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domingo, 20 de janeiro de 2019

OS EX- ALUNOS FALAM: ESCOLA HERMILO BORBA FILHO -RECIFE-PE -

ARQUIBO  CEHBH

ARQUIBO  CEHBH

A Comunidade Escola Hermilo Borba Filho estaria completando 38 anos de sua fundação este ano. Foi uma escola Viva, renovou os ânimos de alunos, pais e de uma comunidade. Na época as inovações eram:  desde suas instalações à metodologia, conteúdos ali desenvolvidos, durou pouco 1981-1987.Mas deixou sementes que vingaram e vingarão mais.

A Escola deixou rastros via seus alunos e muitos professores que seguiram a metodologia ali desenvolvida e aprimorada. O Pensamento Crítico, a participação do sujeito – aluno e família ocorreram bem, com os normais contratempos. 

Enfrentamos a ditadura, no seu final, e propusemos  nossas metas e procedimentos metodológicos conteudísticos, não acatamos a doutrinação da direita, da ditadura- explicamos a História-escondida-e, mesmo com pouco tempo de vida deixamos marcas vejam:


Com muita alegria, após publicação do texto aqui já postado- sobre: A Comunidade Escola Hermilo Borba Filho,
( https://bit.ly/2sc7tAD) recebi três e-mails que disponibilizo após contato; eles-  ex-alunos, me acompanhavam pelo Face e no Blog Palavras dos Brasileiros, sem eu ter a devida identificação como seguidores.

Os e-mails comprovam nossa atuação, nos erros e acertos, mas sobretudo, nos dá um retorno de compreensão e resultado do nosso trabalho.

Os mesmos pediram para não serem identificados face a atual situação conturbada do país, ainda mais que dois fazem parte do governo federal -funcionários federais. Um é engenheiro, um geólogo, a outra, professora.

Reproduzo abaixo os e-mails com apenas as iniciais dos alunos:


Prof. Paulo
1-Foi com espanto e alegria rememorar nosso tempo na Escola. Você especialmente me ensinou muito a duvidar dos fatos e buscar variadas fontes dos acontecimentos. Não fui um excelente aluno, mas fisguei o que foi possível. Tornei-me incômodo na minha família, rsss, por duvidar dos fatos e querer explicações mais adequadas quando me apontavam caminhos únicos. Bom, meu pai era milico daqueles bravos, minha mãe foi quem escolheu a escola, morávamos na Encruzilhada. Ela era professora, sabe com é né, teve faro. Chegaram até a me ameaçar em retirar da escola. Jamais esquecerei de você e sua poesia, declamada para nós falando do homem. Lembro-me bem de Drummond que sempre era recitado. Foi um tempo mágico e engrandecedor, pena que a escola fechou, mas nos estamos aqui, hoje sou engenheiro e trabalho numa empresa estatal Lembro-me de Ana, Sueli, Vera e Gardel, meu abraço RST


2-Prof. Paulo

Sensacional, mais quero, mas, mais para mostrar aos meus filhos. Caso queira tenho fotos, preciso só encontrar, avise-me do lançamento. Hoje trabalho no interior de Pernambuco como geólogo. Foi demais a zorra da escola, pois nos sentimos verdadeiros apesar das criticas que recebíamos de sermos de uma escola Comunista...kkkkkkkk, nem sabem o que é comunismo. Sinto não termos tido um ensino mais intenso da matemática e de língua Portuguesa como os manuais e a escola tradicional pede, mas acontece. Abrace a todos, Sergio – o maluco, a Aninha que sempre foi bacana e atenciosa comigo. Indo a sampa quero vê-lo.
A.S.M

3-Paulo,
Agora chamo assim, aliás sempre chamávamos por seu nome, você até preferia, que bacana ver a matéria no seu blog, deixou-me com lagrimas de recordação. Jamais esquecerei a Hermilo, foi um marco em minha vida. Estudei com bolsa. As oficinas de brinquedos me ensinaram muito e repasso hoje em minha tarefa docente. Fui aluna ainda na Conde da Boa Vista depois passei para o Espinheiro. A metodologia em Ciências Sociais foi sensacional tornamo-nos seres críticos especialmente na atualidade que tanto nos massacra. Fico feliz de seu projeto de escrever sobre a escola. O pé e jambo será inesquecível. Abrace a Nanci, a Gardel, caso os vejam, ah! e Aninha ,Sueli. Meu abraço enorme.
A.N S

ARQUIBO  CEHBH



Em tempos tão difíceis, como os de agora, relembrar a Escola, sua história, seus passos é ver luz nos túneis da vida, é transformar jambo vermelho –fruta boa, gorda para a cabeça dos sujeito/alunos, é fazer política, como toda educação o faz, é fazermos, como assim fizemos, o poema da educação, dizer em coletivo partilhar lutar, buscar a verdade.!!!
Breve estaremos lançando uma pequena obra com sua história seus antecedentes e depoimentos.

