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sexta-feira, 18 de julho de 2008

O jogo entre o aparente e o invisível na pintura



O jogo entre o aparente e o invisível na pintura
Masp abre hoje Virtude e Aparência, mostra que abrange 500 anos de arte

Camila Molina
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O público de hoje ''já perdeu o código para entender a arte figurativa também'', diz o curador do Masp, Teixeira Coelho, em frente do óleo sobre madeira Ressurreição de Cristo (1499-1502), de Rafael, uma das obras-primas do museu e uma das primeiras peças adquiridas pela instituição. Dentro da tradição da história da arte, muito antes e mesmo depois da ruptura moderna e contemporânea, sempre foi algo intrigante para o espectador ''ver além da representação pictórica imediata, disposta à superfície da obra'', como define o curador, ou descobrir o que está ''entre o visível e o invisível''. E é disso que trata a mostra Virtude e Aparência (A Caminho do Moderno), que começa hoje no Masp, como a terceira exposição dentro do projeto de remodelamento expositivo do rico acervo do museu, proposto pelo curador da instituição.

Veja imagens da exposição

Virtude e Aparência é um segmento enxuto, com cerca de 40 obras (pinturas e apenas duas esculturas) que perpassam período que vai da pré-renascença até o século 18. A exposição, que tem como suporte cenográfico as paredes vermelhas, está no segundo piso do Masp, agora se juntando às duas mostras temáticas abertas anteriormente, já abrigadas no espaço expositivo e que propõem uma maneira diferente de apresentar a coleção do museu (não mais pela organização por países) - a primeira delas, A Arte do Mito (com curadoria de Roberto Magalhães), foi inaugurada no ano passado (tem paredes azuis); e A Natureza das Coisas, com paisagens e naturezas-mortas, está em cartaz desde abril (tem paredes verdes). O ciclo, muito bem-feito, ficará completo, a partir de outubro, com a mostra Olhar e Ser Visto (A Arte do Retrato), que vai reunir, como diz o título, os retratos e auto-retratos da coleção do museu, o segmento mais denso do acervo.

O termo Renascimento, como define Teixeira Coelho em seu texto, foi usado em diversos momentos da história da arte para indicar os períodos de reavaliação do papel da arte. Nos primeiros núcleos da mostra Virtude e Aparência, estão, inevitavelmente, as obras dos períodos mais remotos, dos séculos 13, 14 e 15, em que as cenas religiosas falam de uma virtude inalcançável, com os retratos de madonas com o menino Jesus e anjos - obras de Maestro de San Martino alla Palma, Maestro Del Bigallo, Sandro Botticelli, Giovanni Bellini - ou de santos - São Sebastião na Coluna (Perugino e ateliê) e São Jerônimo Penitente no Deserto (Andrea Mantegna) - ou da Ressurreição de Cristo, de Rafael (esta, curiosamente, acompanhada de um vídeo em que os signos presentes na pintura são decodificados para o espectador, assim como são apresentados raios-x da obra para se entender o processo de criação do pintor).

Mas, ao longo da mostra, a questão da virtude vai se transformando aos olhos: ela deixa de ser apenas o mote para uma representação. Não se trata de apenas remetê-la ao religioso, mas entender que, durante os tempos, os temas das obras também chegaram ao terreno do mundano, do cotidiano e dos conflitos (e em muitos casos os personagens têm, sim, ''carnalidade'') - O Suicídio de Lucrécia (1625, atribuído a Guido Reni); O Casamento Desigual (1525, Metsys) Piquenique Durante a Caçada (1723, Lemoyne), A Educação Faz Tudo (1775-80, Fragonard). A mostra se faz dentro desse terreno da ''passagem'' em que ''as obras de arte dizem mais do que retratam'', que carregam ''um discurso invisível''. ''Antes, com os santos, era retratada gente melhor que a gente; depois, seres iguais ou piores e essa é uma grande mudança na arte'', diz Teixeira. Mesmo assim, a virtude da técnica é inabalável.

Agora, como ressalta Teixeira, por que não apenas se firmar no prazer de ver a beleza do vestido do Retrato de Dama com Livro Junto a Uma Fonte (1785), de Vestier? Nesse jogo ambíguo vai se fazendo a mostra, que tem como obra emblemática o quadro Alegoria da Sabedoria e da Força: A Escolha de Hércules (c. 1750), cópia de Veronese feita por François Boucher, peça que estava havia cerca de sete anos na reserva técnica do museu. ''Ela tem a vontade da passagem da moral, mas o carnal, a beleza, as idéias'', afirma o curador.

Serviço
Virtude e Aparência (A Caminho do Moderno). Masp. Avenida Paulista, 1.578, 3251-5644. 3.ª a dom., 11 h às 18 h (5.ª até 20 h). R$ 15 (3.ª grátis) by uol

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