultério; ou por teimosia e resignação prossegue na vereda experimental, buscando sempre outras possibilidades de escritura, sem esperança e sem temor.

Para quem prefere o retorno ao passado, há muitas facilidades disponíveis: é possível escrever sonetos, com métrica e chave de ouro; imitar os românticos, usando retórica, palavras arcaicas e imagens helenizantes; ou fazer versinhos bem simplesinhos (que bonitinhos!), à maneira de certo modernismo. Sinceramente, prefiro continuar a investigar repertórios e autores que têm alguma coisa nova a dizer do que trilhar estradas gastas. Há poetas hoje que, a partir do construtivismo, da contracultura e de outras referências contemporâneas estão obtendo excelentes resultados, como o Joca Reiners Terron, que publicou Animal Anônimo, ou a Jussara Salazar, que faz livros artesanais como Jardim de Retratos.

Às vezes tenho a impressão de que há muito sectarismo nas letras: troca de favores e defesa de grupos mais do que debate de idéias.

Daniel: Acredito que o debate de idéias faz falta, sim, em nossa vida literária. Hoje, temos poetas que assumem concepções estéticas e filosóficas bem distintas uns dos outros, o que poderia levar a discussões interessantes no âmbito universitário ou na imprensa. Porém, o que predomina, como você mesmo diz, é esse sectarismo, que recorda a adesão a esse ou aquele time de futebol ou escola de samba.

Por um lado, isso é positivo, já que não se faz poesia sem paixão, mas, por outro, pode levar a uma visão distorcida e preconceituosa das coisas. Esse tipo de disputa ou contenda, porém, não é nenhuma novidade na história da literatura. No prefácio ao Serafim Ponte Grande, que é um grande documento de nossas letras, Oswald de Andrade já se referia aos poetas que “trocavam tiros entre rimas”. Também na Comédia de Dante podemos notar que o poeta incluiu no inferno alguns de seus desafetos.

Creio que o artista, até por sua psicologia, já analisada por Jung, assume muitas vezes atitudes narcísicas, que podem levar a toda sorte de equívocos, grosserias e atitudes intolerantes, daí a necessidade do constante exercício do bom senso e da autocrítica. Porém, se o sectarismo e a intolerância são males que precisam ser evitados, creio ser ainda mais nociva a postura de uma suposta “neutralidade”, como bem diz o Fred, pois, na maioria das vezes, essa atitude apenas mascara a adesão aos cânones vigentes, ou seja, uma acomodação a pretensas verdades estabelecidas.

Prefiro definir às claras aquilo que penso, sem meias palavras, do que fingir imparcialidade. Em poesia, em arte, não é possível ser imparcial: você defende uma estética, uma visão de mundo, que inevitavelmente entram em choque com outras opiniões. Porém, uma coisa é o debate, a divergência, outra coisa são insultos ou ataques pessoais: vamos discordar, polemizar, mas sem perder a civilidade e (por que não?) a amizade com aqueles de quem discordamos.

Barbosa: Debate de idéias? Onde? Há mais debates de idéias nos espetáculos de luta livre. Não só não se discutem idéias, nesse país, como alguns pseudocríticos chegam até a defender a ação dos “grupinhos” de amigos que se espalham por aí como saúvas.

Na número 53 da revista “Cult”, por exemplo, saiu uma resenha de uma coleção de livretos publicados pela editora 7Letras. Assina-a uma espécie de conselheiro Acácio (leia-se “O Primo Basílio”, do Eça) com pendor poético de Wando -sim, o colecionador de calcinhas-, o senhor Fábio Weintraub, ele mesmo membro de um grupo especializado em se autodefender com veemência, atacando qualquer um cuja inventividade pareça-lhe ameaça à sua mediocridade avassaladora, capaz de escrever frases brilhantes e precisas como: "Bastando orvalhar alguns de seus fios para indicar a sinergia que há por trás de semelhante empreitada, fato, por si só, digno de nota em tempos de fragmentação e entropia".

Para júbilo do crítico, essa nova coleção de opúsculos “se trata de uma ação entre amigos”, que, sempre acaciano, o resenhista denomina de “trabalho que floresce a partir do pequeno círculo de sociabilidade constelado em torno da editora 7Letras...”. Pode? É a defesa explícita dos grupos e da troca de favores. Pois são exatamente esses membros de grupelhos que se dão bem nesse país. Lima Barreto já via e sentia isso muito bem. Não creio que o pior sejam os insultos.

Acho fundamental que as pessoas briguem e até se agridam na defesa das suas idéias. Considero o “pacifismo intelectual” uma atitude bovina e mediocrizante. O insuportável é que os pseudocríticos só elogiam ou xingam para defender seus interesses pessoais. O pensamento em geral é : “Não vou ofender fulano porque posso precisar dele depois” ou “vou atacar sicrano para me dar bem com aqueles outros que são seus inimigos”. E por aí a coisa vai. Se tudo é assim nesse país, por que na poesia seria diferente?

O que falta à literatura brasileira?

Daniel: Eu acredito que a literatura brasileira, hoje, é uma das mais interessantes do mundo. Temos autores do nível de Augusto e Haroldo de Campos, Sebastião Uchoa Leite, Wilson Bueno, Josely Vianna Baptista, Júlio Castañon Guimarães, Nelson de Oliveira, para citar poucos nomes, e só de escritores vivos (se fossemos recorrer ao passado, um Machado de Assis, que para mim não é inferior a Balzac ou Flaubert). Não faltam os bons autores, nem os bons livros.

O que precisamos é de melhor distribuição nas livrarias e de maior divulgação na imprensa e na mídia eletrônica, em especial. Por que não há programas de literatura, na televisão, para o público jovem? Além disso, creio que o ensino de literatura nas escolas deveria incluir, também, aquilo que se faz hoje, para que os alunos vejam que a poesia não é apenas algo (em geral chato) que aconteceu no passado, mas que é algo vivo, que está ocorrendo no presente, à nossa volta. Aproximar o jovem do livro é algo fundamental, e, nesse sentido, creio que seria interessante, também, haver algum tipo de programa que leve os escritores até as escolas. Porém, o Brasil carece de uma política cultural mais eficiente, o que sem dúvida nos levaria a um outro tipo de discussão, para além dos limites desta entrevista.

Barbosa: Nada falta a uma literatura que teve Gregório de Matos, Gonçalves Dias, Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Drummond e João Cabral, entre outros. Ou que tem hoje Sebastião Uchoa Leite, Augusto e Haroldo de Campos. O que falta a muitos escritores e principalmente críticos brasileiros é coragem e caráter.