Precisamos de mais escolas como estas ou acima dela, pois estamos em outro tempo, e para não regredirmos e cantarmos juntos a redenção dos povos de mãos dadas pelo saber, busca da verdade e da emancipação do homem como o melhor canto que poderemos ter – o homem e sua verdade o homem e sua emancipação e não o homem oprimido subserviente ao capital que destrói a poesia de ser.


--> Se nos proíbem, vamos às praças, ruas, estradas, mas cantaremos a verdade e o saber que nos faz libertos da opressão e nossos músculos serão ágeis e fortes para embates se assim for preciso!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A Arma de Elton L. L.de Souza-Pensar e metaforizar

ELTON L.L DE SOUZA
"(...) antes de aprender a escrever , há que aprender a ler.A escrita não é  senão a objetivação do texto ja presente  e múltipla  que cada um leva no espirito. Augusto Roa Bastos 


Elton como sempre nos concede algumas reflexões-via Facebook, que mesmo breve, nos indica um caminho ou caminhos a pensar. A violência  nos dias atuais tornou-se banal, enquanto a leitura ,o pensar mais fundo ainda estão longe de nossa rotina cotidiana.Comer a palavra, digeri-la, é criar memória e ação.Parodiando Roa bastos, a memória é o estômago da alma, aliás uma outra forma que Santo Agostinho falou.O livro em si é um  objeto como outro qualquer, mas sua leitura, releitura ( de bons autores que nos  ajude a pensar  - homem e  vida ) é crucial para  viver  e agir  e nos entendermos. O livro-lido, é  uma faca que pode cortar a ignorância  e avantajar as pupilas - os alvos.O livro e seu sumo são como bolsas que nos mantém em estado de sentido e questionamento. Vamos a  sua alegoria interessante. Paulo Vasconcelos



Tempos atrás um amigo muito próximo me procurou reservadamente e me disse: “Amigo, queria que você guardasse uma coisa para mim. Ando tão indignado com as injustiças e vilezas que acontecem ao meu lado, e também muito deprimido pelo efeito dessas coisas dentro de mim , que tenho medo de usar isso contra alguém ou contra mim mesmo ”. Ele enfiou a mão na pasta que carregava e tirou de lá uma arma, um 38. Por amizade pessoal a ele e “amizade política aos outros” ( chamada por Espinosa de “virtude da sociabilidade”, base da democracia), resolvi atender ao pedido do angustiado amigo e guardei a arma em minha casa. 
Apesar de a ter guardado em um lugar bem escondido, era estranho para mim ter aquilo em casa. O direito à propriedade deixa de ser um direito quando aquilo que se tem põe em risco a vida dos outros ou a vida própria ( quando o proprietário de tal coisa perde a capacidade de ser dono de si mesmo). Movido por essa ideia, passei a considerar que aquela arma não era mais propriedade privada do meu amigo e resolvi levá-la à delegacia para entregá-la ( àquela época havia um programa nacional de desarmamento) .
 Após receber e destruir a arma, o policial me informou que eu teria direito a receber 100 reais , pois o governo pagava pela devolução. Recusei o pagamento por tal ato, o policial me olhou sem entender. Desconfiado, e vendo que minha mochila ainda estava volumosa, ele perguntou se eu possuía ainda mais alguma arma. “Sim”, respondi. Enfiei a mão dentro da mochila e retirei dela vários livros: “Esta é a única arma em que acredito: a educação”.
“Quando queremos lutar contra as monstruosidades que existem no mundo, devemos tomar o máximo cuidado para que nós mesmos não nos tornemos monstros.” (Nietzsche)

sábado, 12 de janeiro de 2019

Carta aberta ao nosso novo chanceler, Ernesto Araújo -Capturas do Face



Profa.Dra.Mara Telles -UFMG, como sempre nos adianta coisas, fatos textos interessantes.Por vezes brinca, ironiza, mas desta vez ela apenas entregou texto, leiam .Paulo Vasconcelos

















Benjamin Moser é um escritor norte-americano que fez as biografias de Susan Sontag e da nossa Clarice Lispector. Ele escreveu uma carta aberta ao nosso novo chanceler, Ernesto Araújo. Tenho muitas palavras para definir os significados dessa carta, mas não vou usá-las. É melhor que cada qual leia e tire sua conlusão.





