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domingo, 24 de janeiro de 2010

Global entrevista Michael Hardt

Autor de “Império” e “Multidão”, junto com o filósofo Antonio Negri, Michael Hardt esteve em dezembro no Brasil, participando do Fórum Livre de Direito Autoral – o Domínio do Comum, evento organizado pela Escola de Comunicação da UFRJ e Rede Universidade Nômade. Em um dos intervalos do evento, alguns dos participantes da Rede Universidade Nômade conversaram com Hardt.

Na entrevista, ele coloca em evidência o fato de que as crises do capitalismo são resultado da força do poder constituinte da multidão e provoca cada um de nós a se colocar na disputa em relação ao que se produzirá a partir da crise atual.

Da mesma maneira, ao comentar sobre o significado das eleições de um negro – Obama – e de um operário – Lula – o autor e militante nos chama atenção para um elemento essencial: a eleição em si pouco significa sem a potência das mobilizações sociais.

Participaram da entrevista:

Gilvan Vilarim, Pedro Barbosa Mendes e Felipe Cavalcanti.

Tradução: Pedro Barbosa Mendes


Universidade Nômade – A primeira pergunta diz respeito à crise. Tomando-se a crise como um momento de indefinição no qual ainda não é possível perceber com clareza a dimensão dos deslocamentos ocorridos, como aproveitar o atual processo para construir uma possibilidade de abertura/ruptura, em sua opinião?

Michael Hardt – O primeiro ponto que eu gostaria de abordar sobre a relação entre crise e revolução começa com uma idéia básica, até certo ponto óbvia, que é a seguinte: a crise do capitalismo, na sua forma objetiva, não é necessariamente sinal de progresso. De fato, o capitalismo funciona através de crises, que são modos de reconcentração de riqueza. O livro de Naomi Klein, “The Shock Doctrine” (A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre, Ed. Nova Fronteira), que sei ser conhecido no Brasil, é feito dessa hipótese principal: o capitalismo usa catástrofes, choques, crises econômicas, crises militares, e crises ambientais como meio de consolidar o controle do capital sobre o privado, como um mecanismo elaborado para a privatização. Às vezes, porém, é possível aproveitar essas oportunidades para uma abertura.

Acho que, para pensar deste modo, é útil pensar na crise por sua face subjetiva, ao invés da face objetiva. Em outros termos, quais são as demandas, os movimentos e as necessidades que trouxeram essa crise, as necessidades subjetivas sobre as quais trata esta crise? Deixe-me dar alguns exemplos históricos. Existe uma leitura relacionada à crise de 1929 nos EUA e o New Deal subseqüente, que diz que não foi apenas uma crise objetiva do capital, mas o resultado da pressão de trabalhadores industriais organizados, principalmente sindicatos. Foi a pressão dos trabalhadores que gerou aquela crise. De forma similar, nos anos 1970, a leitura é que a crise econômica, e o que se chamou então de crise fiscal do Estado, ou endividamento do Estado, foi o resultado do movimento dos trabalhadores, movimento dos estudantes, movimento feminista, etc. Esta era uma leitura daquele momento. Nesse sentido, a questão que eu colocaria é: como é que está isso hoje? Quais pressões e demandas subjetivas foram trazidas com esta crise? Qual é essa face subjetiva? E acho que é nesta base que poderíamos então dizer: quais são as possibilidades abertas pela crise para a revolução, ou ao menos para atividade progressista?

Parece-me que nos EUA esta crise foi trazida pelas demandas da multidão, da população do país, por formas de Welfare que foram tiradas. Havia estruturas de Welfare que eram mais ou menos garantidas por meio dos salários, como serviços sociais, acesso à moradia, à saúde, e montantes adequados de dinheiro para o consumo. No entanto, as políticas neoliberais dos últimos 20 anos nos EUA levaram-nas embora. O que temos então é um tipo de Welfare alternativo, que funciona, na verdade, por meio dos empréstimos para a moradia, dos cartões de crédito, e as pessoas desejando ter uma casa, um iPod, um computador etc. Isso tudo vem através desse mecanismo econômico extremamente perigoso de endividamento. Então, eu começaria mesmo por aí, perguntando quais foram as demandas que levaram a essa crise. E com base nessas demandas, poderia-se imaginar, talvez, o próximo passo que possa vir com a crise, caso haja um passo positivo. Bem, é um começo, ao menos. É uma questão grande!

UN – A segunda questão é mais simples. Que tipo de relação você estabeleceria entre a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos e a de Lula no Brasil em termos de um aprofundamento da democracia?