Os poetas da antologia

Ademir Assunção
Anelito Oliveira
Amada Ribeiro Neto
André Dick
Angela de Campos
Antonio Moura
Antonio Risério
Arnaldo Antunes
Cacá Moreira de Souza
Carlito Azevedo
Carlos Ávila
Claudia Roquette-Pinto
Cláudio Daniel
Cláudio Nunes de Morais
Contador Borges
Donizete Galvão
Eduardo Sterzi
Elson Fróes
Fabiano Calixto
Fabrício Marques
Frederico Barbosa
Glauco Mattoso
João Bandeira
Joca Reiners Terron
Jorge Lúcio de Campos
Jorge Padilha
José de Paula Ramos Jr.
Josely Vianna Baptista
Júlio Castañon Guimarães
Jussara Salazar
Kleber Mantovani
Lau Siqueira
Luiz Roberto Guedes
Matias Mariani
Maurício de Arruda Mendonça
Micheliny Verunschk
Paulo César de Carvalho
Reynaldo Damazio
Ricardo Aleixo
Ricardo Corona
Rodrigo de Souza Leão
Rodrigo Garcia Lopes
Ronald Polito
Sergio Cohn
Takeshi Ishihara
Tarso de Melo



O livro:

Na Virada do Século - Poesia de Invenção no Brasil. Editora Landy (tels. 11 3088-4776/ ou 3081-4169 ou 3891-0840, 348 págs., R$ 35,00.




Rodrigo Petronio
É mestrando em literatura espanhola na USP e autor de "História Natural" (poemas, selo Gargântua) e "Transversal do Tempo" (ensaios, Imprensa Oficial de Pernambuco, no prelo).

domingo, 7 de outubro de 2007

Dejas de vivir si dejas de ser útil"


Dejas de vivir si dejas de ser útil"
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Santiago Fondevila | Girona | 04/10/2007 | Actualizada a las 03:31h
Llega algo alterado porque la escalera de emergencia del hotel estaba bloqueada, porque ha llamado a su secretaria pero - "como de costumbre, no tiene batería", dice- y ha tenido que llamar a Italia para que llamaran a... Pero ya está. Dario Fo, el Nobel juglar, inaugura esta noche en el teatro Municipal de Girona el festival Temporada Ata con un one man show a su más puro estilo. Osea, partiendo siempre del Misterio Buffo.

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Perfil

En contacto con la realidad
Ha superado los ochenta y su esposa, Franca Rame, se enfada mucho con él porque no para. Y no deja parar a sus ayudantes, que acaban despidiéndose. Lo cuenta mirando al vacío, De hecho, este juglar que les viene cantando las cuarenta desde hace años a los poderes establecidos, en defensa de los débiles (por eso le dieron el premio Nobel), mira poco a los ojos pero los tiene abiertos. Al fin, tras tanto actuar, sigue en lo mismo. Es un decir. Misterio Buffo, un espectáculo. No la llave,dice, para salir a escena. Porque en el espectáculo de ahora habla de los monjes de Birmania, de la política actual. Siempre en contacto con la realidad.

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MÁS INFORMACIÓNDario Fo abrirá la Temporada Alta con una denuncia a la crisis de Birmania
Edición Impresa: En contacto con la realidad
 

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PALABRAS CLAVE

Nobel, Italia, Rossini, Girona, Rafael, Miguel Ángel, Vaticano, Brecht
Todavía sobre los escenarios ¿Porque?

Porque es mi vida.

¿Pero no está cansado?

He visto morir a varios actores en escena, personas que con enfermedades terminales han querido trabajar hasta el último momento. Porque en nuestro trabajo, la vida es actuar.

¿No estará pensando en una muerte en escena?

Por supuesto que no pienso en una muerte tan romántica y épica, pero cuando uno es un fabulador como yo, es fundamental comunicar, plantear a los otros los problemas.... Porque vivimos una época dominada por la desinformación organizada desde el poder.

¿Cómo se puede seguir en la lucha, en la crítica a los poderes establecidos, en unos momentos en los que la mayoría incluso de izquierdas piensa que está todo casi perdido?

Sólo está perdido cuando se deja la lucha. Entonces si que está mortalmente perdido. Pero fíjese en los grandes autores alemanes, como Brecht, que vivieron el nazismo, tuvieron que huir, pero siguieron escribiendo.

¿Y qué fuerza le mantiene así? La conciencia de servir a alguien todavía. Mi madre, cuando estaba en el hospital con una enfermedad muy penosa, y eso que aún viviría varios años, me dijo: dejas de vivir si dejas de ser útil, cuando no te preocupas por alguien.

Entonces, mucha gente vive muerta en su individualismo. Pero ¿pueden hacer otra cosa?

Implicarse. Pensar que las cosas sí dependen de uno mismo.

Pero eso da miedo, produce angustia.

Lo contrario también. Es verdad que hay mucha indolencia. Miro el cielo de ahora, rojizo, y recuerdo el de hace cinco años, azul. Ahí está el problema del cambio climático, pero la gente coge su coche y sale a a la carretera sin preocuparse; pensando que serán los otros los que mueran.

¿Cómo están sus relaciones con la empresa del Vaticano?

He hecho un estudio sobre pintores como Rafael o Miguel Ángel en relación con los papados, y se han enfadado mucho. Lo único que he hecho es recoger la historia de esos papas inmorales, que organizaban guerras, que tenían amantes....

Usted hace un teatro popular, y en contacto con la realidad, pero hay una gran tendencia al teatro burgués para burgueses.

Así es. No sé si también aquí, pero en Italia se lleva lo que llamamos el teatro digestivo; el que no hace pensar. Un teatro antiguo, estancado, repetitivo. Luego están los espectadores que compran tres abonos de teatros distintos y van a la platea a dormir. Un crítico italiano decía que se duerme bien en el teatro ahora.

¿Y eso por qué?

Hay poco amor por el teatro.

¿Por qué sólo dirige ópera de Rossini?

La verdad es que no encuentro otros autores. Siempre que lo he intentado surgen imprevistos. Una vez iba a dirigir una obra del 1600 de un alemán... y se murió el tenor. Yo creo que Rossini quiere que acabe de hacer todas sus obras.

¿Sueña?

Sí, claro.

Cuando duerme, quiero decir.

¿Qué sueña entonces?

Es maravilloso: como soy escritor y director de escena tengo sueños muy bien construidos.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Entrevista: máquinas terão consciência até 2020, diz futurólogo


http://idgnow.uol.com.br/computacao_pessoal/2007/10/03/idgnoticia.2007-10-02.5202464661/
Entrevista: máquinas terão consciência até 2020, diz futurólogo
Por Peter Moon, especial para o IDG Now!
Publicada em 03 de outubro de 2007 às 07h00
Atualizada em 03 de outubro de 2007 às 10h56
E-mail Imprima Comente Erros? del.icio.us Digg a a a
São Paulo - O futurólogo da British Telecom, Ian Pearson, prevê advento de máquinas inteligentes e conexão do cérebro com a internet.