"Prezado ministro,
Há pouco mais de dois anos, o ministério que o senhor hoje encabeça me outorgou o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural. Foi um reconhecimento do meu trabalho e trouxe consigo uma obrigação de continuar trabalhando em prol do Brasil —de ser algo como um amigo oficial do Brasil. E é nesta capacidade que lhe escrevo.
Recentemente, o senhor publicou uma matéria no meu idioma, o inglês, e no meu país, os Estados Unidos (“Bolsonaro was not elected to take Brazil as he found it”, ou “Bolsonaro não foi eleito para deixar o Brasil como o encontrou”, na Bloomberg, em 7/1). Se respondo em português, é por dois motivos.
Primeiro, porque sua matéria ilustra muito bem que saber a gramática ou o vocabulário de outra língua não implica compreender suas sutilezas: como soa. Se tivesse maior noção do meu idioma, seria de esperar que não houvesse publicado uma coisa que —digo francamente— expõe o Brasil ao ridículo.
E essa é a segunda razão pela qual lhe respondo em português. Apesar de não ser de nacionalidade brasileira, o Brasil não me é de maneira nenhuma alheio. Desagrada-me profundamente vê-lo alvo de risadas internacionais. Gostaria, pois, que esta conversa ficasse entre nós —em português.
Em inglês, a sua vinculação da política externa com Ludwig Wittgenstein soa bizarra. Suspeito que não seja sua intenção —que é, se estou lendo bem, de deslumbrar o leitor com frases como “desconstrução pós-moderna avant la lettre do sujeito humano e negação da realidade do pensamento”.
Sabe aquele estudante de pós-graduação que encurrala a menina na festa falando de Derrida ou Baudrillard?
Pois é.
Aliás, em inglês, proclamar “não gosto de Wittgenstein” soa pretensioso, arrogante. Sabe aquele homem que, diante de um Picasso, diz que sua filha de quatro anos poderia ter feito melhor?
Pois é.
Mas, além do tom, qual é mesmo seu problema com Wittgenstein? Vejo que não é sequer uma frase inteira, mas uma parte de uma frase: “O mundo tal como o encontramos.”
O senhor lê isso como um pedido —uma ordem, até— de aceitar tudo no mundo tal como é, de não tentar mudar nada, de se comportar como se não tivesse vontade própria. Se acompanho a sua lógica, é assim que o Brasil tem se comportado durante todos os governos, de esquerda como de direita, que precederam o atual.
Para quem conhece a obra de Wittgenstein —assim como para quem tem noções da história diplomática brasileira—, isso pode soar inexato. Mas o senhor pretende romper um padrão que tem impedido o surgimento da verdadeira grandeza do Brasil. O país, segundo o senhor, antes disse: “Eu não acho nada. Eu não tenho ideias. Assim como o sujeito desconstruído de Wittgenstein, eu não tenho um ‘eu’.”
Eu não caracterizaria o trabalho de gerações de diplomatas brasileiros assim. Imagino que, em português, possa soar desdenhoso. Mas estamos falando de como soa em inglês, e, se muito ficou incerto na sua matéria, uma coisa ficou clara: sua vontade de mudar a imagem do Brasil no mundo.
De fato, em poucos meses, essa imagem já mudou bastante. Temo que não seja na direção que o senhor pretende. Pois, em todos os meus anos de brasiliófilo, nunca vi tantas matérias ruins sobre o Brasil surgirem na imprensa europeia e americana. Isso deve ser motivo de preocupação para um chanceler. Porque o Brasil, apesar de seus problemas, sempre desfrutou de um nome positivo no mundo.
O racismo, a homofobia e a saudade da ditadura da nova administração têm sido fartamente comentados na imprensa mundial. Em inglês, o tom dessa cobertura tem sido extremamente negativo. Um chanceler deve poder responder num inglês sereno e compreensível e explicar as razões que levam o novo governo a adotar tal e tal medida.
Quando se dirige a um público internacional, uma coisa a evitar a todo preço é o emprego de termos —“globalistas,” “marxistas,” “anticosmopolitas,” “valores cristãos”— que, em inglês, têm fortes conotações antissemitas.
São extraídos do léxico de conspiração global judaica, e, dada a história deste léxico, pessoas civilizadas, tanto de direita como de esquerda, aprenderam a evitá-lo.
Quando se fala inglês, é preferível, em geral, evitar falar de conspirações. Dá a impressão de ter passado a noite em claro na internet decifrando os segredos das pirâmides. Talvez seja por isso que suas descrições sobre o aquecimento global como trama marxista tenham sido tão amplamente ridicularizadas na imprensa mundial.
Quem, em língua inglesa, quer ser levado a sério evita tais caracterizações. E não é mesmo este o maior desejo do senhor, o de ser levado a sério? É a única coisa que fica clara debaixo da linguagem um tanto acalorada.
A novidade que o senhor anuncia não é outra coisa senão a mais antiga emoção do conservador brasileiro: o ufanismo magoado.
Este é o sentimento de quem quer uma nação que esteja à altura da imagem —muitas vezes exagerada— que tem de si próprio.
Se o senhor imagina que o Brasil não é suficientemente respeitado, seria bom nos brindar com pelo menos um exemplo; na minha experiência, vasta, do Brasil no âmbito internacional, confesso que nunca percebi a falta de respeito.
Mas, mesmo que ela existisse, seria bom lembrar que, em qualquer país, o respeito não se exige. Com paciência e trabalho, se ganha.
Ninguém sabe melhor do que eu os lados positivos que tem o Brasil. Mas, sabemos, brasileiros e estrangeiros, que o Brasil também tem uma cara feia. E é essa cara que seu tom me traz à mente. É o tom daquele patrão que grita “faça que tô mandando!” para a empregada. Asseguro-lhe que não fica mais elegante em tradução inglesa.
Infelizmente, não é apenas uma questão de tom. Desde o primeiro dia, este governo deu a impressão de querer abusar das pessoas mais vulneráveis da sociedade. Todos os jornais do mundo têm noticiado os ataques aos índios e à população LGBT, além da redução do salário mínimo para os trabalhadores mais pobres.
É possível que haja explicações razoáveis para tais medidas, mas confesso que até agora não as vi. De novo, seria mais eficaz explicá-las com calma do que andar pelo mundo proclamando que os brasileiros não são mais “robôs pós-modernos” e que não suportarão mais “a opressão wittgensteiniana da morte-do-sujeito.”
Porque, ironicamente, é seu medo de ver as pessoas zombarem do Brasil que fará… as pessoas zombarem do Brasil. Deve ter visto a ministra Damares gritando que “menino veste azul e menina veste rosa!” e notado como isso repercutiu pelo mundo. As suas declarações também não ajudam a que as pessoas levem o Brasil a sério.
Se há um ponto em que estamos em total acordo é que também não gosto de ver o Brasil ridicularizado. Por isso, lhe encorajo a lembrar em nome de quem está falando. E de escolher com mais tato, em português como em inglês, as suas palavras.
O senhor se descreve, no seu Instagram, como “ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro”. Não é.
É ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Seria bom que se comportasse com a dignidade que tal posição exige.
E se, no futuro, tiver uma dúvida de inglês, pode sempre entrar em contato comigo.
Cordialmente,
Benjamin Moser

