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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A cilada capitalista do eu único por Outras PALAVRAS

 

Lola López Mondéjar, entrevistada por Esther Peñas, no ctxt | Tradução: Simone Paz

Acrescento aqui o vídeo que não consta da matéria de OUTRAS PALAVRAS



A cilada capitalista do eu único

Ao propor que nossos desejos e vazios sejam saciados com objetos, sistema não alimenta apenas o consumismo, alerta psicanalista espanhola. Ele incita as ilusões narcísicas de identidade e busca da felicidade — das quais deveríamos fugir…


Das muitas questões que sustentam uma época, a da identidade pode ser uma das que mais nos permeiam, neste século. A miragem da invulnerabilidade, o pânico em reconhecermos a nossa frágil essência, a possibilidade de nos reivindicarmos a partir do erro, o medo de nos conhecermos, esse mesmo medo que qualquer tipo de compromisso desperta — mas sobretudo o afetivo e a questão da liberdade como condição possível… Conversamos sobre essas e outras questões com Lola López Mondéjar , psicanalista e escritora, além de destacada conversadora, com nuances e estímulos tão sensíveis quanto intelectuais.

Seu próximo ensaio, “Invulneráveis e invertebrados”, aborda a questão da subjetividade, um conceito que foi aprofundado desde Montaigne. Porém, de forma sutil, essa palavra vem sendo substituída por “identidade”, mas não é, de maneira alguma, a mesma coisa. Qual a diferença entre uma e outra?

A identidade é uma ficção de unidade necessária para a nossa sobrevivência, mas que deixa de lado a multiplicidade do nosso eu. Nosso cérebro procura um sentido e cobre as lacunas entre os fragmentos que nos compõem, com histórias que nos dão uma certa ilusão de sentido: uma identidade. A identidade é mimética, baseia-se nas identificações, na marca que os outros significantes nos deixam e no desejo triangular, como René Girard chamou a estrutura mimética do desejo: segundo ele, Emma Bovary quer amar como nos romances românticos que ela leu; Dom Quixote quer ser um cavaleiro andante movido pelos livros da cavalaria e pelo heroísmo de Amadís de Gaula.

Esse desejo é mimético porque existe um mediador entre nós e nossos objetos de desejo; queremos o mesmo que nossos modelos. Trata-se do que Lacan mais tarde expressou como “o desejo humano é o desejo do Outro”. Queremos o que eles nos propõem que queiramos. A publicidade e o capitalismo baseiam-se nessa natureza mimética do desejo, que propõe interminavelmente objetos, usando todos os tipos de modelos como mediadores. Subjetividade seria o oposto de identidade. Onde há identidade, a ilusão da unidade, não há exploração da multiplicidade, não há diálogo com as identificações que nos constituem. A subjetividade implica a criação de um eu que questiona as identificações anteriores e constrói outras em um processo dinâmico constante que só cessa com a morte. Digamos que quanto mais identidade, menos subjetividade.]

Leia toda matéria indo até o link: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/a-cilada-capitalista-do-eu/

sábado, 12 de setembro de 2020

BRASIL -MOSTRA SUA CARA -CAMPANHA INTERNACIONAL CONTRA GOVERNO DO SR.BOLSONARO DIFUNDIDA NA EUROPA

 

A Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu aprovou moção que pede para a União Europeia impor mais exigências de proteção ao meio ambiente em suas importações – e o alvo é o Brasil de Bolsonaro e Mourão...brasil247

Hildegard Angel
Campanha internacional pede para que sejam cortados financiamentos internacionais para governo de Bozo #DefundBolsonaro
Citar Tweet
O BRASIL VIVE UMA GUERRA FRIA DE MENTIRAS
@DBonisen
·
Vídeo muito bonito e triste da campanha que vai ao ar hoje na Europa: Amazônia ou Bolsonaro, de que lado você está? A pressão vai ser externa! Por favor, envie para todos e peça igualmente para repassá-lo. É urgente !!!!!
Cara chorando muito
Cara chorando muito
Cara chorando muito

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

“É preciso transver o mundo.” (Manoel de Barros).