Você pode não concordar com ele. Pode mesmo não acreditar em nada do que ele diz. Mas a British Telecom acredita. Ian Pearson é o futurólogo de plantão da BT, a gigante de telecom do Reino Unido.

Pearson é pago para imaginar aonde as tecnologias atuais irão nos levar. Inteligência Artificial, modificação genética do ser humano, vírus inteligentes, civilizações imaginárias, a Second Life 10.0 e cenários terríveis como o do Exterminador do Futuro fazem parte do vasto leque de possibilidades na mira deste cientista.

De posse de novas informações, todos os anos ele atualiza a sua Linha Tecnológica do Tempo, onde se lê que a seleção inglesa de futebol irá perder para jogadores robôs em 2051.

Nesta entrevista exclusiva feita por telefone desde Londres, onde mora, Pearson fala sobre o seu ofício, pondera sobre os problemas para entender as máquinas inteligentes quando estas surgirem, e alerta para os grandes dilemas ético-morais decorrentes do avanço tecnológico que a humanidade terá, mais cedo ou mais tarde, que enfrentar.

Por que a BT tem um futurólogo?
Ian Pearson – A BT usa o termo futurista. É um termo mais internacional. Futurólogo é particularmente britânico. Gostamos de pensar que contar com futurólogos na BT é como olhar através do pára-brisa do seu carro quando está dirigindo sozinho no meio da neblina. Não se pode delinear uma imagem nítida do que está à frente. Procura-se detectar os obstáculos. Às vezes pode-se confundir uma silhueta à distância, mas poucos entre nós iriam guiar no meio de um nevoeiro sem se importar em olhar através do pára-brisa. Uma visão desfocada é muito melhor do que visão nenhuma!

domingo, 30 de setembro de 2007

Percentual de residências com computador quase dobra em 5 anos

14/09/2007 - 10h00
Percentual de residências com computador quase dobra em 5 anos
Da Redação
Em São Paulo


COMPUTADOR
Brasil 12,6% 22,4%
Norte urbana 6,7% 12,4%
Nordeste 5,2% 9,7%
Sudeste 17,3% 29,2%
Sul 13,9% 27,9%
Centro-Oeste 10,6% 20,4%
Região 2001 2006

O interesse pelo computador segue em ascensão entre os brasileiros, mas os que moram nas regiões mais desenvolvidas do país ainda têm maior facilidade de acesso à máquina. Este é o panorama mostrado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2006 do IBGE, divulgada nesta sexta-feira. O lado bom é que, em todas as regiões do país o número de computadores nas residências aumentou.

Em 2005, 18,6% dos domicílios do país tinham computador, percentual que passou para 22,4% no ano passado. Se for considerado um período mais longo, os números são ainda mais expressivos, já que em 2001, apenas 12,6% das casas contavam com a ferramenta.

Em quatros regiões (Norte urbano, Nordeste, Sul e Centro-Oeste) os percentuais praticamente dobraram (veja tabela). No entanto, a comparação entre os números das regiões Sudeste e Nordeste mostra uma diferença considerável. Se, na primeira, 29,2% possuíam computador (23,1% com acesso à internet), o bem estava presente em apenas 9,7% dos domicílios do Nordeste, dos quais 6,9% ligados à rede mundial.

O Norte do país ficou pouco à frente, com 9,8% das casas com computadores (6% com acesso à internet) no último período da pesquisa do IBGE. No entanto, se forem excluídos os domicílios da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá, o percentual passa para 12,4%.

TELEFONES FIXO / CELULAR
Brasil 71,6% 74,5% 23,5% 27,7%
Norte 54,1% 59,9% 27,2% 34,7%
Nordeste 49,5% 53,6% 24,1% 29,1%
Sudeste 81,2% 83,4% 18,9% 21,7%
Sul 83,9% 86% 29,5% 34,4%
Centro-Oeste 78,8% 81,3% 32,8% 38,9%
Regiões 2005 2006 2005 2006

As linhas telefônicas, importantes no acesso à internet, estavam presentes em maior número em todas as regiões, em 2006, passando de 71,6% em 2005 para 74,5%. Mas, no Norte e Nordeste, os celulares fizeram mais sucesso, já que os percentuais de crescimento na quantidade de telefones móveis nestas regiões superaram a média nacional.

Se ainda há foi detectada uma desigualdade na presença de computadores pelo país, as diferenças diminuem quando outros bens de consumo relacionados à informação são analisados. Em 2006, o rádio estava presente em 87,9% das residências e a televisão, em 93% dos domicílios.

Entre 2005 e 2006, itens como fogão, geladeira e máquina de lavar roupa não sofreram alterações significativas. Quase a totalidade das residências possuía fogão no ano passado (97,7%), enquanto em 89,2% a geladeira estava presente (contra 88% em 2005). A máquina de lavar apresentou aumento de 1,7 ponto percentual (37,5% em 2006 contra 35,8% em 2005).
UOL Busca - Veja o que já foi publicado com a(s) palavra(s)
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PNAD
bens de consumo

sábado, 29 de setembro de 2007

Punto de lectura

Punto de lectura
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Enric Castelló
Periodista

< inicio > Sentido y sensibilidad
Un maestro del cuento
Enric Castelló | 29/06/2007 - 21:03 horas
Explica Gabriel García Márquez que sólo vio a Ernest Hemingway una vez en su vida, paseando por París en 1957, parece ser que por pura casualidad. Aquel era un joven estudiante y, aunque tuvo ganas inmensas de hablar con el genio, tan sólo se atrevió a gritarle de acera a acera en español "Maestro", a lo que Hemingway contestó en su castellano de torero: "Adiós, amigo". Gabo relata la anécdota la en el prólogo de la colección de cuentos de Ernest Hemingway que Lumen acaba de publicar, una delicia ideal para la época estival.

Coincido con García Márquez en que Hemingway fue un escritor de relatos breves y sus novelas parecen cuentos alargados. Ahora bien, los cuentos son de una fuerza tremenda. Lo que a uno le deja realmente en estado de choque es su capacidad para dialogar y describir. El diálogo y la descripción son en mi opinión las dos artes que Hemingway dominó y supo utilizar mejor en relatos como los recopilados en esta antología: selección que el propio escritor hizo de sus escritos en 1938 y que fue conocida como Los cuarenta y nueve primeros cuentos.

En esta selección encontramos obras clave como Las nieves del Kilimanjaro y Los asesinos, o exquisiteces como La breve vida feliz de Francis Macomber. También se recogen cuentos sobre su experiencia en España, como El invicto, un brillante relato sobre el toreo. Son historias que exploran la convivencia del hombre con la naturaleza, las relaciones humanas, los miedos y las más bajas pasiones. En Hemingway encontramos el escritor norteamericano aplicando su mirada en África, España, Italia o Francia, tamizando la realidad con su filosofía a veces existencialista, hasta nihilista. Es, como diría Ítalo Calvino, "el espíritu de América" que vaga por el mundo "sin un claro por qué". Es quizás, precursor de lo que vendrá, de una expansión económica y cultural (un imperialismo para muchos) que cien años después vive su cenit.

