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terça-feira, 2 de agosto de 2016




* Por Sidney Rocha e Paulo Vasconcelos *
Em tempos de tantas fagulhas, de dilaceramento de propósitos, insegurança de futuro, refleti com Sidney Rocha sobre a relação entre politica e literatura no incendiar de novos cenários em nosso País. A literatura, se não é o espelho, é um encontro de propósitos cujas demandas necessariamente são políticas, e isto em todos os gêneros, seja na crônica, na poesia, no conto ou no romance. Escrever, mesmo em estados ficcionais, é do homem e suas circunstâncias.
Literatura e política são, pois, binômios fundantes da escritura, ou uma etopoiética se não de engajamentos políticos, acentuados ou não como foram João Cabral de Melo Neto, Thiago de Melo, Joaquim Cardozo, Verissimo, Jorge Amado, Graciliano, Jose Lins do Rego, Ruffato, entre tantos, afora os latinos como Neruda, Benedetti, Cortázar, Garcia Márquez Otavio Paz , Soler…..
Para tanto, buscamos escutar alguns nomes de nossa literatura, de modo que possamos nos aproximar do tema e visualizarmos esse par que atravessa nossa história e compõe na contemporaneidade seu tecido do devir.
No último dia 31 de março, subia ao pequeno púlpito, ao lado da presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, um dos maiores escritores brasileiros vivos: Raduan Nassar. Sem nenhuma filiação partidária, e longe dos holofotes literários, o autor deLavoura arcaica se juntava a outros intelectuais como Chico Buarque e Eric Nepomuceno, por exemplo, para deixar pública sua atuação contra o impedimento da presidente, e acendia luzes também sobre a função ou imagem do escritor brasileiro em momentos como esses.
Será um romance proletário?” A pergunta vem da epígrafe de Cacau, de Jorge Amado (na foto, 1912-2001), publicado em 1933. Nesse mesmo ano, Pagu, pseudônimo da poeta comunista Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), lançava seu romance Parque industrial, onde apontava dois universos de trabalhadores nas cidades: os militantes-conscientes e os alienados. Sem meios-tons.
Daquela década não faltam exemplos de escritores engajados, de quem já não se falava à época — e hoje muito menos — como Ranulfo Prata (Navios iluminados, 1937) ou, antes, Juvêncio Campos (Gororoba, 1931). Assim, “literatura proletária” e “realismo socialista” (como entende G. Struve: “criação de obras de elevado nível artístico, marcadas pela heroica luta do proletariado”) eram termos de uso corrente entre escritores do Brasil.
Para discutir a relação entre literatura e (ou versus) política, falamos com Cristhiano Aguiar, autor de Recortes de Hannah, vencedor do Osman Lins de LiteraturaDemetrios Galvão, poeta, editor da revista Acrobata e professor universitário; o poeta Lau Siqueira, autor de Poesia sem pele; Micheliny Verunschk, autora de Nossa Teresavida e morte de uma santa suicida, vencedora do São Paulo de Literatura, e o critico e escritor Nelson de Oliveira, autor de Fábulas, ganhador do Prêmio Casa de Las Américas.
Outros autores e autoras, de direita ou esquerda, foram convidados, mas preferiram não participar da enquete. Um deles se justificou assim: “Escritores têm opinado demais sobre tudo.”
Outros simplesmente reforçaram a ideia antiga de que escritores-devem-somente-escrever. E com isto, sem saber, confirmaram a velha declaração do russo Mikhail Bulgákov (1891-1940): “Peço ao governo soviético levar em consideração que não sou um político, mas um escritor.” Sem deixar clara a linha que separa um do outro.
Toda arte é engajada? O assunto não tem fim. Mas seria toda arte propaganda? Assim pensava George Orwell (1903-1950). Demetrios Galvão discorda: “A arte é um espaço que produz visibilidade. Aí o artista escolhe aquilo que pretende mostrar.”
Antonio Moura também considera Orwell reducionista nesse ponto. “É como cortar as seis cabeças da hidra, deixando-lhe apenas uma. Quando isso acontece, geralmente vem a serviço de um Estado totalitário, tirando da literatura o que lhe é mais precioso: a liberdade de expressão.”
Mais contundente foi Gueórgui Plekhánov (1856-1910): “Se um escritor emprega argumentos lógicos em lugar de imagens, ou se as imagens que criou servem-lhe para demonstrar tal ou qual assunto, não se trata de um artista, mas de um publicista, mesmo que escreva, em vez de ensaios e artigos, romances, novelas ou peças de teatro.”
Então, até onde cabe, se é que cabe, o envolvimento das artes literárias no game político?
Para Micheliny Verunschk, “o capitalismo tem medo da literatura, da grande literatura, porque ela é libertadora.” Sem esquecermos de a história ter comprovado, com uma quantidade enorme de exemplos, o quanto o comunismo teve e tem mais medo ainda.
“Quem gostaria de viver no mundo criado pelas obras do Marquês de Sade? Eu mesmo, não.” Pergunta e responde Aguiar. “Não concordo com muitas das ideias políticas de Balzac, Borges ou Bioy Casares. E, mesmo assim, estes autores me influenciaram bastante.”
Lau Siqueira, “cidadão assumidamente de esquerda”, como se define, com atuação política também como gestor público, defende ideia bem clara quanto à sua própria obra e os laços com a política: “Acho que Brecht cuidava bem disso. Mário de Andrade foi o primeiro gestor de política do Brasil, Drummond foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Neruda e Maiakovski eram do PC. Mas, quanto a minha obra (…) não guardo nem procuro guardar nenhuma identidade política. Faço meus passeios minimalistas e neobarrocos, às vezes, lirismos radicais, mas sem laços com a política.”
Contudo, se nota atualmente militância por certo “deboísmo” literário ou militância do não-engajamento?
— Você está falando dos isentões? — pergunta Micheliny.
— Vivemos a ditadura do hedonismo — reflete Nelson de Oliveira.
— Ora, ninguém se retira da História, ninguém se coloca acima do seu tempo — acrescenta Verunschk. — Interessam-me as lutas do povo do qual sou parte, suas narrativas e os modos pelos quais se colocam de pé frente às injustiças.