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Graciliano Ramos e o Brasil de hoje: Memórias do Cárcere por 247


"Se o capitalista fosse um bruto, eu o toleraria. Aflige-me é perceber nele uma inteligência, uma inteligência safada que aluga outras inteligências canalhas."


Em tempos de horror - de uma ditadura disfarçada entre golpes,eleições sob suspeitas de fraudes, militarismo ativo - no comando nas coxias ou vociferando claro e límpido, une-se ou submete-se um judiciário capengando ao lado dos falsos líderes,Franklin Frederick, escritor ambientalista,  nos relembra as faces de outro tempo que recobrem hoje  nosso país tomando a fala de Graciliano Ramos- via 247 -https://bit.ly/2LZjH8V - Paulo Vasconcelos



GRACILIANO RAMOS POR 247



"Mas não vivemos em tempo ordinário (...). Cada indivíduo se julga com o direito de ensinar qualquer coisa, surgem apóstolos de todos os feitios, sumiu-se o ridículo e o mundo se vai tornando inabitável".
Graciliano Ramos, Linhas Tortas
Graciliano Ramos foi a vítima mais célebre da repressão do Governo Vargas. Foi preso em Maceió no dia 3 de março de 1936, permanecendo detido sem acusação formal até o dia 13 de janeiro de 1937. Sobre este período escreveu «Memórias do Cárcere», publicado pouco depois de sua morte, faltando um capítulo que ele não teve tempo de terminar. Relendo-o hoje, percebo que mais do que uma grande obra literária e um documento fundamental sobre aquela época, «Memórias do Cárcere» é uma obra profética: fala do Brasil de hoje e do que ainda está por vir. Isto porque nesta obra Gracialiano Ramos analisou e descreveu com clareza e profundidade um conjunto de mecanismos, comportamentos e atitudes que dominaram grande parte da sociedade e das instituições do Brasil naquele período. Passada a repressão, porém, este conjunto não desapareceu, apenas submergiu. E no Brasil de hoje volta à superfície muito do que Graciliano Ramos já havia visto e denunciado, fazendo de «Memórias do Cárcere» um guia indispensável para compreender nosso próprio tempo. Separei algumas frases, poucas, de «Memórias do Cárcere», que descrevem com precisão o Brasil de hoje. Espero com isso despertar o interesse pela releitura desta obra e resgatar sua importância na luta pela democracia no Brasil.
Sobre a necessidade do capitalismo de construir uma ideologia que disfarce sua atuação e seus verdadeiros propósitos, por exemplo, Graciliano Ramos escreveu:
"Se o capitalista fosse um bruto, eu o toleraria. Aflige-me é perceber nele uma inteligência, uma inteligência safada que aluga outras inteligências canalhas."
Como não ver no Brasil de hoje a atuação desta «inteligência safada» alugando outras «inteligências canalhas» no processo que levou ao golpe que derrubou a presidente eleita Dilma Rousseff, à prisão do ex-presidente Lula e, por fim, à eleição de Jair Bolsonaro? Que esta «inteligência safada» do capitalismo seja inimiga profunda da cultura e de todo o pensamento crítico é um outro fato observado por Graciliano Ramos e muito obviamente presente no Brasil da era Bolsonaro, onde abundam «inteligências canalhas» de aluguel dispostas a defender propostas como as escolas sem partido, ou a homofobia, a tortura, as ditaduras e a exterminação dos povos indígenas. Isso sem mencionar a entrega das riquezas públicas brasileiras para o capital financeiro através das privatizações. Já desde algum tempo no Brasil procura-se encarcerar o pensamento e o espírito. Sobre tudo isso Graciliano foi - e é - contundente:
"O emburramento era necessário. Sem ele, como se poderiam aguentar políticos safados e generais analfabetos?"
Nada mais atual. O obscurantismo pregado por certas igrejas evangélicas ligadas ao novo Presidente, a escolha de Ricardo Velez Rodriguez para o Ministério da Educação, de Damares Alves para Ministra dos Direitos Humanos e de Ernesto Araújo para as Relações Exteriores são sinais claros de que o Governo Bolsonaro está em guerra contra o pensamento e a cultura. Guerra inevitável, como bem viu Graciliano Ramos, para se levar adiante um projeto econômico profundamente elitista, anti-popular e anti-nacional.
Graciliano Ramos estava bem consciente também da extensão da opressão necessária para manter um tal regime:
"É o que me atormentava. Não é o fato de ser oprimido: é saber que a opressão se erigiu em sistema."
