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domingo, 26 de setembro de 2021

Humanidade que transborda em duas escritoras: CLARICE LISPECTOR E LOURDES RAMALHO -OUTRAS PALAVRAS

 

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Matéria controversa mas com fio que ao final se torna claro, duas escritoras, duas mulheres, ávidas por literatura. Leia em OUTRAS PALAVRAS


Humanidade que transborda em duas escritoras

Uma é laureada; outra, ignorada pela crítica. Mas Clarice Lispector e Lourdes Ramalho têm mais que o centenário em comum. Em suas obras, há a busca pelos fios de suas origens judaicas e a justiça social no reencontro com o humano


Por Ezilda Melo1

“Há mulheres na vida real que são grandes genitoras de gerações de ideias, processos, genealogias, criaturas, períodos da sua própria arte, sempre se tornando mais sábias e se manifestando dessa forma”. Clarissa Pinkola Estés. In: A ciranda das mulheres sábias

Em dezembro de 2020, em homenagem ao centenário de Clarice Lispector, 36 autores da área jurídica fizeram nascer a coletânea “Por uma estética jusliterária clariciana: diálogos entre Direito, Literatura e Arte”. Nesse breve ensaio, propomos algumas linhas aproximativas entre Clarice Lispector e Lourdes Ramalho, festeja teatróloga paraibana que também completou o centenário ano passado.

A vida se conta no instante do ocorrido e para além da memória de que se deixa tocar. Rememorar 100 anos é lembrar, apontar um farol, um porto, um caminho, uma dimensão, é reflexão, é singularidade, inscrição, exercício de interpretação. Organizar uma obra jurídica tomando como fio condutor a literatura de Clarice Lispector para homenageá-la em seu centenário é, antes de mais nada, um sinal de reconhecimento, seja pela escritora, mulher, artista, pensadora, intelectual, jornalista, mãe, pessoa, que deixou um legado.

Uma família em fuga do antissemitismo no leste europeu, aportou em Maceió com uma criança nascida em 1920. Clarice, um dos maiores nomes da literatura brasileira, chegou ao Brasil para fugir da morte, da perseguição, da marca ancestral de separação da fraternidade entre as pessoas no mundo. Os fatos marcantes da vida pessoal da escritora giram em torno de mudanças e deslocamentos, de perseverança e pioneirismo, de textos e palavras que nos levam à outra dimensão. Viveu 57 e cada década de sua vida poderia ser retratada em filmes de época que prendem os espectadores do início ao fim.

Uma escritora sertaneja, que passou parte de sua vida produzindo sobre a influência das ibéricas, mouras e judaicas2 no Nordeste, foi Lourdes Ramalho que nasceu em agosto de 1920, na cidade de Jardim do Seridó, no sertão potiguar. Ela e Clarice possuem em comum, para além da literatura, e do centenário, a origem judaica. Um paralelo sobre as fases distintas da entrada dos judeus no Brasil e sua influência na literatura brasileira, ainda não tem investigação completa, apesar do trabalho de Regina Igel3 sobre a produção literária dos judeus no Brasil nos últimos cem anos, destacando a temática judaica, que não foi o foco principal da obra de Lourdes Ramalho, nem de Clarice, por exemplo, já que nenhuma das duas se converteu ao judaísmo.

Lourdes Ramalho investigou sua origem genealógica e descobriu que seus ascendentes chegaram ainda no século XVII e praticavam a religião judaica no mais absoluto sigilo, no interior de suas casas, transmitindo o judaísmo secreta e oralmente, propiciando que reconheçamos o mimetismo, silenciamento e não pertencimento das mulheres habitantes do sertão potiguar e paraibano, herdeiras do judaísmo. Lourdes Ramalho destacou que no Estado da Paraíba, nasceu a lenda da jovem Branca Dias, que aos 18 anos foi acusada4 de judaísmo e queimada pela Inquisição. Apesar da grande quantidade de obras, a produção de Lourdes Ramalho continua desconhecida do grande público brasileiro, apesar de valorizada em Portugal e Espanha, o que por si só é demonstrativo do silêncio das mulheres na escrita especialmente quando se fala de um espaço geográfico discriminado historicamente como é o caso do sertão nordestino, onde o destaque que se tem é para a autoria masculina. Para ter reconhecimento dentro da literatura brasileira não se pode exigir a masculinidade hetenormativa, a branquitude, as condições econômicas, nem que os escritores morem e sejam publicados apenas no eixo Rio-São Paulo.

Quem também fala sobre essa “clandestinidade”, no prefácio da obra inédita “Chã dos Esquecidos”, edição comemorativa do centenário de Lourdes Ramalho, é sua biógrafa Valéria Andrade5. Diante da necessidade de valorização e visibilidade da escrita feminina, o referencial literário da escritora Lourdes Ramalho serviu para verificação de formação identitária da mulher sertaneja, seja a retirante, a cigana, a negra estuprada, as tantas mulheres que possuem voz, vida, lamúrias, tristezas, reivindicações. Ao ampliarmos o olhar para um feminismo literário que trata das narrativas das mulheres, de modo que olhe para a história cada uma e de seus corpos e as violências institucionalizadas sobre elas é ampliar o debate e as fontes de representação sobre os direitos das mulheres.

E, mais do que isso, entender que até dentro de pequenos grupos, as mulheres são diversas e quando falamos de uma, é necessário que nos perguntemos criticamente, assim como nos lembra Sueli Carneiro, de que mulheres estamos falando?  As mulheres sertanejas pobres, negras, da zona rural, ciganas, judias do sertão são uma pluralidade de mulheres que foram silenciadas, seja pela escrita dos escritores regionalistas que as enquadraram dentro de dois arquétipos (santa-pecadora), seja pela própria falta de reivindicação de seus direitos humanos e isso se encontra dentro de uma leitura histórica dos direitos das mulheres que tem a inquisição e a expulsão dos judeus da Europa como fundante para entender essa formação identitária que a escritora Lourdes Ramalho apresenta no conjunto de sua obra.

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