Estilo desnudo
En Hemingway encontramos un diálogo vivo y verosímil, una descripción desnuda y nítida. Su estilo es purificado, a veces telegráfico. La acción aparece ante nuestros ojos de forma prístina: "Los dos botes se deslizaron en la oscuridad. Nick oía los escálamos del otro bote un poco más adelante, en la neblina. Los indios remaban con golpes rápidos y secos. Nick estaba recostado y su padre lo rodeaba con el brazo. Hacía frío en el agua (…) "¿Adónde vamos, papà?" –preguntó Nick. "Al campamento indio. Hay una señora india muy enferma". "Oh" –dijo Nick".

El día que Hemingway ganó el premio Nobel de literatura, Ítalo Calvino escribió que hubo un tiempo en que para él, Hemingway era un dios, pero enseguida descubrió sus límites y sus defectos: "Su mundo poético y su estilo (…) resultaron ser estrechos, con tendencia a terminar en manierismo, y su vida –y filosofía de la vida– de cruento turismo empezó a inspirarme desconfianza e incluso aversión y disgusto". Calvino decía que Hemingway "escribe seco" y que no podía soportar su lirismo, como el de Las nieves del Kilimanjaro (lo peor que ha escrito, para el italiano). Por otro lado, Calvino elogia cuentos como el de El gran río Two-Hearted –incluido en esta antología- donde explica el relato de lo que hace un hombre que sale a pescar solo: "Nada más que una desnuda lista de gestos, rápidas y límpidas imágenes de paso, y alguna anotación genérica, poco convincente, de estado de ánimo como "Era realmente feliz". Es un cuento tristísimo…".

Inicios periodísticos
Me encantan los escritores que me dan ganas de escribir. Con Hemingway me pasa esto –como me sucede cuando leo a Josep Plà. Tras leer uno de sus cuentos a uno le dan ganas de explicar su propia historia, de intentar hacer algo que se pueda comparar con aquello que ha leído, lo que en un principio puede parecer asequible pero enseguida nos percatamos que es una quimera. Quizás esta sensación aparece ante este estilo testimonial, tan cercano al periodismo. Una vez Hemingway dijo que el estilo es una torpeza que alguien no puede evitar; al principio se ve como una falta, más tarde todo el mundo la elogia como tal.

De hecho Hemingway empezó a escribir en un periódico de Kansas City donde, como explicaba en una entrevista para la Paris Review, "uno estaba obligado a aprender a escribir una frase simple, declarativa". El periodismo quizás estuvo en estos inicios, pero él mismo indicaría que "trabajar en un periódico no es perjudicial para un escritor joven y podría ser una ayuda si el escritor sabe irse a tiempo". Lo cierto es que el maestro usaba un lenguaje llano que una vez hizo exclamar al mismo William Faulkner: "Hemingway no ha escrito una palabra en sus libros que haya llevado a un lector a buscar en un diccionario". Extremo pensamos exagerado si damos cuenta del vocabulario que el de Illinois empleó en sus cuentos destinados al mar, a la caza o a la guerra.

En muchos de sus cuentos encontramos figuras que acarrean cierto grado de simbolismo. Pero a Hemingway no le gustaba hablar del valor simbólico de algunos de sus escritos y aconsejaba al lector: "Lea todo lo que escribo por el simple placer de leerlo. Cualquier otra cosa que encuentre será aquello que usted mismo ha puesto en la lectura". Soldado en la primera guerra mundial –Calvino dijo que fue al frente italiano solo para ver cómo era aquello de la guerra–, boxeador, amante de las corridas de toros, trotamundos incansable, aficionado a la caza y a las armas, premio Nobel de literatura (1954), personaje excéntrico allá donde los hubo, depresivo, alcohólico y suicida, Hemingway lidera los anecdotarios de escritores y es una de las figuras literarias sobre la que ha corrido más tinta. Yo creo que cualquier lector/a que se precie debería dar cuenta de algunos de sus relatos, así como de Adiós a las armas.

Ficha de lectura
'Cuentos'
Ernest Hemingway
Traducción: Damián Alou
Editorial Lumen
Barcelona 2007

Novos rumos das HQs

DOCUMENTO
Novos rumos das HQs

Por André Dib

É relativamente antiga a tradição do humor e das artes gráficas em Pernambuco. Seu marco zero está precisamente no ano de 1831, quando veio às ruas o jornal satírico O Carcundão, como assinala matéria recente, na edição nº75 desta Continente Multicultural. Fechando o foco para as últimas décadas, é possível listar nomes de diferentes vertentes ou escolas, como Conceição Cahú, RAL, Cavani Rosas, Luís Arrais, Laílson, Clériston, Marcelo Coutinho, Watson Portela e Paulo Santos. Todos têm trabalhos publicados em jornais e revistas comerciais, ou de forma independente nos projetos locais Paca Tatu, Folhetim Humorial, O Rei da Notícia e o Papa-Figo, este último ainda circulando incólume pelo Recife.

Nos anos 70 e 80, a grande referência para os desenhistas de humor era o tablóide carioca O Pasquim. "Foi o meu curso superior", diz RAL, fortemente inspirado nas estripulias gráficas de Henfil e sua turma, onde colaborou por muitos anos. "Naquela época a gente usava os quadrinhos como uma trincheira estética, havia uma resistência para não nos vender para os americanos", confirma Clériston. Ainda nos anos 80 surgiu a Produtora Artística de Desenhistas Associados (Pada), uma rede de artistas que até hoje edita e distribui a Prismarte, uma das revistas independentes mais duradouras do Brasil.

Em 1998, o cenário ganhou novo fôlego com a criação do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos, concebido e articulado até 2005 pelo cartunista Laílson de Holanda Cavalcanti. Ao mesmo tempo, pela primeira vez foi fundada uma organização de classe, a Associação dos Cartunistas Pernambucanos (Acape). O intercâmbio e as oficinas promovidas pelo FIHQ e pela Acape eram o combustível que faltava para toda uma geração que hoje se organiza coletivamente e experimenta novas formas de expressar sua criatividade.

"As soluções que o grupo conquistou servem de referência para todos os associados individualmente. Antes, não havia produções locais que circulassem nacionalmente. Hoje, Pernambuco está no circuito de publicação comercial", avalia João Lin, presidente da Acape. Entre outras conquistas coletivas, está a criação de um modelo de contrato-padrão (que contempla o pagamento dos direitos autorais e de uso de imagem), e da tabela de valores de referência, disponível desde o ano passado no site da Acape. Informações básicas para qualquer categoria profissional, mas que no campo das artes gráficas ainda são pouco reconhecidas.