— Esse debate é profundo e é preciso muito esforço para ser resolvido, não dá pra ficar ‘de boa’ diante desse quadro social — espichou Demetrios.
 Pois é — acrescentou Moura — o deboísmo é simpático nas relações sociais, mas a arte e a cultura precisam ser constantemente debatidas. Num País patético e injusto como o nosso, deve-se lutar por cidadania, e a cidadania também implica em falar por si por aquilo que defende.
Aguiar vai buscar na sua obra as relações mais aparentes:
— Observando meu livro, ainda inédito, vejo uma série de alegorias sobre ditadura militar, a desocupação do Pinheirinho, tensões raciais, regionais, e política (…) há sempre um fundo de discussão a respeito do sagrado, por exemplo, e isso se mistura a uma já citada alegoria sobre violência do Estado, certos radicalismos, temas de urgente discussão hoje em nosso País.
— Quando a vida radicaliza, precisamos saber de que lado estamos — afirma Siqueira.
— Esse posicionamento de modo direto é necessário a qualquer um, independentemente de ser escritor ou não — emendou Moura.
— Minha militância é com a cultura, a literatura. Minha bandeira é a da tolerância e dos afetos — reafirma Galvão.
— Quanto a mim, não creio no Estado, nem no governo, seja de direita ou esquerda — diz Nelson de Oliveira, desconfiado até da própria sombra da individualidade, no conjunto de sua fantasia ficcional, por isso atende por outros nomes como Luiz Bras.
Micheliny Verunschk argumenta que “toda obra literária é política, no sentido de que todo romance ou conto ou poema se filia a valores e compreensões de mundo bem marcados. Não há obra neutra, portanto.”
Certa vez, num amplo debate de escritores latino-americanos, o escritor mexicano Pablo Soler Frost resumiu muito bem o assunto: “Literatura política quer dizer literatura comprometida. Durante todo o século XIX e XX até a queda do Muro de Berlim, a literatura política tomou partido dentro do terreno das ideias. Mas hoje, tudo é política: o corpo, nossa atitude com os animais etc.”
No texto “Os escritores e o poder”, Octavio Paz abordou o tema por outro ângulo:
“A política encheu de fumaça o cérebro de Malraux, envenenou as insônias de César Vallejo, matou García Lorca, abandonou o velho Machado num povoado dos Pirineus, prendeu Pound num manicômio, desonrou Neruda e Aragón, expôs ao ridículo Sartre, deu razão tarde demais a Breton… Mas não podemos renegar a política; seria pior que cuspir contra o céu: cuspir contra nós mesmos.”
Em entrevista à célebre The Paris Review (que inspirou o projeto da São Paulo Review), Ernest Hemingway respondeu à questão “em que medida considera que o escritor deve envolver-se nos problemas sociopolíticos de sua época?” desta maneira:
“Cada um tem sua própria consciência, e não deveria haver regras para o funcionamento da consciência. A única coisa de que podemos estar seguros a respeito de um escritor politizado é que, se sua obra perdura, alguém terá de passar ao largo da política quando o leia. Muitos dos escritores chamados politicamente comprometidos mudam suas ideias políticas frequentemente. Isto é muito excitante, para eles e os resenhistas político-literários. Às vezes até devem reescrever seus pontos de vista… e apressadamente. Talvez tudo isso pode respeitar-se considerando que é uma forma de busca da felicidade.”
Uns mais para um lado, outros para o outro, companheiros de viagem, aqui, engajados ou não, têm um centro em comum: a obra literária deve pensar e refletir o mundo e o humano. A pauta política surge de modo natural, do compromisso com a linguagem.
Há uma linguagem, na literatura, de esquerda, e outra, de direita, no Brasil? A literatura de direita é a mesma que produzia Guimarães Rosa, ou Jorge Luis Borges, ou Ezra Pound, ou Céline? E da literatura brasileira, quem tem medo, hoje? Talvez a literatura tenha se cansado de ser bela, decorativa, recatada e “do lar” e queira reivindicar um pouco mais das vísceras do mundo e menos dos intestinos dos seus autores. Sem recorrermos a detestáveis infográficos, o que pensa mesmo o escritor deste século e o quanto fazem pensar suas obras? Será que estamos diante do tipo de artista de Hoffmann — mencionado pelo crítico francês Sainte-Beuve (1804-1869): “com o gênio inquieto, os olhos assombrados – místicos sem fé, gênios sem obra, almas sem órgãos?”
Talvez, ainda recatados e do lar, alguns escritores brasileiros se sintam bem à vontade nos salões e feiras, com literatura tipo exportação, porém se melindrem com palavras tais como produto, mercadoria, política, mercado, indústria da literatura. Talvez saturados de si mesmos, dessa (com permissão da palavra) “arte” individualizada — remem melhor em direção a uma “arte” contextualizada.  Ou, como diz Nelson de Oliveira, que anda pregando nas suas oficinas Brasil afora nova literatura ou novíssima indústria bélica  — e com ele talvez estejamos melhor: “Que meus livros sejam disparos à queima-roupa. Essa é a única argumentação política na qual acredito, neste momento nojento. Livros-revólveres.”
Nada como pensar e tecer a fibra densa do hoje e do amanhã com fachos de sobriedade e consciência política: isso a literatura pode nos doar, sugerir. Ela é capaz de promover o entendimento do homem e suas idiossincrasias, sobretudo no âmbito da política e neste momento atormentado em que o País mergulha. Um período em que, muitas vezes, o jornalismo consagrado não nos salva, como uma literatura do cotidiano contingenciada por interesses dos grandes grupos de mídia e a serviço de uma elite desnutrida de face não ilustrada, submetida aos desígnios do capital.
*
Sidney Rocha é escritor. Vencedor do Prêmio Jabuti com O destino das metáforas (contos, Iluminuras, 2011). Autor de Matriuska (contos, Iluminuras, 2009) e dos romances Sofia(Prêmio Osman Lins) e  Fernanflor (Iluminuras, 2015). Este ano publica Guerra de ninguém (contos), também pela Iluminuras
Paulo Vasconcelos é escritor, crítico literário e colaborador da São Paulo Review

