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segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

2022 O QUE SERÁ? MAIS RESPEITO AO OUTRO , SOBRETUDO ,A MÃE TERRA E AO PAI UNIVERSO

 


                                           https://bit.ly/3FR0fGr

OS POETAS FALAM COMO O AR QUE CIRCULA:


A partir de um poeta que se ampara na Filosofia, Elton  L.L.SOUZA  nos traz os cheiros de outros poetas que circulam no ar,entre eles, M.de Barros.


Há um poema de Manoel de Barros no qual ele diz: "Vi que tudo o que o homem fabrica vira sucata: bicicleta, avião, automóvel ... Até nave espacial vira sucata." E completa: “O que é verdadeiramente novo nunca vira sucata.”
Não só automóveis e celulares viram sucata : doze meses atrás , 2021 foi chamado de ano novo , e 2020 virou sucata. Hoje, é 2022 que recebe a etiqueta de ano novo, enquanto 2021 está virando sucata.
Se olharmos para o tempo com os olhos do poeta, veremos que não se encontrava então em 2021 o tempo novo tão desejado, assim como não está em 2022 o tempo que não vira sucata.
Mas onde encontrar esse tempo-embrião, esse tempo de minadouros?
Segundo o poeta, não é no produto criado que se encontra o novo, e sim no ato de criação. O rio só mantém seu fluxo vivo e avança se estiver umbilicado à nascente da qual continua a fontanejar, sendo criado.
O novo nunca pode ser representado por abstrações , pois ele vive nas singularidades concretas.
“2022” é uma abstração , uma convenção do calendário hoje vigente. Ao longo da história, porém, povos diferentes tiveram outras formas de contar o tempo segundo outros calendários.
Os povos originários , por exemplo, vivem muito mais próximos do tempo que não vira sucata, pois os indígenas não vivem o tempo sob números abstratos, e sim a partir dos acontecimentos singulares da própria natureza, segundo os ritmos do sol e da lua.
Os números são abstrações porque conseguem representar somente as quantidades, nunca as qualidades , os ritmos e as intensidades. Somente um tempo concreto, singular, qualitativo e intenso tem força para resistir a virar sucata, pois um tempo assim tem a potência da vida e de seus ritmos.
Mas onde encontrar esse tempo singular? Onde fica sua nascente, seu nascedouro, sua natência?
O poeta assim responde: os dias, os anos, os séculos, os milênios...tudo isso vira sucata. Mas o que nuca vira sucata é a aurora. A aurora é a nascente da qual brota o autêntico tempo novo.
E nós mesmos nunca viraremos sucata, não importa a idade que tenhamos, enquanto nos horizontarmos afetados por uma aurora . Para que, juntando forças, possamos “fazer amanheceres”, como ensina o poeta, apesar dessa noite longa...
Não somente em 2022, mas sobretudo no hoje , no aqui e agora, desejo a todas e todos necessárias auroras!
Uma aurora sempre vem para nos lembrar que todo dia é dia novo, e não apenas o 1º de janeiro!
“Erguer-se...
Como se ergue a aurora do seio da noite.”
(Homero)
“Durante as viagens sem rumo dos andarilhos,
eles são instalados na natureza igual se fossem uma aurora.” (Manoel de Barros)

E segue outro poeta:


PASSAGEM DO ANO
 C. DRUMMOND DE ANDRADE

https://bit.ly/3FTmmvY


O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,
 
Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

 
O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus…
 
Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
 
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.
 
O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles… e nenhum resolve.
 
Surge a manhã de um novo ano.
 
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

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