Entre 1999 – 2000 surgia o coletivo Ragú, com um projeto de revista que chamou a atenção pela qualidade gráfica e de conteúdo. Primeiro, ao apresentar a arte dos pernambucanos Lin, Mascaro, Flavão, Jarbas e Samuca. Depois, por ter crescido como coletânea nacional de quadrinhos, com a colaboração de expoentes como Fábio Zimbres, Eloar Guazelli, Marcelo Lélis e Samuel Casal. Além da revista, lançada de dois em dois anos, a Ragú conduz projetos paralelos como o de literatura em quadrinhos Domínio Público, cuja proposta é abordar um público de formação com adaptações visualmente criativas.

Sete anos depois, inspirados no barulho causado pela Ragú, e tendo como modelo editoras underground como a Rip Off Press , outro grupo criou a editora independente Livrinho de Papel Finíssimo, dedicada a publicar trabalhos autorais, geralmente sem espaço nos meios estritamente comerciais. Fabricados no processo de reprografia ou impressão digital, os títulos da Livrinho são vendidos de mão em mão, com o preço variando entre módicos R$ 3,00 e R$ 12,00. "Os autores entram com o papel, e a editora banca a impressão, edita, pagina e faz a diagramação", explica Diogo Todé, integrante do grupo ao lado de Camilo Maia, Greg e Henrique Koblitz, este último, autor de Micróbio, uma HQ minúscula, feita em papel dobrado e desenhos pixelizados. "Poética pixel", define o autor.

Possibilidades de experimentação que acabaram por atrair desenhistas já estabelecidos, além da própria Ragú, que, através do selo Ragú Zine, se associou à editora na coleção Olho de Bolso, cuja intenção é mixar a arte do cartum, ilustração, quadrinhos, grafite e artes plásticas, em diferentes técnicas de impressão: carimbo, clichê, litogravura e digital. Serão 12 títulos, 200 exemplares cada, ao preço de R$ 5. Os dois primeiros títulos, com trabalhos de Laerte Silvino (cartuns filosóficos com textos de Confúcio) e Galo (grafiteiro do coletivo Êxito d'Rua), serão lançados durante o FIHQ.

Por sua vez, uma conquista individual digna de nota é a da ilustradora de livros infantis Rosinha Campos, que há 13 anos vem assinando a arte de 42 livros publicados por 15 editoras brasileiras. Lançado no início deste ano, Esmeralda é um trabalho autoral, fruto de uma experiência de 65 dias em Fernando de Noronha, como orientadora de Oficinas de Leitura. Em 2007, ela é a única ilustradora brasileira convidada para participar da Bienal de Ilustração da Bratislava (Eslováquia), marcada para este mês de setembro.

Paraíba – Os quadrinhos produzidos pelo front paraibano revelam um panorama um tanto quanto heterogêneo. De um lado, há a figura quase inacessível de Mike Deodato, estrela estabelecida no Olimpo dos comics norte-americanos. Do outro está Shiko, artista em ascensão no segmento dos quadrinhos marginais, sendo ele a nova extremidade de uma linha evolutiva que passa por Marcatti e Lourenço Mutarelli.

Mike Deodato nasceu em Campina Grande, batizado Deodato Taumaturgo Borges Filho. Seu pai, o jornalista Deodato Borges, tornou-se pioneiro dos quadrinhos no Estado ao criar o super-herói Flama, nos idos de 1960. O caminho aberto foi só o começo para o filho, que desde os anos 80 publicava cartuns e charges na imprensa local. Na década de 90, após a revelação no Festival de Angoulême (França), conseguiu espaço em editoras dos EUA. Adotou o nome Mike Deodato por exigência da gigante DC Comics, que o contratou para desenhar a Mulher-Maravilha. O estrelato veio em 2003: seu passe fora comprado pela concorrente, a Marvel, que o escalou para desenhar o Incrível Hulk no mesmo período em que o filme de Ang Lee estourava nos cinemas.

Mesmo isolado do mundo enquanto trabalha em seu estúdio, Deodato com certeza não está só. De olho no caminho aberto pelo conterrâneo, um grupo de desenhistas fundou o Made in PB, um coletivo que articula e capacita artistas de quadrinhos com cursos e oficinas. Um dos integrantes, Jackson Santos, nascido na cidade de Bananeiras, foi recentemente convocado pela Dynamite Press para desenhar a série Battlestar Gallatica. Antes disso, ele vem assinando as pranchas sob a alcunha de Jack Hebert.

"Esse é o sonho deles. Só que quando passam a trabalhar para os americanos, viram apenas mão-de-obra", garante Henrique Magalhães, fundador da editora Marca de Fantasia, sediada há 12 anos em João Pessoa. "É claro que eu respeito a capacidade e o trabalho excepcional de Deodato. Mas eles não estão fazendo os próprios quadrinhos. Estão desenhando os dos outros. Certamente não é o 'viver de quadrinhos' que imaginavam", analisa o pesquisador.

Diametralmente oposto a este cenário está Francisco José de Souto, natural de Patos, outra cidade do interior paraibano. Em 1997, passou a editar o fanzine Marginal, que ganhou uma coletânea pela Marca de Fantasia. Adotou o codinome Shiko porque no período em que trabalhou em Brasília já havia outro Chico no ramo. E também porque aprendeu num mangá que shiko significa a área de alcance de uma espada samurai. Para dar forma à sua percepção da realidade, Shiko usa o grafite, a tatuagem, as artes plásticas e os quadrinhos. Quase sempre de forma mais ou menos pornográfica, como na série de telas a óleo com uma Olívia Palito despida num balcão de bar. Seu livro de estréia, Blue Note (com roteiro de Biu), impressiona pela poesia cada vez mais rara nos quadrinhos nacionais, aditivada de referências da cultura musical (jazz, blues e rock) e cinematográfica – entre as 100 páginas do livro, há cenas retiradas de Cinema, Aspirinas e Urubus, e uma seqüência inteira de Amarelo Manga.

"O trabalho de Shiko é outro universo, não se enquadra de forma alguma com nada. Ele tem um trabalho bem filosófico e baseado em literatura. É algo excepcional dentro do Estado. Já era para seu trabalho ser reconhecido nacionalmente, ter uma repercussão maior. Era para Shiko estar publicando na Conrad, que é uma editora que tem investido no quadrinho brasileiro. Ou na Opera Graphica, como Emir Ribeiro (outro desenhista paraibano) já publicou a personagem Velta", opina Henrique, em um lamento que se estende para os demais artistas do seu Estado. "No Recife, existe um trabalho de incentivo, de estímulo aos quadrinhos pernambucanos, e que consegue agrupar muita gente. Aqui a gente não encontra isso. É cada um fazendo o seu trabalho isoladamente", diz, talvez sem dimensionar a importância de seu papel neste contexto.