As caminhadas poéticas de Fabrício Marques

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As caminhadas poéticas de Fabrício Marques



Costumo ao viajar tomar emprestado, como os cegos, a guia de amigos; em geral, são poetas e escritores que me descrevem a cidade e me revelam locais e cheiros
Respiro à margem, do lado de fora
onde tudo é a flama do incontido.
Respiro por precaução
Entre vizinhos que mal se conhecem
Lento entranhar-se entre estranhos.
Respiro em surdina, na cidade que se abre
(trecho de Fôlego Fátuo, em A Fera Incompletude, Dobra Editorial)
Costumo ao viajar tomar emprestado, como os cegos, a guia de amigos; em geral, são poetas e escritores que me descrevem a cidade e me revelam locais e cheiros. Assim foi com Fabrício Marques. Zanzando pelas palavras, dobrando-as e desdobrando-as, Fabrício constrói ensaios, crônicas e contos sobre a cidade e lança um amálgama de perguntas em sua poesia.
Meu encontro com ele em Belo Horizonte foi no Edifício Maletta, ainda cheio de glórias e poetas, na confluência da avenida Augusto de Lima com a rua da Bahia.
Ali no bar, sentado em meio à conversa variada, ele se entrega como um poeta a um só tempo antigo e novo, de palavra ácida, que usa com exatidão de porcelana. Diz de si, do outro e da cidade. Conhecedor de seus becos, ele transita por ela com o olhar de gato do mato, para atestar sabores desconhecidos.
Tá vendo este aqui, mais ao centro?
Sou eu
E este mais à direita, com o pé na fórmica prateada?
Também sou eu
Este aqui
na corda bamba
desequilibrista
do trapézio ao trampolim
Senhor Por Um Triz
(trecho de Fotografias, em A Fera Incompletude)
O escritor e poeta Fabricio Marques. Foto: Divulgação
O jornalista e poeta Fabricio Marques. Foto: Divulgação

Fabrício Marques nasceu em 1965. De Manhuaçu, Minas Gerais, mora em Belo Horizonte. Poeta e jornalista, tem doutorado em letras pela UFMG. Possui várias obras: Aço em Flor: a Poesia de Paulo Leminski (Autêntica), Meu Pequeno Fim (Scriptum), Dez Conversas (Gutenberg) e A Fera Incompletude (finalista do Jabuti e do Portugal Telecom), além dos livros para crianças O Zoológico da Sofia e O Pequeno Livro dos Recordes (ambos pela Aaatchim!).
Sendo múltiplo na escrita, do jornalismo aos ensaios e daí aos versos, ele chega ao livro-reportagem, em que revisita a sua Belo Horizonte na visão de autores de várias épocas, dos modernistas da década de 1920 a alguns mais recentes. Uma Cidade se Inventa (Scriptum) é uma cartografia séria, serena. Aqui ele vira tatu para deslindar a cidade nas suas festas, viadutos, avenidas, bares, livrarias.
Mas cutuquemos seus versos:
Sou um homem sem retrovisor./ Ando todos 
os dias/ logo de manhã, nas ruas da cidade. 
Pessoas pessoas pessoas/ descem e sobem, 
me atravessam/ Sou um homem fora da faixa 
Andar, paraíso portátil sujeito a multas./ 
Em cada expedição diária/ acumulo acidentes e alguns desastres
Sou um homem sem maçaneta/ Cruzando os semáforos do planeta/ Córdoba, Cádiz, Arpoador, Belvedere
Que mundo esse /indiferente ao espetáculo/ de alguém a caminhar/ sem saber pra onde vai.
Encontro-me perdido./ Errei de rua, errei de mim. Perdido, encontro-me.
(trecho de Caminhada)
Fabrício há que ser lido para pensarmos a atual poesia das Minas Gerais.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).

