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sábado, 1 de novembro de 2008

'Black music', de Arthur Dapieve, mergulha na violência com humor

Eu recomendo autor sério, com uma linguagem nova que resgata a cultura juvenil.
paulo



Arthur Dapieve nasceu no Rio de Janeiro, em 1963. Formou-se em jornalismo pela PUC-Rio, onde leciona atualmente. Repórter e editor de cultura, trabalhou no Jornal do Brasil e no Globo, onde desde 1993 assina uma coluna no Segundo Caderno. Também é colunista no site nominimo.com.br. Apresenta, com Marcelo Madureira, o quadro "Sem Controle", no canal por assinatura GNT. Tem cinco livros publicados, entre eles BRock – O Rock brasileiro dos anos 80 (editora 34) e Renato Russo – O trovador solitário (Relume Dumará







'Black music', de Arthur Dapieve, mergulha na violência com humor
André de Leones*, especial para o Jornal do Brasil


RIO - As metrópoles brasileiras, repletas de violência e barbárie, estão se transformando ou já se transformaram em verdadeiros playgrounds de maníacos e marginais. Muitos escreveram e muitos ainda escreverão a respeito. O romance Black music (Objetiva. 112 páginas. R$ 24, 90), de Arthur Dapieve, talvez se inscrevesse, à primeira vista, em uma certa tradição da literatura brasileira que chegou ao céu (ou ao inferno, o que também é bom) com o Rubem Fonseca de tempos atrás, aquele que engendrou O cobrador e A coleira do cão. Entretanto, e felizmente, uma vez que todos estão cansados de imitadores baratos de Fonseca, Dapieve surpreende ao partir para um outro tipo de abordagem.


A premissa poderia resultar em vários romances, quase todos muito ruins (não é o caso de Black music): no Rio, Michael Philips, garoto negro norte-americano, rico, fã de jazz e de basquete, é seqüestrado por três sujeitos usando máscaras de Osama Bin Laden. O líder do bando é um traficante branquelo apelidado de He-Man. Por ser o “dono do morro”, He-Man enfileira namoradas. Uma delas, Jô, fica encarregada de alimentar o seqüestrado. O triângulo está formado, e é claro que as coisas não vão melhorar: o pai de Michael (ou “Maicon Filipe”, como quer He-Man) enrola para pagar o resgate, os traficantes do morro estão em guerra com outros traficantes e o FBI (!), por conta de um mal entendido, começa a fechar o cerco.


Black music foge do óbvio graças à inteligência do autor, que estrutura o livro em três partes (além de um prólogo), cada uma narrada por um dos três vértices do triângulo. Pela ordem: Michael, He-Man e Jô. Faz-se questão de sublinhar as diferenças abissais entre os personagens de todos os modos possíveis, inclusive graficamente.


A primeira parte seria a mais convencional mas não menos interessante e terrivelmente engraçada, com o seqüestrado narrando os primeiros dias no cativeiro, seu contato com os bandidos e, claro, com a mulher do bandido. Em que uma coisa dessas é ou pode ser terrivelmente engraçada? Por exemplo, como os seqüestradores usam máscaras de Bin Laden, Michael acredita por um tempo que é refém de uma célula terrorista. Dapieve consegue achados como este: “Fiquei nervoso e comecei a contar os tiros como se eles fossem carneiros, na esperança de voltar a cair no sono”. Afinal de contas, conforme o próprio Michael diz: “A gente se acostuma com tudo”.


A segunda parte, narrada por He-Man, vem na forma de letra de rap. He-Man sonha em se tornar o maior rapper brasileiro e não economiza nas rimas para contar a sua própria história. Coisas como “Eu não sou D2, mas também tiro onda / Zoou comigo, vai parar no microonda” tomam as páginas. Na terceira e melhor parte, narrada por Jô, o autor recorre a um outro recurso para caracterizar a personagem: o uso de maiúsculas. Conforme somos informados desde a primeira parte, Jô sempre fala alto demais, e é gritando que nos conta sobre a irmã ex-prostituta que se casou com um gringo e mudou para a Suíça. Enquanto isso, a tragédia continua se avizinhando, tornando-se inevitável. Os momentos engraçados, seja pela fala da narradora (que afirma ter “loção de ridículo”), seja por algumas situações descritas, não param de se avolumar. O mal-estar resultante não é pequeno, uma vez que o riso está longe de aliviar o peso dos absurdos narrados.


O que salta aos olhos em Black music é a brutal incompreensão de cada personagem em relação aos demais. Impressiona, ainda, como toda e qualquer tentativa de aproximação ou de entendimento resulta, invariavelmente, em violência. Dapieve transforma o que poderia ser uma grotesca e irresponsável comédia de horrores em algo vigoroso, imaginativo e até mesmo carregado de algum lirismo.


*Autor de Hoje está um dia morto e Paz na terra entre os monstros, ambos lançados pela Record.

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