Afinal, organização é o que não falta neste belo exemplo de editora independente que é a Marca de Fantasia, com seu processo de fabricação estritamente caseiro (com exceção das capas, impressas em off-set). A baixa tiragem permite manter em catálogo mais de 50 títulos, todos custando no máximo R$ 12,00, valor que cobre os custos de produção e envio do material. Atualmente, são mantidos cinco selos, entre álbuns, revistas e 18 livros com ensaios e estudos acadêmicos sobre quadrinhos, como Riscos no Tempo, livro de J. Audaci Júnior, que conta os últimos 40 anos de quadrinhos na Paraíba. Uma história de altos e baixos, e que parece estar longe de terminar.


(Leia a Documento na íntegra, na edição nº 81 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)






André Dib é jornalista.

No novo livro de contos de Luís Arraes




LITERATURA
Entre a palavra e o silêncio
No novo livro de contos de Luís Arraes, situações cotidianas e prosaicas se tornam matéria ficcional inventiva
Por Luiz Carlos Monteiro

A prática da narrativa curta pelos autores contemporâneos tem se revelado uma tendência estética assumida por escritores conhecidos e estreantes. Talvez pela velocidade exigida pelo modo de vida e vivências atuais, ou por uma questão de driblar o tempo ou a sua falta, cai em relativo desuso cada vez mais a história longa, de enredo mirabolante, numerosos personagens e espacialização que se abre em muitos lugares e extensões. É nesta perspectiva minimalista da prosa de ficção, com inclinação acentuada e preferencial para o conto, que o ficcionista Luís Arraes entretece os textos de O Silêncio É de Prata e a Palavra É de Ouro. Professor universitário e médico por formação, Luís Arraes transita com desenvoltura, como muitos outros profissionais de áreas diversas, pela criação literária. Sua bibliografia inclui, entre outros, trabalhos como O Rastejador, publicado no Recife em 1991, passando por O Remetente (2003), até chegar ao irônico e irreverente Anotações para um Livro de Baixo-Ajuda (2005), ambos editados pela 7 Letras no Rio de Janeiro.

Na primeira parte intitulada “O Silêncio”, os textos aparecem numerados até 35, entre estes alguns também titulados. Neste último caso, encontra-se o incisivo “Conto em forma de posfácio”, de número 30, que vale por um verdadeiro auto de fé do contista: “Escrevo contos. Pequenos contos. Cada vez menores. Talvez, uma metáfora da vida. Tudo é inútil ou as palavras vão rareando até tornarem-se apenas silêncio absoluto. O eterno silêncio”. A criação se confunde com a morte por descrédito na vida, ou apenas pelo que ambas representam de silêncio cético e “eterno”. Ainda mais, pela necessidade e urgência da vida, pela escassez de vida fruindo em direção aos sentidos e ao prazer, um prazer quase sempre banalizado, artificial, extremamente efêmero.

Ao longo de O Silêncio É de Prata e a Palavra É de Ouro, Luís Arraes vai subliminar ou diretamente fornecendo pistas sobre seus autores preferenciais – Franz Kafka, Manuel Bandeira, Anton Tchekhov. Augusto Monterroso, hondurenho naturalizado mexicano, é, certamente, uma grande influência em Arraes. É Monterroso (1921–2003) quem dá a tônica da segunda parte, “A Palavra”. O microconto de Monterroso “O Dinossauro” (“Quando acordei, o dinossauro ainda estava lá.”) é parodiado, citado, invertido e parafraseado em 40 textos que Arraes intitulou “Variações”. O texto destas variações já tinha sido publicado em outras ocasiões, sozinho, como parte de livros ou na internet, no site “Dubito Ergo Sum”, subintitulado “Sítio cético de literatura e espanto”. Referem-se diretamente a Monterroso as variações de 11 a 13, onde nesta última Arraes lança luz sobre os sentimentos, que podem sugerir e esclarecer, em termos do fantástico e do surreal, sobre a presença do dinossauro na vida do hondurenho: “O dinossauro não sobreviveu mais que uns poucos dias à morte do escritor Augusto Monterroso. Dessa forma, descobriu-se o que as ossadas existentes não revelaram: os dinossauros eram dotados de sentimentos”.

Mesmo que o texto de Luís Arraes tenha um andamento convencional em termos de sintaxe, o leitor é surpreendido, quase sempre, com uma frase inusitada, uma expressão diferenciada que abala e muda o contexto, um verbo, um pronome, uma conjunção aplicada de forma absurdamente inventiva e infreqüente. É o caso, por exemplo, do texto 14: “Na vida cabe tudo. O canto e o silêncio. A alegria e a tristeza. O sono e a vigília. A fina consciência das coisas e a cegueira total. O domingo de futebol e o domingo lavando carro. A sede e a embriaguez. Cabe tudo. Só não cabe a tragédia; esta já é do lado da morte”. Situações cotidianas e prosaicas se tornam matéria ficcional dos microcontos de Arraes: a família à mesa, assaltos, crimes, batidas de carro, enterros, certo viés inédito da vida universitária, doenças, a boemia e os amigos. O texto 5, sem título, resume-se a “O celular não estava funcionando. Nem eu”. Poderia ser confundido com um poema marginal da geração 70. Reflete como as duas máquinas, a humana e a metálica podem, de repente, ameaçar a normalidade da vida com a sua parada ou com a sua falta de funcionamento temporário.


(Leia a matéria na íntegra, na edição nº 81 da Revista Continente Multicultural. Já nas bancas)

sábado, 22 de setembro de 2007

Intervenções recife pe

Intervenções
Spa das Artes movimenta o Recife no fim de semana
Publicado em 21.09.2007, às 15h05


Artes visuais e intervenções urbanas fazem o Spa






Do JC OnLine
Com informações do Jornal do Commercio

Desta sexta (21) a domingo (23), bairros do Centro e da Zona Sul assistem a ações de arte, com artistas que prometem modificar a rotina dos transeuntes e a paisagem urbana. Trata-se da sexta edição do Spa das Artes Recife '07 que traz todos os eventos abertos ao público em duas semanas dedicadas às artes visuais - o Spa começou no último dia 16 e vai até o dia 30.

As praças do Recife são o alvo desta sexta, com apresentação do artista cearense Nivardo Júnior, que monta sete balanços nas árvores da Praça Joaquim Nabuco. O videasta Daniel Aragão (PE) realiza ação hoje na Praça da Independência, no Centro, das 18h às 21h. A idéia é montar uma cabine escondida com uma câmera e um telão, onde é exibido, em tempo real, falas de transeuntes que venderão na cabine três minutos de sua solidão, por R$ 3.

A artista Nara Cavalcanti (PE) dá continuidade ao projeto Oceanotipia, que vem executando em diferentes pontos da cidade com transeuntes que “emprestam” a própria sombra. Neste sábado, ao meio-dia, ela realiza a proposta em frente ao Edf. Acaiaca, na Av. Boa Viagem, e no domingo, na orla de Brasília Teimosa. Uma das grandes atrações do Spa, o artista plástico pernambucano Maurício Silva, que hoje mora na França, encerra a programação da sexta com performance no Prédio da Ocupação, a partir das 19h.

