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domingo, 3 de fevereiro de 2019

ALBERTO CUNHA MELO: UM POETA POUCO LIDO E EXTENSO EM SUA OBRA

Alberto C Melo por https://bit.ly/2UxzWgq
EXÓRDIO

Levamos fogo, não esponjas,
ao trono sujo do excremento,
disputando o mesmo vazio
de uma estrela no firmamento;

jarros negros e estrelas, tudo
é uma busca de conteúdo;

ou somos renúncia ou cobiça,
atravessando esses planaltos
feitos de cinza movediça;

mas todos estamos em casa,
   como os vôos dentro das asas.


Alberto Cunha Melo -1942-2007, foi um dos poetas de minha geração.Li e reli.Tive ligeiros encontros em Recife, nos  anos setenta, sempre na Livro Sete, antiga grande Livraria do Recife, hoje nao mais existente.
Alberto era um sério jornalista e poeta. Era sociólogo e isso deixava-se ver nas frestas de sua poesia, que apesar de ser tida com influencia de João Cabral , acho que ele tem aromas, afinal leu e releu  aquele poeta, mas sua identidade é muito própria.O humano os protocolos da vida frágeis estão na boca de seu verso.
A poesia era uma arma, um termômetro, um forma de ler e ver o país.(a boa poesia).Apesar de está entre os grandes poeta  brasileiros, dito isto pelo sul maravilha,-ou  poder hegemônico da crítica dali, ele ainda é desconhecido pelo Brasil afora.
Trabalhou com a imprensa pernambucana e paulista,mas o verso foi seu maior entalhe sem desmerecer  seus outros trabalhos, como  seus  ensaios.
Iniciando-se  Jaboatão dos Guararapes, onde nasceu, cidade contígua a cidade do Recife.Será, lá-Recife, que seu burburinho cresce, avantaja-se  e torna-se um grande poeta,que o diga outro poeta Orley Mesquita, a quem devo o conhecimento da obra de Alberto.
Assumiu cargos públicos como diretor de Assuntos Culturais da Fundarpe. Pertenceu a Academia Pernambucana de Letras.
Após sua morte a Record lançou sua poesia completa, 2017.Vale ler esse grande volume que traz de modo cronológico sua produção e inclui alguns inéditos.
Abaixo transcrevo a entrevista a Poesia e Cia. ( https://bit.ly/2SmNBcN)