( imagem: “ A clarividência”, de Magritte)

Lámina René Magritte - La Clarividencia, 1936 - 70 x 50 cm. Obra surrealista (lecadeauartistique.com)
(Redimensionado texto e imagem por este blogueiro)

Anos atrás, após o fim de uma aula encerrando o semestre, uma aluna veio até mim e me entregou um papel com algo escrito, e disse: “Professor, tudo o que você disse no curso de Introdução à Filosofia acho que tem a ver com essa história.” A história era anônima; seu autor , um agente coletivo de enunciação . Interpreto aqui a história e acrescento perspectivas, mas a essência dela é o que segue.
Cinco doentes graves estavam numa enfermaria. A única comunicação da enfermaria com o mundo exterior era uma pequena janela. Perto dessa janela cabia apenas uma maca, na qual ficava um dos pacientes a narrar o mundo lá de fora, mundo este que os outros pacientes não podiam ver. “Daqui vejo o mar , até sinto sua brisa. Vocês também conseguem sentir?”, perguntava aos outros doentes. Apenas um dizia não conseguir sentir. Os que sentiam, recriavam um mar na alma e “horizontavam-se” . No dia seguinte, prosseguia o paciente-narrador: “Daqui posso ver e ouvir crianças brincando numa pracinha . Vocês também conseguem ouvi-las?” . O mesmo paciente que não conseguia sentir a brisa também não conseguia ouvir as crianças . Os outros conseguiam, e algo dentro deles brincava também e regenerava. Enfim, o paciente da janela passava o dia a transpor em palavras a vida , de tal modo que suas palavras viravam remédio para quem as ouvia: elas eram cura também.
Certo dia, porém , o paciente da janela emudeceu. Chamaram a enfermeira. Ela constatou, sem surpresa, que ele havia morrido. Só então os outros souberam que o homem da janela era o mais doente entre eles. Agora, cada um queria que a própria maca fosse colocada perto da janela, aquele lugar de abertura por onde entrava um ar , mas concordaram que para lá fosse o doente de sensibilidade embotada. Só lhe fizeram uma exigência: continuar as narrativas. “ Farei melhor que o poeta que aqui estava !”, gabou-se. Então, perto da janela ele foi instalado.
Quando ele olhou pela janela, porém, ficou mudo...Perguntaram : “o que houve!?” Resignado, disse: “em frente à janela não há mar, paisagem ou praça. Há apenas um muro cinza... Um espesso muro cinza”, repetiu. Ele só conseguia dizer a palavra mais sem vida que existe : aquela que apenas repete o que está dado. Pois era verdade: sempre houve aquele muro.
O muro cinza simboliza tudo aquilo que nos rouba a visão de horizontes, horizontes que nos estão fora e dentro, mesmo que ainda em esboço, virtualmente ( como o pássaro que Magritte libertou do ovo...). Há muros que a gente somente transpassa criando palavras cujo sentido abra linhas de fuga para a vida com força libertária mais potente do que as marretas.
“É preciso transver o mundo.” (Manoel de Barros).

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Literatura dos Arrabaldes: Rebeldia não engajada por OUTRAS PALAVRAS


Por Eleilson Leite, na coluna Literatura dos Arrabaldes


VALE A PENA LER, AVALIAR E TER CONCLUSÕES, SE ASSIM FOR POSSÍVEL.PAULO VASCONCELOS


Literatura dos Arrabaldes: Rebeldia não engajada-OUTRAS PALAVRAS                                               ( https://bit.ly/3iLrRAF)

Em três poetas da periferia, publicados na Era Lula, versos de quem labuta diariamente, mas extravasa as inquietações sem o formalismo literário — com bom-humor, xaveco e fino olhar para as opressões, mas sem os punhos erguidos