E ele sabia que não precisaria muito para ser enquadrado como «inimigo» pelo regime – de então e de agora - e nos avisou:
"Tínha-me alargado em conversas no café, dissera cobras e lagartos do fascismo, escrevera algumas histórias. Apenas. Conservara-me na superfície, nunca fizera à ordem ataque sério, realmente era um diletante."
Diante da combinação de brutalidade e ignorância da repressão do governo Vargas, Graciliano chegou a pensar na possibilidade do exílio:
"Imaginei-me em país distante, falando língua exótica, ocupando-me de coisas úteis, terra onde não só os patifes mandassem."
Graciliano Ramos também denunciou a abjeta subserviência do Brasil da época a um outro país, a Alemanha nazista. Mas suas palavras também descrevem com clareza a subserviência, alardeada com orgulho pelo Ministro Araújo, do Brasil de hoje aos EUA, basta substituir, na frase abaixo, "ditadura ignóbil" por "Donald Trump" (ou talvez, apenas acrescentar "de Trump" depois de "ignóbil", também funciona):
"A subserviência das autoridades reles a um despotismo longínquo enchia-me de tristeza e vergonha. Almas de escravos, infames; adulação torpe à ditadura ignóbil."
Graciliano também observou e denunciou a deterioração do sistema legal, procedimento fundamental para o estabelecimento de um estado de repressão:
"A lei fora transgredida, a lei velha e sonolenta, imóvel carrancismo exposto em duros volumes redigidos em língua morta. Em substituição a isso, impunha-se uma lei verbal e móvel, indiferente aos textos, caprichosa, sujeita a erros, interesses e paixões. E depois? Que viria depois? O caos, provavelmente."
E Graciliano prossegue, escrevendo o que parece ser um comentário à atuação do Poder Judiciário de hoje:
"Se os defensores da ordem a violavam, que deveríamos esperar? Confusão e ruína."
Mas o pior ainda pode estar por vir. «Memórias do Cárcere» contém uma sombria profecia sobre um possível futuro deste governo:
"O governo se corrompera em demasia: para aguentar-se precisava simular conjuras, grandes perigos, salvar o país enchendo as cadeias."
Desde o governo golpista de Temer já se tenta "simular conjuras, grandes perigos", inventou-se ameaças terroristas porque nada melhor que um inimigo interno para disfarçar fracassos econòmicos e justificar a repressão. Este processo continua, sobretudo através da criminalização de movimentos sociais como o MST. A política econômica proposta pelo Ministro Paulo Guedes beneficia principalmente o setor financeiro e fatalmente vai aumentar os niveis de desigualdade e de pobeza. E as privatizações apenas vão entregar ao capital internacional as riquezas públicas do país, diminuindo ainda mais a possibilidade de recuperação econômica real. As forças que estão por trás da eleição deste governo não tem a menor preocupação e nem o menor compromisso com o Brasil e com o seu povo, apenas com o mercado. A combinação de despreparo, rapina, mediocridade e submissão aos interesses dos EUA, características do Governo Bolsonaro, inevitavelmente levarão ao desastre econômico e social, gerando cada vez mais resistência popular. Para o Governo, que conta com uma enorme participação de militares, só restará aumentar a repressão – sob qualquer pretexto – para manter-se no poder: "salvar o país enchendo as cadeias".

sábado, 5 de janeiro de 2019

JORGE AMADO E SUA BIOGRAFIA FINALMENTE ! Capturas do Facebook por F.Mattos


JORGE AMADO por Olímpio Pinheiro 



O já colaborador,  Dr. Florisvaldo Mattos, aqui está outra vez, vem com o apontamento acerca da Biografia  de JORGE AMADO de  Josélia Aguiar. Ela   uma intelectual séria, gestora cultural e não necessita de maiores adjetivos;  por si só, seu nome e seu trabalho já dizem  tudo; Espinheira,  por outro lado é o poeta baiano por excelência, meu amigo, e que com narrativa curta diz sinteticamente o que é a grande obra que faltava no cenário brasileiro: JORGE AMADO.Figura impar esquecida, em alguns espaços e negligenciado por Universidades e Escolas.Amado foi o símbolo da Bahia e de m Brasil forte, mesclado de contradições.Sua obra extensa é uma história de um Brasil que em tempos atuais se renega. Algumas obras estão no cinema,  numa certa TV que  folclorizou-a, não gosto desta palavra mas uso no sentido de  carnavalizar . Mas  vale  ir direto a suas obras originais.
Segue abaixo a captura do Face de  Florisvaldo:

Prometi, cumpro, postando o artigo de Ruy Espinheira Filho sobre Jorge Amado, a partir da leitura da elogiada biografia do escritor baiano da autoria da jornalista Josélia Aguiar. Aí vai, abaixo, para mais fácil leitura. Ilustração: Jorge Amado, por Olímpio Pinheiro.
JORGE AMADO
RUY ESPINHEIRA FILHO
Acabo de ler a biografia de Jorge Amado escrita por Josélia Aguiar, que merece parabéns pelo trabalho de 7 anos de pesquisa vasta e profunda. Lê-se como um romance de aventuras, felizes ou infelizes, cheias de coragem e sacrifícios em nome de ideais – especialmente o ideal maior, a literatura. E se algo não poderá jamais ser negado a JA é, sem dúvida, a intensidade de viver e escrever. Uma intensidade que vem da infância e chega quase aos 90 anos.

Sua existência foi uma incansável – até implacável – construção de si mesmo e de sua obra. Que, tão amada quanto odiada, acabou por conquistar o mundo todo, ou quase. O amor foi – e continua sendo – de milhões de leitores. O ódio, quase sempre de certos críticos e professores (do tipo dos que perseguiram também nomes como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa, para só ficarmos nestes grandes) e particularmente dos conservadores e reacionários de todas as cores e crenças. Na UFBA, por exemplo, uma certa professora gostava de repetir: “Aqui, Jorge, só o de Lima”. Sim, Jorge de Lima poderia e deveria ser estudado; Jorge Amado, não.*

Com o tempo, venceu o amor. JA cresceu entre os leitores comuns e acadêmicos. Nunca se leu e estudou tanto JA em escolas e universidades como ultimamente. As dissenções políticas desapareceram, assim como muitos preconceitos de ordem linguística, política e moral que levavam à proibição – e até à queima em praça pública de exemplares das obras, como aconteceu aqui mesmo em Salvador. Sim, JA era considerado o grande imoral e o grande subversivo de um país atrasado e submetido à ignorância e à estupidez das ditaduras. Um subversivo que continuou socialista até o fim, mas profundamente desencantado com a URSS e seus crimes contra a humanidade.

Referi-me à intensidade de viver e escrever: envolvimento com política, aqui e em outros países, participação em movimentos internacionais em favor da paz e dos direitos humanos, atividade jornalística intensa, inclusive na direção de redações, crônicas e artigos incontáveis, viagens seguidas pelo mundo afora em importantes missões – e, sempre no centro de tudo, a literatura.

Já ouvi escritores dizendo que não escrevem por falta de tempo. É, pelo visto, os deuses reservaram a Jorge Amado um tempo especial que o tornava capaz de cumprir tarefas incríveis e mais, bem mais, muita coisa a mais... E sempre em um caminho ascendente: aperfeiçoando-se a cada dia como homem e como artista. A leitura de sua biografia (que eu conhecia de maneira fragmentária, escrita inclusive por ele) me deixou ainda mais admirador de Jorge Amado. Por suas realizações e pelo seu exemplo de cidadão, que renovam em nós a vontade de trabalhar e a esperança.
A TARDE – 03/01/2019. Salvador Bahia
*negritado por mim

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

É ético comprar na Amazon? Empresas da chamada economia de plataforma conquistam um consumidor sem tempo. Mas a comodidade não é de graça. Conveniência ou consumo responsável?

A matéria do El pais -Br -.https://bit.ly/2V7tdec -é extremamente esclarecedora.Sou consumidor de livros -ebook, até ai , tudo bem, penso eu.Mas os demais produtos levam a indagar sobre a cadeia que produz a demanda de consumo de vários produtos e com isto  está o problema.Leiam Paulo Vasconcelos

https://bit.ly/2V7tdec

Há tempos que o consumo ético é uma forma de incidir sobre o que compramos e, portanto, sobre o que é oferecido. E nos permite, também, influenciar sobre os processos de fabricação e transporte daquilo que consumimos. Conhecer detalhadamente as implicações de tudo o que adquirimos nos abre, portanto, a possibilidade de votar com a carteira. Mas enquanto muitas pessoas incorporaram, provavelmente, a preferência por tecidos não animais, produtos fabricados localmente e alimentos ecológicos, o debate sobre o consumo do que nos propõem algumas das novas empresas nascidas na aurora da Internet está menos desenvolvido.
E, entretanto, essas novas empresas são cada vez mais onipresentes. As caixas com o logotipo do sorriso da Amazon, por exemplo, são cada dia mais onipresentes. A empresa que Jeff Bezos criou em 1995 como uma livraria online, e que dois anos mais tarde já estava na Bolsa, é hoje a marca de venda em pequenas quantidades mais valiosa do mundo. Permite adquirir e receber a domicílio de prendedores de cabelo a peças de carro.