  1. A literatura brasileira ressente-se de maior reconhecimento internacional. Exceto Machado de Assis, e um ou outro autor, sazonalmente – tipo Jorge Amado ou Paulo Coelho (sic) – , nossa literatura é pouco conhecida. A seu ver, a que se deve isso?
R.:     É comum justificar-se o não reconhecimento internacional de nossa literatura ao fato de ela ser escrita num idioma, vamos dizer, bárbaro, o português. Mas isso não justifica o também não reconhecimento de artes não literárias, como a música, a pintura, a escultura, a dança, etc. Se o econômico não condiciona a arte do ponto de vista da criação, ele condiciona a sua difusão e, com esta, o seu prestígio e sua imposição como modelo para as economias periféricas. A hegemonia de Roma impôs modelos greco-romanos a todo o Ocidente, vindo em seguida os colonialismos inglês, francês e alemão, para culminar com a hegemonia econômica dos Estados Unidos. O expancionismo da Inglaterra no século XIX foi responsável pelo fato de, hoje em dia, o inglês ser a língua oficial de 45 países, sendo o segundo idioma mais falado do mundo, depois do mandarim. Isso favorece, não resta dúvida, a difusão da literatura e dos modelos artísticos norte-americanos. Mas o idioma sozinho, sem o poder econômico enorme, que o precede, não seria suficiente para garantir aquela difusão. Vejam que os colonialismos espanhol e português fizeram com que seus idiomas sejam o 3º e 6º mais falados do mundo, mas a fragilidade econômica da Espanha e de Portugal limitou a imposição internacional de seus modelos culturais. Embora a qualidade da literatura brasileira não dependa do desenvolvimento econômico, o seu reconhecimento internacional depende do PIB, da exportação, da multinacionalidade de nossas empresas, do peso da economia brasileira no mundo.
  1. Nossa literatura, um tanto recente, descende dos clássicos, do Oriente, de Camões, de Gregório de Matos, de Vieira… Já desenvolvemos um estilo? Quais seriam nossos estilistas?
R.:     Não entendi bem a pergunta. Se vocês querem saber se eu acredito na existência de um estilo nacional, digo de pronto que para se definir um estilo “brasileiro” seria preciso um trabalho colossal de literatura comparada para diferenciá-lo do estilo “francês”, “português”, “inglês”, etc. Trabalho monstruoso para determinar a diferença específica não só entre as literaturas ocidentais e as orientais. Estou mais propenso a crer na existência de um estilo ocidental em relação a um estilo oriental, do que em estilos nacionais. Mas o conceito de estilo é mais confuso do que o conceito de gênero. Não quero perder tempo com isso porque não sou nem nunca fui professor. Mas admiro profundamente cinco grandes escritores brasileiros, ou seja, que têm uma maneira própria, inconfundível de escrever.
  1. Quem são?
R.:     Os cinco talvez únicos estilistas brasileiros, para mim, são Euclides da Cunha, Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa e Gilberto Freyre.
  1. Após o falecimento de João Cabral, restam-nos os poetas das gerações seguintes (sem esquecer os remanescentes de 1940-50). Onde você se encaixa (se é a palavra)? Já se considera um estilista?
R.:         Eu e a maior parte dos poetas de minha geração (65) somos epígonos da Geração 45, que tentou valorizar a poesia metrificada e até mesmo a forma fixa, como o soneto. Bem, o soneto eu o evitei, porque passei uns quinze ou mais anos escrevendo numa estrutura fixa que consistia em cinco quartetos octossilábicos, brancos. Daí, pulei para o verso livre e voltei depois para o octossílabo, agora rimado, em outra estrutura fixa, a que dei o nome de “retranca”. Se me considero um estilista? Remeto-os à resposta da pergunta nº 3, quando nomeio quem na verdade considero estilistas no Brasil.
  1. Em seu livro mais recente, Yacala, você desenvolve um ritmo futebolístico. Publicou apenas duzentos exemplares. Qual a relação do esporte de massa com a suposta escassez de leitores de poesia?
R.:     O que chamam de “futebolístico”, eu chamo de retranca. Como é uma forma fixa de onze versos, com distribuição estrófica na ordem de 4-2-3-2, caracterizando uma armação defensiva ou de “retranca” no futebol, além de me lembrar dos tempos de linotipo no Jornal do Commercio, com diagramação para o chumbo também chamada de “retranca”, aproveitei as duas acepções e batizei assim aquela forma. César Leal gostou da proposta e escreveu sobre ela. Quanto às relações do esporte de massa com a escassez de leitores de poesia, a ele se poderia também acrescentar a cultura de massa ou a indústria cultural. Não acredito que essas opções de lazer roubem leitores de poesia, como não roubam fruidores de qualquer outra manifestação da chamada alta cultura, porque seu nível de sofisticação só a torna accessível para uma elite intelectual, em qualquer época, a partir da invenção da escrita. A escassez de leitores de poesia se deve mais, talvez, ao declínio do ensino das humanidades e o consequente predomínio das ciências exatas e da tecnologia. Em países periféricos, como o Brasil, pesa também o baixo nível educacional da população, e, atualmente, a péssima qualidade dos livros didáticos e do ensino da literatura nos cursos médios. Há uma reação contra isso, e Pernambuco já possui um bom número de professores do segundo grau valorizando a poesia e os escritores da terra. Creio que essa reação futuramente será ampliada, para que a nossa escola se aproxime do padrão das escolas européias.