Publicado 14/08/2020 às 17:01 - Atualizado 14/08/2020 às 17:27 


Como fiz no artigo anterior, sigo analisando neste texto obras de autores publicadas no auge da literatura periférica que coincide com o segundo mandado do ex-presidente Lula, período em que a periferia teve uma redução da pobreza, embora não da desigualdade. Uma época de certa fartura e euforia na quebrada. Compartilho aqui a leitura de livros de três poetas da periferia da Zona Sul, nascidos nos anos 70 e frequentadores do Sarau da Cooperifa: Fuzzil (Levi de Souza); Casulo (Gilmar Ribeiro) e Lobão (Evandro).
Fuzzil publicou Um presente para o Gueto (2007). O livro do Casulo tem como título Dos olhos pra fora mora a liberdade (2009) e a obra do Lobão chama-se Fam da Rua (2010). Trata-se de literatura de trabalhador feita por quem está na labuta e encontra nos versos uma forma de extravasar suas inquietações e percepções da vida, porém, sem o formalismo literário classista.
Os autores não são operários de fábrica, trabalhadores de escritório ou funcionários públicos. São microempreendedores individuais, para usar uma terminologia burocrática. Fuzzil foi vendedor por muitos anos e continua exercendo o ofício, agora com sua própria confecção; Lobão faz bijuteria e as vende em feiras de artesanato e Casulo é dono de funilaria e exímio reparador de funilarias danificadas. Os três produzem uma poesia liberta de ditames de uma arte politizada e com isso criam sua própria estética e uma forma muito particular de discurso político. Na leitura conjunta das obras observei uma estrutura de sentimento1 que tem um impulso no incômodo com as injustiças, uma contensão que é a recusa da crítica ideologizada e um tom de rebeldia não engajada.
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Fuzzil

Um Presente Para O Gueto, publicado pela Edições Toró tem projeto gráfico e editorial totalmente fora do padrão. Os 61 poemas da obra estão dispostos em folhas separadamente, como se fosse um fichário e são acondicionadas num estojo de papel kraft, acompanhado de um giz branco. A concepção editorial é do editor da Toró, Allan da Rosa, e a capa e ilustrações são de South. Akins Kinté faz a apresentação que está publicada no final como se fosse um posfácio.
Levi de Souza nasceu em 1976 em São Paulo, cresceu no bairro do Capão Redondo. Foi manobrista, serralheiro, segurança, vendedor de água e refrigerante em porta de estádio até tornar-se rapper e educador em projetos sociais. Passou a frequentar o Sarau da Cooperifa por volta de 2005. Um Presente Para O Gueto, é seu primeiro livro. Posteriormente publicou mais três obras: Gaturra, em 2010 (Edições Elo da Corrente), Céu de Agosto, em 2013 e Um abrigo contra a Tempestade em 2017 (ambos com o selo da Academia Periférica das Letras). Ingressou no curso de Letras no ano em que lançou seu primeiro livro mas interrompeu os estudos.

Casulo

Gilmar Ribeiro nasceu na Bahia, em 1974, e se estabeleceu em São Paulo, em 1992. É funileiro e faz arte com sucata de automóveis. Frequentador assíduo da Cooperifa há 15 anos, Casulo participou do CD de 2006 lançado pelo Sarau. Dos Olhos Para Fora Mora A Liberdade foi publicado em 2009 com o apoio da ONG Ação Educativa e o carimbo da Cooperifa e segue sendo seu único livro, porém, a obra teve uma reedição em 2013, publicada pela Editora Filoczar acrescida de outros sete poemas. Nessa segunda edição, a poeta Maria Vilani fez um novo prefácio inspiradíssimo. Analiso aqui a primeira edição que reúne 107 textos entre poemas, prosa poética, crônicas, contos e vários aforismos. O livro tem formato 14 cm x 21 cm e 138 páginas. Sergio Vaz escreve uma orelha e na outra há um texto de apresentação do poeta. Há sete anos Casulo mantém o projeto Clamarte no Grajaú que tem um sarau mensal como uma das atividades. O recital é realizado na sua própria funilaria na qual expõe suas obras feitas em metal customizado.