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quinta-feira, 14 de julho de 2016

Cazzo Fontoura, o roedor de versos






O poeta de Salvador mistura formas e suportes, sentidos e sensações

Ele: uma sanha enfática na busca do sentido, colhe tudo – e com o bico de poeta sai esfarofando as palavras, os fatos, o possível visível para  registrar o fundo do motivo poético. Com inclinação para as letras desde cedo, o baiano esmiúça poetas que leu (Drummond, Cecília Meireles, Oswald, Bandeira), e estes se escondem na largura de seus versos em mutação. “Não sou triste nem alegre…” Mas o poetar não se fixa apenas nos poemas, como ele mesmo diz, e sim na poesia. Daí, Oxóssi pode ser tema, nota, mote, motivo, e também Luiz Gonzaga, Glauber Rocha, Nina Simone, João Gilberto ou Chet Baker – paredes ou coisas grafadas, “impronuncindível”, e assim vale BRSTZDC ou PVZQBGD.
Cazzo, poeta jovem que se estende também pela imagem com que trabalha; afinal, palavra e imagem são primas e, quiçá, irmãs. E, para escutar a imagem e as palavras, é bom fuçá-las emSelfie Poesia, com o intuito de entrevistar poetas que depõem sobre o processo criativo. Vale muito pousar lá: http://on.fb.me/1NB8ycj .
Inquieto, o baiano, além do mais, é professor. Que farra! E fala de futebol, com livro na praça em formato digital: Crônicas da Fatídica Copa do Mundo no Brasil. Mas, como bom roedor, segue em frente na sua ambiguidade poética, coisa bem dos novos poetas de metrópole, que dizem a cidade, o mundo das antenas parabólicas, as chaves, reciclando para o verso firme.


Onde o poeta/ vê estrelas/eu vejo antenas parabólicas.
Cazzo há de ser lido e relido, para nos apropriarmos do verso contemporâneo duro e certeiro, nova visão do mundo em estado de contraglobalização. Daí o design de seu livro de poemas vir em tela de processador de texto. Refiro-me a Leitura Neon-Reciclada (editora Organismo, 2014).
Conversar com Cazzo é sentir o cheiro do inquieto, ele fala, ora ligeiro, às vezes ponderado, mas há a nítida sensação de um nervo exposto para querer melhor cuspir sua poiesis, e isso se faz visível em sua produção, em que, entremisturando um jeito concretista, faz também uso do soneto, de palavras e sons. É preciso escutá-lo, emergem de suas palavras poéticas versos astutos, janelas/portas, cinismo machadiano ou um Arranjabuso para Antonio Abujamra.
Vamos senti-lo em descomunais saídas poéticas:

[…] Recôncavo é o inverso / a cor preta 

é preta / (a cor da gente)
santos, santas, pastores, assembleias, santinhos.

16 motocicletas / tem mais roda 

que um ônibus
E fechando temos diversidades do poeta (tal e qual está lá):

NEM TUDO É PERFEITO / MUITO MENOS PERFEITO / TENTAR FOTOGRAFAR / ÁRVORE TRISTE / 

NA FRENTE DA CASA / QUANDO 
NÃO SE TRATA DE UMA SIMPLES 
CASA / PORQUE SURGE / COMO UM SUSTO / TRECHO DE GRADE / ATRAPALHANDO GALHOS
Para ler Cazzo, é preciso que o leitor tenha a sensibilidade para o motor semântico e sintático de sua poesia, num concreto disfarçado:
E NADA NOVO, NADA INTENSO SOMOS (A DANÇA( IN THE RAIN)
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
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quarta-feira, 22 de junho de 2016

Um emeio amassado


Um emeio amassado






Na crônica das praças e ruas, as histórias de amor se encontram nos lixos e terminam na página impressa
Vivo em uma cidade de poucas praças, quase meia dúzia. Exagero, talvez. São Paulo não gosta mais de praças, a não ser para vender. Depois de maduro, viageiro, voltei a usufruir da praça para por os músculos esticados e fotografar. Sim, fotografo com os olhos e os ouvidos, e ainda pego a escuta e as imagens das ruas (as ruas por vezes se fazem praça, como a Avenida Paulista, à noite). Frequento e sugo tudo, como crônica, nas vozes dos seus usuários. É bacana e tomo as conversas como suco da vida que os homens dizem.
Lembrei-me, outro dia, de Rubem Braga, Antônio Maria, Fernando Sabino, Drummond, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector – todos tomadores desses sucos nas crônicas, em que expunham o invisível (ou visível, criado pela literatura), inspirados nos “oooosss”, isso mesmo, nos “ooossss” do cotidiano, soletrando amores, desamores, política e tudo mais. Ainda há outros, raros, hoje em dia, com a destreza poética que aqueles teciam.
Na miudeza dos fatos, no tosco do simples, o cronista, que beira a poesia e às vezes se aproxima do conto, faz a narrativa sem deixar de estar no ficcional – afinal a realidade só existe literariamente pela palavra e esta é o real possível, fabricado no acontecimento literário.
Paulo Mendes Campos, disse que O Amor Acaba: “(…) no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba (…)” (bit.ly/1CFFawq).
Foto: Ingimage
Foto: Ingimage