  1. Depois que tudo parece já ter sido dito, por que escrever?
R.:     Às vezes eu me faço essa mesma pergunta, de uma forma diferente: Por que escrever depois de Kafka  e João Cabral de Melo Neto? Creio que Rilke respondeu a essa pergunta quando nos aconselha a só escrever quando pressionados por uma imperiosa necessidade cósmica. Para falar a verdade eu gosto mais de pescar do que de escrever, mas desde menino me sinto condenado a satisfazer aquela estranha necessidade.
  1. Você presenciou o nascimento do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, no início da década de 80, constituindo-se em um dos seus principais incentivadores. Valeu a pena apoiar o Movimento?
R.:     Claro. Faria aquilo quantas vezes fosse possível. Sempre considerei um movimento arejado, alegre, louco e livre, que não se propõe a criar regras estéticas para ninguém. Deixando que o espírito procure livremente o seu caminho, atenda como quiser as suas próprias aspirações.
  1. Como você observa, ainda hoje, as críticas aos remanescentes da poesia marginal dos anos 80, acusados de “romanticóides” e “inadaptados” aos novos tempos literários por não “elaborarem” uma poesia “cerebral”, cabralina?
R.:     O termo “romanticóide” é pejorativo, não concordo com ele, e chamar um grupo de artistas de pessoas inadaptadas a este mundo é um grande elogio. Eu seria um sujeito leviano se ousasse fazer uma crítica à produção dos poetas marginais baseado apenas em poemas que li aqui e ali, sem qualquer preocupação de fazer uma análise sistemática. Quanto ao estilo de vida parece-me correto considerá-lo de romântico, como o foi boa parte de minha geração, nos tempos de grandes bebedeiras, varando as noites do Recife, como foi romântica a Geração Beat norte-americana dos Ferlinghetti, Ginsberg, Snyder, Corso, Burroughs e Kerouac. Se toda a poesia brasileira fosse “cerebral”, cabralina, seria uma poesia absolutamente pobre e repetitiva. Quando entrevistei Cabral, nos fins da década de 60, ele me confessou que gostava de muita poesia diferente da dele e achava que a poesia brasileira deveria ser um arco-íris de tendências, e que gostava, inclusive, da poesia de Vinícius de Morais, embora não o aprovasse moralmente. Cabral não era formal somente na poesia não, ele o era em tudo na vida, creio que eu não poderia ser um amigo íntimo do poeta, não.
  1. E os poetas surgidos no último decênio (90), você os conhece em forma e conteúdo?
R.:     Evitando citar nomes, porque toda vez que o faço eu me arrebento, por erros de revisão ou esquecimento, posso dizer que tenho recebido pequenas publicações alternativas, geralmente com um poema de cada autor, revistas, jornais e micro-antologias. Não é um material suficiente para um julgamento sério, mas tenho observado uma tendência muito forte para o poema curto, o que me agrada muito, porque eu o venho praticando há muito tempo, e para as formas coloquiais de elocução, algo que está bastante entranhado na melhor poesia moderna. Outro aspecto que me parece marcante é o predomínio pela temática urbana, reportando quanto possível o presente. Só me preocupa é talvez a existência de uma certa inconsciência ritmica, em alguns autores, como se a escolha do verso livre dispensasse qualquer controle, inclusive o do ritmo. Eliot já disse que não existe verso livre para quem quer fazer um bom poema. Mas é esta uma opinião superficial, que pode naturalmente ser alterada com um conhecimento maior da produção dos jovens poetas.
  1. Você é tido como o principal poeta da Geração 65. No livro organizado pelo poeta Jaci Bezerra, de 1998, transcrevendo debates e depoimentos do Seminário dos 30 anos da Geração, a sua ausência é nítida e notória. Há ressentimentos?
R.:     Minha ausência se deveu a dois motivos: não gosto de participar de seminários, mesas redondas, nada que tenha um aspecto meio formal, e minha geração, diferentemente da Geração de Mauro Mota, com o tempo gerou dentro dela inimizades terríveis, que não saem nos jornais. Como estou velho, preferi ficar em casa e evitar um possível aborrecimento.
  1. Muitos, por malquerência, atribuem a sua projeção nacional à tenacidade do poeta e crítico carioca Bruno Tolentino. Se seus papéis realmente não fossem de alta envergadura poética, será que o crítico carioca, tão sabido dessa matéria, se preocuparia em divulgá-lo?
R.:     Se hoje existe um maior conhecimento ou reconhecimento do meu trabalho, isso se deve, realmente, às atenções do bom Bruno Tolentino, que nunca precisou de mim para nada deste mundo. Quanto à “alta envergadura” de minha poesia, é o tempo que dirá se ela está mais para peso pena ou peso pesado. Já é tarde demais para me preocupar com essas coisas, deixo essa preocupação para aqueles que me querem mal.
OUTUBRO/1999

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