Lobão

Evandro Lobão é hippie, produz e comercializa brincos, pulseiras e outros artesanatos que vende no Centro de São Paulo e no Litoral, especialmente em Ilha Bela. Morador do Capão Redondo, amigo de Ferréz, é frequentador do Sarau da Cooperifa há muitos anos. Sujeito carismático e despojado, atrai a simpatia de muita gente. Sua poesia despretensiosa é irônica e sarcástica seja qual for o tema abordado: uma mulher bonita ou a usura de um capitalista nefasto. Por essa razão, suas declamações geram muita gargalhada dos ouvintes e são sempre muito aguardadas no sarau. Em 2010, Lobão publicou Fam da Rua um pequeno livro com 20 poemas. Em formato de bolso (10 cm x 15 cm), projeto gráfico e diagramação simples, o livrinho teve edição sob responsabilidade do selo Círculo Contínuo. Essa obra continua sendo seu único livro publicado.

Um presente para o gueto

O livro é dedicado à memória do pai e da filha do autor. A dor da perda desses entes tão próximos justifica o traço melancólico presente em alguns de seus textos, fazendo-o destoar de Lobão e Casulo na forma, mas não no conteúdo. O tema da infância está presente em 11 poemas marcados pela indignação diante do abandono das crianças nas ruas e o saudosismo de uma infância feliz apesar da pobreza. A negritude e o ofício do poeta são outros dois temas recorrentes na obra.
Há um poema acróstico que serve de apresentação do poeta: “Feito/ Um/ Zangado que/ Zomba/ Inteligentemente do/ Labirinto”. Mas essa formulação poética não corresponde muito ao espírito de sua obra. Fuzzil não se mostra muito zangado, tampouco zomba das situações que aborda. São poemas simples, diretos, de fácil compreensão, como indicam os versos de Afoito: “Sigo em frente/Não sou louco/Sou poeta/Sou da rua/ Sou menino/ sou afoito/ sou Revel/ sou perigoso/ sou Fuzzil/ não fusível/sou eu/ que faço/ meu jogo. Aqui ele demonstra certa determinação e lucidez, elementos fundamentais de sua conduta como poeta e faz um trocadilho com a palavra fuzil e fusível, sugerindo que o primeiro tem poder de fogo, atira, ao passo que o segundo é apenas suporte para transmissão de energia elétrica.
Sobre o universo infantil, o poema Brincando de Giz é uma composição de tom lúdico: “Gosto de trovas/ infantis/ adoro brincar/ com giz/ risco a lousa/ faço arte/sou criança/sou feliz. Em História, Fuzzil relata sua infância pobre sem ressentimento: “Sei muito bem de minha história/O que fiz em outrora/As cabuladas de escola/rebeldia de menino/na garoa ou no sol ardente/empurrando meu carrinho/não de plástico, pequeno/falo de minha carrocinha. Já em Antonio, demonstra sua sensibilidade com as crianças abandonadas nas ruas: “Olha só quem vem ali/Descalço e sem camisa/ não é quem você pensou/é apenas um garoto de rua.
A negritude aparece com grande ênfase em dois poemas: De A a Z e Preto do Gueto. No primeiro, ele percorre o alfabeto catalogando palavras relacionadas ao negro: “Com A escrevo África/ Com B escrevo Bantos/ Com C escrevo Chibata/ Com D escrevo Dandara e assim por diante. O ofício do poeta está presente diretamente em dois poemas: Sou Eu e Poema. Neste último ele brinca: “Quando falam em poesia/ fico todo esfuziante, ressaltando o quanto o ato de fazer poesia é para ele estimulante.
Fuzzil destacou-se após a publicação desse livro que chamou a atenção tanto pela poesia quanto pelo projeto editorial. Vendeu rápido, esgotou e o poeta logo providenciou outro livro. Devido à projeção que adquiriu passou a frequentar outros saraus da cidade, tendo uma acolhida especial na zona noroeste junto aos saraus Elo da Corrente (Pirituba) e Poesia na Brasa (Brasilândia), embora tenha mantido residência na periferia da Zona Sul.