Estamos diante de um exemplo claro de como as possibilidades tecnológicas estão mudando nosso dia a dia. A Amazon reflete as dinâmicas que caracterizam essa longa entrada no século XXI: o surgimento de grandes complexos empresariais de base tecnológica (os famosos GAFA, acrônimo de Google, Apple, Facebook e Amazon), a crise do comércio varejista local, a robotização do trabalho e o auge do ócio em casa.
Desde que chegou à Espanha em 2001, o crescimento da Amazon é constante, mas seus serviços ainda estão longe dos experimentados pelos consumidores norte-americanos. Na Espanha, a empresa possui 10 depósitos e garante a entrega no dia em poucos códigos postais. Nos EUA, a Amazon possui 17 centros de distribuição somente no Estado da Califórnia, em certas regiões garante a entrega em menos de uma hora, aceita pedidos diretamente de assistentes virtuais como o Alexa e Echo, possui lojas físicas onde os livros não têm preço e supermercados sem funcionários humanos, e já é o segundo maior empregador do país, superada somente pela rede Wal-Mart.
A Amazon passou de vender livros a vender de tudo, e se transformou em um negócio global e multisserviço. Na Espanha existem, na realidade, quatro “Amazons”: Amazon Spain Fulfillment (logística), Amazon Spain Services (serviços), Amazon Web Services (nuvem) e Amazon Online Spain (publicidade). Quatro empresas que faturam 4,2 bilhões de euros (18,6 bilhões de reais), dos quais declararam ao fisco espanhol 289 milhões de euros (1,2 bilhão de reais) em 2017 e pelos quais pagaram 4 milhões de euros (18 milhões de reais) em impostos de sociedades (um diminuto 1,4%), de acordo com a estimativa publicada em abril pelo jornal Expansión.
Um dos grandes debates que o espetacular crescimento da Amazon gerou é o de seu impacto no setor varejista. Após anos teorizando sobre o desaparecimento do pequeno comércio como consequência do surgimento das grandes superfícies, no final parece que as plataformas online, com a Amazon na liderança, podem acabar dando o golpe de misericórdia tanto em lojas de bairro como em grandes superfícies. O comércio tradicional, grande e pequeno, tem dificuldades para competir com uma multinacional que pode mobilizar em pouco tempo redes logísticas globais a preços muito baixos. A Amazon é principalmente uma loja de lojas, e dessa forma divide gastos e riscos.
Bezos identificou uma oportunidade de mercado que parecia marginal, a distribuição global de livros com prazos e preços acessíveis, e essa foi a base de seu supermercado do mundo e de uma estrutura societária que vende de serviços da Internet à mão de obra com a ferramenta Amazon MTurk.
A partir do site livraria, desenvolveu acordos com terceiros vendedores para que todos utilizassem a plataforma, incorporando dessa forma o perfil tanto do vendedor como do revendedor, algo que permitiu à Amazon conseguir os rendimentos e os dados necessários para iniciar o salto a outros setores de serviços e produtos. A empresa rentabilizou sua posição dominante sem piedade, colocando em situações bem difíceis não somente o setor varejista local como grandes redes.
E parece que a ambição não tem fim. Bezos construiu um império. Não só encontrou um filão na prestação de serviços informáticos de armazenamento e gestão a clientes como a NASA, como é o proprietário do The Washington Post.