Em Salvador, andando pelo bairro do Itaigara, em uma praça, ouvi a conversa entre duas amigas. Elas falavam do fim de um relacionamento. Fingindo cansado, sentei-me para ouvir a crônica. A acabante (caso de amor) mostrava uma cópia do “emeio” que mandou e lia firme. Ao cabo, disse: “Amiga, acabou. Tive força, esse bródi, foda-se”. Levantou e jogou aquela cópia na caixa de lixo. Voltei a correr e, ao retornar, elas já haviam ido embora. Fucei a lixeira e lá estava o “emeio”.Amassado. Guardei-o. E aqui vai reproduzido, claro, com as devidas readaptações:
Flávio, só estas palavras: não quero mais suas fitas, seus gestos iguais, como todos os seus amigos, eles dizem nada, eu quero é mão, cabeça, tronco e dedão. Cansei de repetição: I love you, mina, nem falar baiano tu sabe, tu gosta de Mac, Naturela, eu, de punheta de mãe Du e seu abará. Teu tanquinho secou, quero o verde, um amigo de algodão, como já falei, lembra? Continue a ler Paulo Coelho e dançar com as outras minas do Horto. Eu quero é o dito, de: minha nega, minha flor, meu peixe, oi de fruta madura. Stop, change, como diz tu, sou virada e sou baiana, volta pra tua terra, dos sul, eu tenho saia dobrada e virada e sem suor. Suzana.
Saudades da crônica, sou aprendiz da crônica poética. Ainda chego lá.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
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segunda-feira, 2 de maio de 2016

As meninas de Itabaiana


                                                                  MONTEIRO LOBATO .Foto: Domínio público / Wikimedia Commons / BBC News Brasil


As meninas de Itabaiana

POR REVISTA BRASILEIROS




Um encontro nordestino, com conversas regadas a café e Monteiro Lobato, na voz de seu Jeca Tatu

Viajo para ver, ouvir, rir e rever, constatar que passam os estilos, o tempo, enfim, tudo. O Nordeste, por onde caminhei e caminho, tem muito de um tudo desse Brasil.
De São Paulo para Recife, pesquisando, vou para João Pessoa, e de lá, indo para Campina Grande, vou para Pilar e entro em Itabaiana, cidade importante na era dos trilhos. Quero rever a estação de trem, famosa no começo dos anos passados, ver a cidade em que Zé Lins estudou e assim sentir o cheiro de terra, salpicos do rio Paraíba, ora enchendo com as chuvas.
Com o amigo Anselmo, chego em Itabaiana, vamos à casa das meninas, como assim são chamadas na cidade: “ii” e “nenén”, digo, Ivone e Margarida. Lá as encontro como que dormindo sobre o tempo, com uma lisura de humanidade  que pouco se vê, muito pouco. Eram três as filhas de Nazinha – irmãs que roeram e roem o tempo: uma faleceu, professora Clotilde, chamada Tide; ficaram as duas das pontas, Margarida (nenén), a mais velha, e a mais nova, Ivone (ii). São duas mulheres de aço que resistem ao tempo: moram sozinhas, solteiras; a família se resume a primos – Anselmo é um deles. Sentados, na cozinha, tomamos café e falamos sobre a vida e, dentro disso, dos poetas, do pastoril, do Colégio do Prof. Maciel, em que Zé Lins do Rego estudou e do qual Tide foi diretora, das festas de fim de ano, dos picolés de D. Dozinha.
O personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. Foto: Reprodução/YouTube
O personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato. Foto: Reprodução/YouTube
O tempo passou, mas o mascaramento da vida permanece, diz ii, “os tempos mudaram muito, dá um enjoo grande, mas a vida é assim, temos que aguentar como o tempo é, mas reclamar não custa nada… a televisão não me engana mais, melhor ouvir os versos de cordel, e ver o menino assaltando outras velhas e fechar a janela e engolir o susto”. Reclama das plantações de grama, ocupando o pasto dos bois e sendo vendidas para os campos de futebol, verde mentiroso. Assim diz ii, e olha para nós, fita meus óculos e diz: “Bonito, parece os óculos de antigamente”; e prossegue: “Você é jornalista, né? Leu muito, então conhece Jeca Tatu?” Eu respondo: “Faz tempo”, e ela: “Leia, ainda tenho aqui na minha estante empoeirado, era de Tide, mas li outros, os poetas do cordel, as novenas, os almanaques, Zé da Luz.”
O caso levou-me para Lobato no seu Jeca, em que mostra um país dividido, por tanto e quanto, por um lado travestido de chique, de bacana e rico e, no entanto…
“Nossas casas não denunciam o país. Mentem à terra, ao passado, à raça, à alma, ao coração. Mentem em cal, areia e gesso, e agora, para maior duração da mentira, começam a mentir em cimento armado. Dentro dum salão Luís XV somos uma mentira com o rabo de fora. Porque por mais que nos falsifiquemos e nos estilizemos à francesa, Tomé de Sousa e os quatrocentos degredados berram no nosso sangue; Fernão Dias geme; Tibiriçá pinoteia e Henrique Dias revê o seu pigmentozinho de contribuição.”
(Monteiro Lobato, em Ideias de Jeca Tatu)
Melhor olhar o coração de Jesus, de nenén, em Itabaiana, tomando o café de Ivone.
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).
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terça-feira, 15 de março de 2016