Dos olhos pra fora mora a liberdade

Casulo segue a tendência dos autores da Era Lula em termos de temática. Há pouquíssima referência à violência, às drogas e a outras mazelas que afligem a periferia. A própria palavra periferia aparece poucas vezes e de forma positiva quase sempre. Embora não esteja organizado por capítulos, os textos estão ordenados por assunto. O tema mais relevante é a natureza com cerca de 20 textos. As criações de inspiração amorosa aparecem também nesse autor com importante ênfase, seguindo a tendência dos demais autores masculinos com uma abordagem de reverência e exaltação à mulher.
Casulo também faz poemas satíricos com boa dose de escárnio, como Igualdade Absoluta, no qual divaga sobre a flatulência humana. A negritude e as desigualdades sociais completam o universo temático do autor que tem bom manejo das palavras, fazendo intenso uso de metáforas e trocadilhos, invertendo o sentido dos vocábulos, compondo textos fluentes de agradável leitura na maioria das vezes.
O primeiro bloco do livro aborda as relações afetivas entre homens e mulheres, pais e filhos, vida em família e amizade. Antes, porém, Casulo dedica dois textos ao ofício do poeta. Em um deles, O poeta e seu papel ecológico, afirma: “o mesmo texto indicado para as miopias cerebrais, que resulta em ignorância, age também nos corações como sensibilizador. Deve ser tragado pelos dedos, mas seu conteúdo vai direto para a cabeça. Seus efeitos colaterais são: exercício da cultura, sapiências, senso crítico…”.
Ao abordar o tema da família, o autor faz de sua vida pessoal um exemplo a ser seguido. Em textos próximos da crônica dá suas receitas de como ter uma família feliz: enaltece o casamento e a figura da “mãe guerreira” e progenitora como expressa no poema Dando a luz: “Quando a mãe contempla, beija com os olhos/ Pra cuidar da cria ela acorda cedo!/ Sempre madruga com o passaredo/ Assim como a lua tem fases e brilhos.
Quando o tema é relação homem e mulher, Casulo é irônico e assume o eu lírico de uma mulher no texto Minha mulher com papo de Amélia: “Não vale a pena viver trocando de marido, porque homem é tudo igual, só muda os documentos e o endereço… O meu, por exemplo: é homem até de baixo d´água! Por isso procuro dar uma assistência qualificada pra concorrência não criar asa”. Pelo título é possível deduzir que ele satiriza a abordagem da mulher submissa, porém o efeito é duvidoso e, talvez, só se efetive na entonação da leitura em voz alta, fazendo a caricatura. O autor aqui cai na armadilha de querer falar pela mulher, procedimento de alto risco de incidência machista.
Nos textos de humor e sarcasmo, Casulo abusa dos trocadilhos: “Pé-de-moleque quando cresce, deixa a bola de lado pra correr atrás dos rabos de saia empinando pipas com fio dental na areia da praia…”. A fim de discorrer sobre aspectos da fisiologia humana que iguala ricos e pobres, enxerga nos gases e nas fezes um denominador comum: “Os gases que soltamos são aromas do que comemos, para apodrecer dentro da gente se transformando em urina e excrementos. Todo animal, seja lá qual for é uma fábrica de estrumes. Perante à natureza, todos nós somos iguais, não importa o tamanho do seu tesouro, grande merda se você defeca numa privada de ouro”.
Mas é nos temas relativos à ecologia que Casulo apresenta suas composições mais elaboradas. Nessa temática ele tem dois textos que já são clássicos na Cooperifa. Um é Meu vizinho passarinheiro e o outro é TV Fábula. No primeiro, diz: “Meu vizinho passarinheiro, já sabia desde pequeno, que todas as outras espécies que ele trancafiava por curiosidade poderiam até ser alguns canários, mas nunca canalhas, para perder o direito de bem-te-ir e vir …”. Já no TV Fábula um papagaio repórter faz uma denúncia: “O tamanduá levantou a bandeira em defesa dos animais em extinção… Dizendo que as onças querem continuar vivas para que, futuramente, não sejam apenas pintadas!”.
E dessa forma Casulo articula seus pensamentos, críticas, denúncias, devaneios e delírios. De uma forma irônica, picaresca, um tanto traquinas atenuando assim uma tendência conservadora quando trata de mulher e família. Seu discurso não é ideologizado e é pouco politizado. Sua crítica social é intuitiva e se nutre de uma aguda sensibilidade para com o sofrimento humano e o descaso com a natureza. Consegue assim ser compreendido e sua mensagem acaba se expandindo com grande eficácia nos saraus e nos livros. “E ao me preocupar com os problemas do mundo, minha família fica imensa, mas meu coração há de crescer junto”. ....
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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Jean Baudrillard Do texto ao Pretexto