Alguns especialistas se referem às mudanças introduzidas por empresas como a Amazon nas dinâmicas de trabalho utilizando o termo de taylorismo digital. No começo do século XX se expandiram as teorias de Charles Taylor e seu método de organização industrial para racionalizar e mecanizar o trabalho, dividindo as tarefas de maneira sistemática com a finalidade de aumentar a eficiência e produtividade. Sob esse modelo, o trabalho de cada operário era cronometrado em um sistema de produção em cadeia que retirava valor da mão de obra especializada e diminuía os salários. De maneira parecida, a cadeia logística da Amazon maximiza as tecnologias digitais e a possibilidade de monitorar o trabalhador e o produto minuto a minuto tanto dentro como fora de suas instalações. Existem funcionários que relataram jornadas extenuantes, controles constantes e objetivos de produtividade impossíveis, aos que é preciso somar um alto número de empregos temporários e salários baixos que já motivaram quatro greves no depósito mais antigo da empresa na Espanha, em San Fernando de Henares (Madri). 400 membros da equipe do The Washington Post chegaram a mandar uma carta aberta a Bezos nesse ano em que pelos brilhantes resultados conseguidos pelo jornal de maior circulação na capital norte-americana (o número de assinaturas digitais duplicou em 2017, o tráfego no site aumentou em mais da metade e as previsões de rendimentos publicitários foram ultrapassadas) pediam um “tratamento justo” a cada um dos trabalhadores que contribuíram com o sucesso. “O Post não é um negócio qualquer. Mas mesmo se fosse, essa não seria a forma de demonstrar que valoriza seus empregados. Por favor, mostre ao mundo que não só pode abrir o caminho para ganhar dinheiro, como também sabe como dividi-lo com as pessoas que lhe ajudaram a conquistá-lo”, finaliza a carta.
Bezos sempre colocou o cliente como sua maior prioridade, e no caso da Amazon seu sucesso mostra uma profunda mudança nos hábitos de uma clientela cada vez mais caseira. A disponibilidade do ócio em casa, com serviços de envio de comida, livros, roupa e qualquer outro produto aumenta. A Amazon não deixa escapar nenhuma oportunidade, e amplia serviços em todas as frentes, oferecendo até mesmo televisão à la carte com o Amazon Prime Video.
Ao contrário do que se poderia esperar, o grande sucesso do gigante do comércio eletrônico são as cidades e não as zonas rurais. A combinação de preço acessível, comodidade e preguiça seduziu justamente os urbanoides que menos precisam da entrega personalizada por ter comércios, supermercados e cinema próximos.
Mas o ócio abandona as ruas para se tornar doméstico, em uma mudança que muitos atribuem não tanto à vontade dos consumidores como à combinação de longas jornadas de trabalho, ao custo de vida em relação aos salários e a uma progressiva individualização da sociedade. Mesmo não estando claro se a Amazon é a causa ou a consequência, é inegável que os novos modelos de ócio com os quais lucra têm impactos psicossociais importantes.
Uma das grandes polêmicas que envolvem os gigantescos GAFA tem a ver com sua engenharia fiscal e a procura de fórmulas legais para diminuir suas obrigações tributárias. Quando fundou a Amazon, Bezos pensou em colocar sua empresa em uma reserva indígena, justamente para evitar as cargas fiscais, e por fim escolheu Seattle por suas condições de imposto. Em sua primeira incursão europeia, escolheu (surpresa!) Luxemburgo. E o anúncio em novembro da abertura de dois novos quartéis-generais em Nova York e Washington também foi precedido de uma competição pela diminuição de cargas tributárias entre aproximadamente vinte cidades.



Na Espanha, a Amazon opera com uma complexa estrutura societária que torna impossível saber quanto recebe por suas vendas. Mas os quatro milhões de euros (18 milhões de reais) em imposto de sociedades pagos em 2017, mencionados anteriormente, parecem uma quantidade menor. O desembolso dos consumidores espanhóis na Amazon pode beneficiar seu bolso, mas não reverte em trabalhos de qualidade e impostos que possam financiar serviços públicos que, por exemplo, ajudarão os funcionários precários a chegar ao trabalho e receber alguma prestação quando vencer o contrato temporário. A Comissão Europeia alertou no ano passado que algumas grandes empresas de tecnologia pagam menos da metade de impostos que empresas tradicionais.
A questão do uso e abuso dos dados merece um tópico à parte. A Amazon não só utiliza dados pessoais para controlar rigidamente seus funcionários; também, como muitas outras empresas online, reúne informação sobre todas as interações de seus clientes com sua plataforma (e com a Internet em geral através dos cookies). Sua onipresença faz com que seja um ator excepcionalmente destacado no mercado de dados. A informação que obtém permite à empresa deduzir gostos e necessidades, capacidade aquisitiva, residência e dados bancários, que depois cruza com outras bases de dados para vender esse perfil o mais caro possível aos anunciantes. Como o Facebook e o Google, a Amazon é uma agência de publicidade. A terceira maior do mundo, e provavelmente a mais diversificada, uma vez que, além dos negócios online, é proprietária de empresas de hardware, portais de entretenimento e supermercados que permitem com que ofereça perfis mais completos e, portanto, mais lucrativos. O ditado diz que quando algo é grátis, o produto somos nós. Com a Amazon, o consumidor paga e, além disso, seu rastro de dados é revendido como produto.
Então é ético comprar na Amazon? É possível que existam muitas empresas com condições trabalhistas piores, mas dificilmente terão as vantagens fiscais das quais a Amazon se aproveita. Também é possível que o ócio em casa seja cômodo, mas não está claro que uma sociedade de cubículos de uso individual seja desejável.
No passado, o taylorismo diminuiu salários e degradou as condições de trabalho, mas também impulsionou o sindicalismo moderno. Da mesma forma, a luta contra a concentração empresarial e os monopólios do final do século XIX levou ao desenvolvimento da legislação de proteção da concorrência e dos consumidores. Talvez o mais problemático do momento atual não seja o tamanho e o poder acumulados pelos GAFA e sim a confusão sobre como abordar a agenda social, trabalhista e tecnológica requerida por esses onipresentes atores.
Será preciso pensar antes de clicar novamente.
Gemma Galdon Clavell é doutora em Políticas de Segurança e Tecnologia e diretora da Eticas Consulting.