O Gu, o pai Gu, o tio Gu



Conheça as denominações populares ao Google, o bruxo digital que quer substituir dicionário, enciclopédia, livros
Por Revista Brasileiros
Às vezes, é preciso rir com a vida e seus fatos de humor. Vamos a um deles. No passado, os mais velhos eram os nossos armazenadores de saberes e informação. Eram nossas enciclopédias, nossos dicionários, conselheiros, sábios, decifradores, adivinhadores, esclarecedores. Depois, vieram os padres, pastores e bruxos – esses eram como nossos buscadores.
Com a escrita, houve o registro de nossos saberes e sua sistematização. Daí, as escolas, o modelo acadêmico e a nossa memória documental. Mas como reuni-los? Surge a imprensa: os livros, as enciclopédias, os dicionários (Caldas AuleteTesouro da JuventudeEnciclopédia BritânicaBarsa,Conhecer e almanaques diversos), os folhetins, o cordel, os jornais, as revistas. A oralidade prosseguia em paralelo.
Mas chegamos às tecnologias da informação e à comunicação digital, à Internet e aos buscadores, quais enciclopédias, na verdade indexadores de termos, expressões e linguagens do conhecimento, como Wandex, Excite, Lycos, AltaVista, Cade, Yahoo, Bing, etc., que pretendem fazer um tesaurumdo saber-conhecer.
Chegamos ao famoso Google, cujo termo foi criado por Milton Sirotta a partir de “googol”, no desejo de querer designar o número representado pelo número 1 seguido de 100 zeros.
Mas o Google não ficou apenas como buscador. Trouxe uma série de aplicativos para ler, ver, ouvir, criar, gravar e difundir som e imagem. Pela sua popularização, Google poderia ser um novo mito, personificando os antigos conselheiros sábios. O bruxo digital nos coloniza pelas artimanhas de suas patas, igual a um polvo do capitalismo da informação/comunicação e do conhecimento.
Mas o que aqui nos remete é a multiplicidade de sua denominação popular. Recolhi algumas por meio de uma coleta assistemática e exploratória entre alunos e muitas pessoas do meio acadêmico e outras. E o que me aparece é um glossário de humor e criatividade do modo de pensar e falar do brasileiro.
Os alunos denominaram o Google assim:
• O brother-parceiro, gugou, Gugu, gogo, tio Gu, pai Gu, santo Gu, a Bíblia.
• O cabeça (o mestre), meu santo, o demo da busca, também foi denominado: Pai dos burros, o adivinhador, o coiso, a coisa, a lenda, a cartomante, senhor todo poderoso, big brother, o broder.
No meio acadêmico, o Google ganha nomes próximos e até se repetem:
• O mestre, o bicho, o salvador, o oráculo, muleta do saber, o Gu, o gol.
Há ainda paródias bíblicas:
• “O senhor é o meu pastor e nada me faltará… E se o Google está comigo quem estará contra mim?”
Os mandamentos do Google:
• Amar o Google sobre todas as coisas. Não terás outro buscador, além de mim. Nem Yahoo, Bing, AltaVista ou outro mero buscador qualquer.
• Não tomarás em vão o nome do Google, o teu Deus…
• Guardar todos os dias e festas. Lembrarás que cada dia que passa deves usar teu tempo como uma oportunidade para adquirir conhecimento…
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A língua mãe escondida