Outras intervenções urbanas movimentam o fim de semana. É o caso de Jardim suspenso, no Segundo Jardim Boa Viagem, neste sábado (22), às 10h. Por lá, pipas estampadas com dentes-de-leão serão trocadas por desejos do público depositados numa urna. Ainda na Zona Sul, no domingo, o grupo A firma da Irmã de Irma (Maurício Castro e cia) leva a intervenção Banho público ao Pina, às 13h. Sábado, às 14h, no Prédio Ocupação, a trupe mostra o mesmo trabalho, construindo com tubos de ferro a estrutura de um suposto "banho público

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Em lista de 34 países, Brasil é o que menos gasta em educação

Em lista de 34 países, Brasil é o que menos gasta em educação





O Brasil é o que menos gasta com educação dos 34 países analisados por um estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgado nesta terça-feira (18). O país apresenta o menor investimento por estudante (desde o ensino básico até a universidade), gastando em média cerca de R$ 2.488 por ano.

Os 30 países da OCDE gastam, em média R$ 14.376, e no país que mais gasta em educação, Luxemburgo, este valor chega a R$ 25.705. No Chile, o único outro país sul-americano incluído no estudo, o gasto total é de R$ 5.470.

O Brasil também é o país que apresenta o maior nível de diferença entre os gastos por estudante no ensino fundamental e secundário, em comparação com os estudantes universitários.

Enquanto o país gasta R$ 2.213 em estudantes da pré-escola (à frente apenas da Turquia, que gasta R$ 2.139) e R$ 1.973 em estudantes do ensino fundamental e ensino médio (o mais baixo), os gastos com estudantes universitários chegam a R$ 17.226 por estudante, ao ano.

Gastos com universitários
Em média, os países da OCDE gastam apenas duas vezes mais na educação de estudantes universitários do que estudantes dos ensinos fundamental e médio. O gasto com os universitários no Brasil se compara ao de países como a Espanha e a Irlanda, e fica à frente da Itália, Nova Zelândia, México e Portugal, entre outros.

O total do PIB investido em educação chega a 3,9% no país, segundo o relatório da OCDE, ficando à frente apenas da Rússia (3,6%) e da Grécia (3,4%). De acordo com a OCDE, a porcentagem do PIB gasta em educação demonstra a prioridade que este país dá à educação em relação a outros gastos de seu orçamento.

Nos Estados Unidos, os gastos com Educação correspondem a 7,4% do PIB, a maior proporção, e na Dinamarca e Luxemburgo, ele corresponde a 7,2%. Segundo o documento, todos os países analisados aumentaram o investimento em educação com o aumento dos gastos chegando a mais de 40% em comparação a 1995.

Vejam oque é o Brasil! E ainda achamos que estamos como país emergente!!!!!!!!!!!!!!!!
pv

Mercado de trabalho
Os resultados deste investimento ainda não atingiram seu potencial total e, segundo analistas ouvidos pelo estudo, ainda pode crescer 22%. O relatório também conclui que quanto mais difundida a educação universitária em um país, mais próspera a economia e melhor o mercado de trabalho para os recém-formados.

O documento mostra ainda que as perspectivas de emprego para os profissionais menos qualificados não parecem ser prejudicadas pelo aumento do número de universitários e podem até melhorar.

Em todos os países avaliados, os profissionais com curso universitário ganham mais e encontram emprego mais facilmente do que os que não chegam à universidade.

domingo, 9 de setembro de 2007

Engenhos literários


Engenhos literários
Na quarta completam-se 50 anos da morte do escritor paraibano José Lins do Rego, autor de Menino de Engenho, e o Estado percorreu a região onde nasceu o autor

Jotabê Medeiros

Uma gangue de sagüis, três vacas e um gato são atualmente os habitantes da Casa Grande e do terreiro do antigo Engenho Corredor, onde nasceu em junho de 1901 o escritor paraibano José Lins do Rego. Atrás da propriedade (que apesar de abandonada ainda conserva em bom estado o casarão onde viveu a família do autor), uma máquina a diesel e 6 homens drenam furiosamente a areia do Rio Paraíba, onde os meninos de engenho costumavam se banhar, para o usufruto da construção civil paraibana.

Esta semana, a cidade de Pilar, relíquia de 249 anos encravada entre os velhos engenhos mortos (uma espécie de Macondo do autor brasileiro) contraria alegremente todos os clichês sertanejos: o tempo está fresco, chove, os campos estão todos verdinhos e pode-se até colher um tomate vermelho e brilhante na beira da estrada.

Na quarta-feira, 12, completam-se 50 anos da morte do Lins do Rego, e o Estado percorreu a região onde o avô do escritor possuiu nove engenhos, a maioria em ruínas hoje, e que alimentou uma das fases mais ricas da literatura regionalista nacional.

O Engenho Corredor tem um cadeado na porteira. Quando o jornalismo avança, quase ato contínuo, um carro da polícia encosta. Danou-se, diria o paraibano mais aperreado. Mas da viatura salta o policial aposentado Sebastião José de Brito, o Babá, de 62 anos, e tudo que ele quer é contar história, e como conta bem. 'João Lins Vieira foi o último habitante da Casa Grande, e a mulher, dona Montinha, era minha madrinha. Eu passava aqui, a estrada era aqui (com os braços abertos, redesenha no ar a geografia anterior às ruínas), eu ia com bodoque pra caçar no mato. Quando voltava, de tardinha, ela me chamava, colocava um gelo na caneca e a gente ia até a sala de purgar a cana, e lá ela tirava uma cuia de caldo de cana e me servia na caneca', lembra Babá.

O ex-sargento da polícia está ali trazendo um novo colega que queria conhecer a propriedade, e vai lembrando dos bailes que o senhor de engenho dava, o de São Pedro e o do carnaval, com fogueira na frente do casarão, a orquestra tocando, o anfitrião na porta do salão, recepcionando os convidados de casaca. Hoje, o cadeado é fruto de disputa judicial entre uma filha de Lins Vieira e o genro. Babá ainda se lembra do último baile de carnaval, os violinos debaixo da árvore e o senhor de engenho molhando os foliões com um jato d'água.

Muda a paisagem, mas os personagens permanecem e até se robustecem. Talvez venha daí a riqueza literária dessa terra, dos contadores de histórias que se acercam, que convidam para entrar, o cheiro de toicinho com feijão chispando no fogão, como na casa modesta de Mestre Zé Amaro, personagem de Fogo Morto ('Um personagem de Proust perto de mestre José Amaro é café pequeno', disse Mário de Andrade). A decadência dos engenhos já era a matéria-prima da literatura de Lins do Rego, mas, como assinalou Otto Maria Carpeaux, é na percepção da oralidade que está a riqueza da coisa toda. 'José Lins do Rego é um conteur nato; contar histórias é a sua profissão', escreveu Carpeaux.