MH – Deixe-me ver se eu entendi: Obama e a população dos EUA e a reeleição de Lula em termos de constituição do Comum, certo? Uma das coisas mais notáveis sobre a eleição de Obama foi a mobilização das pessoas para a campanha eleitoral. Foi mesmo um número enorme de pessoas que se envolveu no processo da eleição. De algum modo, elas foram atraídas, tragadas, de forma que isso resultou na reunião de todas as pessoas que tinham trabalhado em movimentos anti-globalização, movimentos “anti-sweatshop”, lutas contra o racismo etc. Tudo reunido neste processo.

A questão agora é saber o que vai acontecer com essa mobilização de pessoas que conseguiu eleger Obama. Em outras palavras, será que elas vão apenas dizer: “ok, agora nós vencemos e queremos ir para casa. Obama vai cuidar de nós”? Ou elas vão se transformar em algum tipo de movimento ou em vários movimentos que possam constantemente pressionar o governo de Barack Obama a tentar fazer, ao menos, o que prometeu? Em outras palavras ainda, acho que meu lema para isso seria: a melhor saída para os EUA é que os EUA se tornem como a América Latina, e desenvolvam uma dinâmica entre governos de esquerda e movimentos sociais.

Não a América Latina toda, talvez, mas de diferentes modos, Brasil, Bolívia, Uruguai, Equador e Venezuela. Todos eles possuem alguma forma de governo de esquerda e movimentos sociais que, às vezes, pressionam o governo e o impulsionam a fazer o que ele deve fazer. Essa me parece ser uma possibilidade do resultado desse processo eleitoral. Quero dizer, a maneira mais cínica de dizer isso, mas talvez a mais verdadeira, é que inevitavelmente aqueles que têm estado tão entusiasmados com Obama, e esse entusiasmo tem sido realmente notável, as pessoas têm depositado tantas esperanças e sonhos nisso que certamente eles serão desfeitos em breve.

A questão então passa a ser: o que acontecerá no primeiro momento dessa ruptura? E não digo isso porque Obama é uma pessoa má, mas porque ele terá limites objetivos sobre o que pode fazer como presidente. Um outro modo de colocar a questão é admitir que a única forma possível de Obama fazer o que diz que quer fazer, seria a pressão constante de grandes movimentos sociais, de séries desses movimentos sociais. A primeira marcha a Washington poderia ser sobre o Afeganistão, contra Obama, ou poderia ser sobre saúde, educação e de alguma forma apoiar Obama contra aqueles que se opõem a ele. É isto o que quero dizer quando insisto que o melhor futuro para os EUA é se tornar como a América Latina.

UN – E, por último, como você analisa a situação do Brasil hoje, seis anos após a eleição de Lula? Qual o significado dessa eleição em um país sem grande tradição de cidadania e qual a possibilidade do Brasil dar um salto rumo a uma democracia mais radical, mais comum?

MH – Não sei se consigo responder esta pergunta! Quero dizer, é sobre o Brasil! É verdade a noção de um salto para o futuro. E é verdade também que não há estágios de desenvolvimento, que algumas nações ou povos não estão à frente de outros em relação a esse processo. Freqüentemente parece haver certas seqüências de desenvolvimento que nós então rapidamente reconhecemos serem, de fato, o oposto do que pensávamos. Acho que é essa a idéia do salto.

Talvez seja uma coincidência o que acabei de dizer, mas tenho satisfação em repetir que a melhor coisa para os EUA é se tornar como a América Latina. Logo ela, que sofreu por tantas décadas ou séculos até com a idéia de que os EUA eram a imagem que ela deveria ter, ou pelo menos a imagem que deveria perseguir. E agora reconhecer a inversão disso! Essa parece ser a norma para mim agora.

De fato, deixe-me colocar de uma outra forma essa inversão. Quando você pensa em comunistas do início do século XX que iam a Paris, por exemplo. Quero dizer, pense em Mariategui, do Peru. Ele vai a Paris, aprende sobre o socialismo e retorna ao Peru para fundar o Partido Comunista Peruano. Na realidade, isso é exatamente o oposto do que fazem os jovens de hoje. Eles vêm de Barcelona, vêm de Nova York e vão para Chiapas, vão para Buenos Aires, vêm ao Brasil, aprendem sobre política, e então voltam para casa. E então formam comunidades separatistas no Texas, em Padova, etc. Essa inversão do treinamento revolucionário já existe, e até mesmo do treinamento político.

A juventude de esquerda já conhece essa forma há décadas! Seria bom agora que os governos operassem essa mesma inversão! O presidente dos EUA viria para o Brasil para aprender a governar e então voltaria para casa e agiria. É bom para os americanos operar essa inversão. É claro que não quero dizer, com isto, que tudo no Brasil é ótimo, mas é saudável pensar continuamente em termos desta inversão.

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