Por: Revista Brasileiros



A identidade linguística de nossos ameríndios. Ela está em diversos campos lexicais
Os guaranis não têm um termo para a palavra natureza porque esse termo implica em uma divisão entre os seres. Nós dividimos os seres vivos em pensantes e não-pensantes. (…) A história desses seres são os relatos que eles geraram, ou seja, são os seus mitos. Esses seres têm uma Palavra alma, que é a sua fundação (…)”.
(Pesquisadora Graciela Chamorro – http://bit.ly/15fEABw)
No dia a dia, não mais enxergamos a identidade linguística de nossos ameríndios. Mas ela está em nomes nos mais diversos campos lexicais.
O tupi é um tronco linguístico – pelo lado colonizador pertencemos às línguas neolatinas já mescladas de inserções de palavras ameríndias. Aqui existe uma diglossia, ou seja, para efeito do poder e da governança, utiliza-se o português. Entretanto, no interior familiar das aldeias, fala-se a língua mãe, como é o caso do guarani e seus subtroncos, como o kaiowá.
Há dois grandes troncos, o macro-jê e o tupi. O primeiro com nove famílias linguísticas e o segundo com dez. Nossos indígenas têm origens de migrações de povos asiáticos que adentram a América, possivelmente via o Alasca. Dessa migração, surge uma genealogia da língua prototupi (Amazônia, nas imediações de Rondônia).
Desse tronco prototupi, surgiriam as línguas (na oralidade) tupinambás, potiguares, tabajaras, temiminós, tupiniquins, caetés, carijós, guaranis, chiriguanos, etc.
Gabriela Chamorro, professora doutora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFDG), em Mato Grosso do Sul, realizou um trabalho com os guaranis, por reivindicação dos professores e professoras guarani/kaiowá para o ensino e a disseminação da língua desses povos.
Para esses povos, ver e ouvir sua língua é compreender-se a si e aos outros, assim como ter uma cartografia de seu mundo e a de outros. A língua é sua identidade.
(http://bit.ly/SYnLTQ)
Sem determinar o tronco e subtronco, temos tupi-guarani:
Lugares
Arapiraca, Atibaia, Itaipu, Itambé, Itu, Itatiaia, Jundiaí, Pará, Ceará, Piauí, Paraíba, Sergipe, Paraná, Goiás, Amapá, Roraima, Aracaju, Butantã, Guaratinguetá, Igaraçu, Iguaçu, Itaberaba, Itaim, Itaquera, Ituiutaba, Jacutinga, Pacaembu, Paracatu, Paraíba, Paraná, Piracanjuba, Piracicaba, Piraí, Piratuba, Taguatinga, Tucuruvi.
Habitantes e fenômenos
Capixaba, carioca, potiguar, caatinga, capoeira, coivara, piracema, pororoca, tapera, toca, toró, voçoroca, etc.
Baías, rios, lagos, lagoas e serras
Araguaia, Guanabara, Guajará, Itabapoana, Piratininga, Jacuí, Paraguai, Paranapanema, Ivaí, Uruguai, Jequitinhonha, Mirim, Mojiguaçu, Paranoá, Sapucaí, Paranaíba, Tapajós, Xingu, Taquari, Anhangabaú, Ibirapuera, Tamanduateí, Tibaji, Borborema, Cariri, Ibiapaba, Parima, Paracaima, etc.
Flora
Abacaxi, araçá, buriti, cabiúna/caviúna, caju, capim, carnaúba, caroba, cipó, cupuaçu, guabiroba/gabiroba (e outras variantes), imbuia, ingá, ipê, jabuticaba, jacarandá, jatobá, jequitibá, mandioca, peroba, sapé, taioba, taquara, timbó, tiririca, umbaúba, etc.
(Elia, apud http://bit.ly/YtITCI)
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A literatura nos booktubers






Os booktubers são jovens entre 17 e 30 anos que ensaiam um diário literário nas redes
Paulo-Vasconcelos-header
Eu leio, tu lês, ele às vezes lê. O que se lê? Estas são questões que estão nas redes sociais: Google+, Twitter, Facebook, Instagram etc. Há uma divulgação da importância da leitura, que também se dá por blogs e vlogs de apaixonados pelo livro. Difícil é saber se realmente leram, o que leram ou como enxergaram o texto. Agora surge algo mais concreto, como prova de alguma consistência na web ou, mais especificamente, no YouTube. Refiro-me aos booktubers, expressão da língua inglesa que se disseminou pelo mundo ocidental, especialmente entre a classe média. Seria uma jogada do mundo editorial? Não sabemos, mas um convive com o outro, se dão bem e lucram com isso.
Os booktubers são jovens entre 17 e 30 anos que ensaiam um diário literário nas redes. São resenhas de livros, comentários sobre as obras, sobre o autor, o projeto gráfico etc. Os gêneros preferidos: aventura, suspense, policial, ficção científica, obras que vieram pelo cinema ou vice-versa, clássicos e best-sellers em geral. Algumas editoras americanas e no Brasil vêm aderindo a esse nicho, ainda mais em tempos de crise econômica, em que a faixa juvenil representa um bom investimento. Vale observar as imagens desses jovens nos vídeos. Veem-se novas linguagens e artifícios – a qualidade da câmera, os cenários coloridos, o figurino diferenciado e o lado cômico, repleto de expressões hilárias, que lhes conferem identidade. Seus seguidores, ou assinantes, são muitos, exibem suas leituras e respondem às tags. Os booktubers se espelham por outras mídias das redes sociais, aumentando muito o número de seguidores, o que dá margem ao recebimento de dividendos pelo YouTube, dependendo da sua audiência.
Converso com dois tubers:
Claire Scorzi (youtube.com/user/clairescorzi): “Como bibliotecária, organizo cafés literários no meu trabalho. Os autores e obras são clássicos que li e gostei: literatura policial, literatura fantástica. Só faço vídeos sobre livros e autores que já li e gostei… Não me ligo no mercado editorial; vários dos livros e autores que resenho e elogio estão esgotados ou ‘fora de moda’. Já fiz 472 vídeos.”
Rodrigo Luís: (youtube.com/user/estantecheia/): “A iniciativa aqui no Brasil foi da Tatiana Feltrin do canal Tiny Little Things. Ela fazia vídeos de maquiagem e começou também a falar sobre o que estava lendo a cada semana. Ela as­sistia a vídeos sobre livros de canais estrangeiros e, como não encontrou ninguém no nosso País que também fizesse vídeos literários, decidiu começar a fazê-los. Eu, até agora, já postei 52 vídeos.”
Além dos já citados destacam-se:
Tati Feltrin: youtube.com/user/tatianagfeltrin/
Cabine Literária: youtube.com/user/cabineliteraria
Perdido nos Livros: youtube.com/user/Perdidonoslivros
Pam Gonçalves (Garota It): youtube.com/user/tvgarotait
Por Revista Brasileiros