E as histórias aqui, na região dessa cidade batizada por uma imagem espanhola de Nossa Senhora del Pilar, emboscam o viajante a cada momento: nos fantasmas dos enforcados da antiga Casa de Câmara e Cadeia que um dia fizeram o cabo sair correndo para a rua só de cuecas, assustado; no homem de chapéu que passa montado num burrico com um sabiá na gaiola; na plaqueta pregada numa árvore centenária, onde se lê 'vende-se dindim'; na escola de datilografia que persiste (e que tem 6 alunos na terça-feira e 6 alunos na quinta-feira).

'Na Europa, essa região seria um lugar daqueles que têm roteiro nos guias de viagem, verbete especial em enciclopédia de turismo, uma rede de pousadas e hotelaria', entusiasma-se o cineasta Vladimir Carvalho, que acaba de lançar o documentário O Engenho de Zé Lins, justamente tratando desse universo. O filme foi exibido com grande êxito no recente Festival de Gramado. O diretor remonta à sua maneira os cacos desse legado literário, e até resgata das ruas o ex-ator Sávio Rolim, o hoje sem-teto em João Pessoa que fez o papel do menino Carlinhos no filme Menino de Engenho, em 1965, dirigido por Walter Lima Júnior e com produção de Glauber Rocha.

Vladimir, que também é filho da terra, defende a criação de um roteiro turístico cultural para a região. Depois de dois dias rodando por ali, é impossível não lhe dar razão. Na cidade de Sapé, uns 30 quilômetros mais adiante da Pilar de Lins do Rego, encontra-se o que restou do Engenho Pau D'Arco, atual Usina Santa Helena, onde nasceu o poeta 'profundissimamente hiponcodríaco' Augusto dos Anjos (1884-1914), autor de um único e inimitável livro, Eu, lançado há exatos 95 anos. A casa de sua ama-de-leite virou uma fundação, inaugurada há um ano.

Seguindo de novo pela estrada em direção a Campina Grande, mais uns 60 quilômetros à frente, o carro desvia para a serra que abriga a misteriosa cidade de Areia, envolta na neblina que veio após a chuva. É uma jóia colonial no alto de uma montanha, uma Campos do Jordão sertaneja, terra do pintor Pedro Américo e do escritor José Américo de Almeida (e ministro de Getúlio Vargas), autor de A Bagaceira, que inaugurou todo o ciclo dessa literatura de engenho & arte.

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As potências da imagem

As potências da imagem
O crítico José Carlos Avellar examina o diálogo do cinema com a literatura, as artes plásticas e a música

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando se pensa no binômio "literatura-cinema", a idéia mais imediata que vem à mente é a das adaptações literárias, ou seja, a transformação de livros em filmes. Mas, como mostra cabalmente o recém-lançado "O Chão da Palavra", do crítico José Carlos Avellar, a relação entre esses dois termos está longe de ser uma viagem de mão única da letra em direção à imagem.
O subtítulo do livro -"Cinema e Literatura no Brasil"- é enganoso pela modéstia. O ensaio de Avellar não se restringe ao Brasil nem aos dois meios de expressão em foco.
Com erudição e fluência admiráveis, o crítico passeia pelas relações entre o cinema e praticamente todas as outras artes.
E não apenas no sentido mais evidente, o de apontar a absorção pelo cinema de temas e formas da literatura, do teatro, da música e da pintura mas também -e principalmente- na investigação do que existe de cinema, ainda que em embrião, em cada uma dessas artes.

Pré-história
Um dos veios mais interessantes de "O Chão da Palavra" é justamente a discussão que Avellar, tomando emprestado o termo "cinematisme", de Serguei Eisenstein, empreende em torno do "cinema que existiu antes do cinema".
"O cinema talvez se encontre presente, latente, como estrutura comum aos muitos modos de ver e sonhar o mundo criados desde que o homem começou a se pensar como um processo e saiu em busca de um aparelho capaz de registrá-lo assim: coisa não-acabada, não-concluída, incompleta, rascunho. Compreendendo-se como rascunho, para melhor se pensar, o homem criou uma expressão-rascunho, todo o tempo em movimento para fora de si mesma", resume o crítico.
Assim, pode-se pensar o diálogo do cinema não apenas com a literatura, as artes plásticas e a música que surgiram já sob o seu impacto -ou seja, depois da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, no final do século 19- mas também com a pintura de Velázquez, a literatura de Machado de Assis e uma infinidade de experiências artísticas em que o cinema aparece em estado de embrião, desejo, potência.
Só depois de refletir acerca das afinidades e intersecções entre as várias artes, vistas como estruturas de organização do imediatamente visível e de construção do imaginário, é que Avellar se debruça mais detidamente sobre as relações entre filmes e livros, não só no Brasil (as tentativas de adaptação de Proust, por exemplo, ocupam todo um capítulo).
O cerne do livro é o diálogo fecundo entre alguns escritores centrais da nossa literatura (Machado de Assis, Euclydes da Cunha, Mário de Andrade, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector) e os cineastas que ousaram levá-los ao cinema (Nelson Pereira dos Santos, Julio Bressane, Eduardo Escorel, Leon Hirszman etc.).
Não se trata apenas das adaptações literárias "sctricto sensu" mas da absorção, pelo cinema, de idéias e procedimentos expressivos ou narrativos da literatura -e vice-versa.
Um filme como "Deus e o Diabo na Terra do Sol", embora baseado em roteiro original de Glauber Rocha, deixa ver a todo momento a influência marcante de Euclydes da Cunha e Guimarães Rosa sobre o cineasta baiano.

Mário e Machado
Um caso que ilustra bem a natureza de mão dupla das relações entre literatura e cinema é o de "Lição de Amor", de Eduardo Escorel, inspirado em "Amar, Verbo Intransitivo", de Mário de Andrade. Aparentemente, o romance é muito mais "cinematográfico" do que o filme, no sentido da utilização de recursos como a montagem descontínua e o deslocamento do ponto de vista.
Outra passagem brilhante do livro é a que compara duas versões cinematográficas das "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o "Brás Cubas" de Julio Bressane e o "Memórias Póstumas" de André Klotzel. "Klotzel leu o que Brás Cubas escreveu. Bressane leu o que Machado escreveu", diz Avellar.
E na sua explicação para essa sutil diferença resume-se a razão de ser desse belo e alentado ensaio.



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O CHÃO DA PALAVRA - CINEMA E LITERATURA NO BRASIL
Autor: José Carlos Avellar
Editora: Rocco (tel. 0/xx/21/ 3525-2000)
Quanto: R$ 48,50 (438 págs.)
by uol http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0209200708.htm