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Outra língua




A transposição do Português falado para o escrito
Nosso falar, nossa língua brasileira é nosso RG. É fruto de um hibridismo de diversas línguas, com primazia do Português de Portugal, com passagens por todas as outras línguas que entram nesse processo. Esse falar tem peculiaridades em seu cotidiano regional do nosso imenso País. O povo reafirma isso em seu comunicar, em sua literatura. Agora, temos uma tendência em falar de um modo e escrever de outro, deste modo a tradução para a escrita é sempre outra língua, a sua transposição é delicada como tantos fizeram, como estes aqui apontados, registrando o tempo de nossa língua e, assim, como falamos. Escreveram:
E aí vem o mago
Mario de Andrade:

LUNDU DO ESCRITOR DIFÍCIL
(…)
Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!…
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh “xavié”
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês “singe”
Mas não sabe o que é guariba?
– Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.
(Poesias – Obras Completas, Mário de Andrade)

E lá vem o paraibano Zé da Luz
ou Severino da Silva Andrade:

BRASI CABOCO
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
(…)
(Brasil Caboclo, Zé da Luz)

*Mestre e doutor em Artes e Comunicação pela ECA-USP, pesquisador na área de Cultura Popular e docente da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP-SP) e da Universidade Anhembi Morumbi (SP).

sábado, 16 de janeiro de 2016

A mulher dos frutos na palavra


A prosa poética de Alexandra Barcelos no livro infantojuvenil Cadu e as Histórias de Bantu
Por Revista Brasileiros-SP
Paulo-Vasconcelos-header
Contar histórias, dizer o mundo aos jovens, tornou-se algo mais difícil, em tempos atuais.

O imaginário mudou: desde a oralidade na fase agrária, dos João e Maria, até as histórias das negras, dos empregados de casa, babás etc., passando para a fase urbana de Luluzinha, Bolinha, Gato Félix, etc. E entramos nas histórias espaciais ou marinhas, nos desenhos animados.
Hoje a literatura infantojuvenil vem a ocupar um lugar que tenta suprimir o contato verbal e luta com a imagem/movimento, tempo de enfrentamento das letras impressas, do livro, dos autores e seus temas.
Entre tantos autores e bons ilustradores, fez-se um álibi para concorrer com a mídia imagética; assim as editoras deram vazão à sua produção e consagraram o precursor Monteiro Lobato, passando por Ana Maria Machado, André Neves, Roger Mello, Marcelo Mansur, Lygia Bojunga, Leo Cunha, Ruth Rocha e tantos outros.
Em todos os quadrantes surgem novos autores, como é o caso de Alexandra Barcelos. Natural de Foz de Iguaçu, viveu uma intensa natureza, e lá começou sua inspiração, à qual aliou-se sua formação em Letras. Esteve na Itália e nos Estados Unidos, onde tomou bebida literária. Mas, no seu afã de ser uma andante pelo Brasil, o Nordeste marcou-a, no Rio Grande do Norte e na Bahia, onde se alimentou. Suas obras estão ligadas à ecologia, diz-nos, sempre escolhe um bioma para focar em seus livros,  já em número de seis.
Ela também é alimentada por seus alunos, do ensino fundamental II, em Curitiba, onde mora, e com seu gosto de frutas na palavra faz banquete literário com os alunos.
Agora surge Cadu e as Histórias de Bantu (Ed. Kazuá, 2015), narrativa de um menino que cresce num vilarejo do sul da Bahia. Sua família tem uma fábrica de berimbau: atividade passada há gerações de pais para filhos e que não só é um negócio, mas forma de manter as tradições. Cadu cresce nesse ambiente, e vive o seu vilarejo como se ele fosse um lugar mágico, entre rios, árvores, lugares secretos, até que grandes eventos começam a transformá-lo.
Foto: ingimage
Ilustraçao: ingimage
Há em Alexandra uma prosa poética, sutil, que acompanha sua textualidade, compondo um lirismo que refresca, como o vento na natureza, que ela sempre cita.
“Meu pai sempre dizia para eu não apressar o tempo, sinta o vento soprar me dizia ele.”
Alexandra tem uma maestria na condução do texto que cola o leitor às paginas, do adulto ao jovens e crianças – aliás, pais deviam ler mais o livro infantojuvenil.
E, na sua poética, ela ainda nos diz em Cadu:
“E, foi lá que descobri que as mangas gostam de ouvir histórias antes de amadurecer.”
Não à toa, Alexandra é uma poetisa, já com livro lançado: Velho Talismã (Inverso, 2014). E vem novo livro, em 2016. Tomemos um pré-gole:
“Vértebras deformadas aguardam na sala de espera
eu tento reanimá-las com palavras…”
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).