JEAN BAUDRILLARD por wikipedia

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Jean Baudrillard: Do Texto ao Pretexto por [Paulo Vasconcelos]

Baudrillard se constitui para algum de nos intelectuais do Brasil, um caso a parte – pensamento diferenciado- pensamento complexo do intelectual preocupado com uma contemporaneidade e, com a crise do paradigma do valor- sua preocupação mais genérica-.Valor aqui entendido em todos seus sentidos.

O meio acadêmico se depara com Baudrillard a partir dos anos 70 e mais intensamente nos anos 80, até porque é a partir de sua obra Sistema dos objetos(1968) – que nos aparece suas reflexões. Seu pensamento sociológico -apresenta um novo desenho epistemológico, dentro da ótica de analisar o social ,pelas filigranas da tessitura do consumo.

Partindo das influencias da Escola de Frankfurt, ele depura seu pensamento na macro estrutura marxista da economia política, todavia indo mais além com Mauss Weblen, Battaille.Seu discurso faz arte de um bloco novo dos anos 6o em que se conjuga o marxismo e a teoria psicanalítica- como foi o caso de Marcuse.

A sua sociologia dialoga assim com outras ciências para melhor entender o sujeito e seu social- na trama que ele coloca o consumo- universo amplo que também ultrapassa a visão apenas econômica , mas se estende numa bipolaridade tônica do real/ imaginário.

A teia em que o sistema produz e manipula os objetos – portanto passam por óticas – da sociologia- antropologia- economia – à psicanálise- esta entendida lacanianamente- sobretudo- o que permite seu exacerbar no uso da lingüística.
Em que pese caminhar de modo bipolar quanto a psicanálise no sentido de tentar desautorizá-la quando a uma série de categorias suas- como principio do prazer, principio da realidade, etc.. Baudrillard é dual ,contraditório, pois se há uma recusa sua recusa , e com isso uma derrubada da mesma, face seu pensamento, isso parece dar-lhe o direito de usufruir de algumas de suas categorias para outro fim, e assim se ajuntar para explicar o social. Aqui se finca seu estilo paratático/parafrásico, delineando seu estilo retórico provocador, as então linguagens intelectuais, sobretudo francesa.

Estudar Baudrillard é, portanto, se deparar com um pensamento novo, polêmico e por mais intricado que seja, desde seu estilo a sua forma de argumentação é interessante adentrarmos ao modo de pensar para observarmos como ele se coloca diante das implicadas querelas e contradições que no social residem. E que nos parece permitir a ele ser também controverso.

O que nos prendeu e prende em Baudrillard é um discurso,que permite pensar de modo interdisciplinar, por mais que isto implique em ruptura e reconstruções epistêmicas , e permita ver de modo amplo a nossa contemporaneidade, bem como, avançar ainda numa perspectiva marxista, sob um olhar novo, diante de um social diferenciado que emerge , e sacode a sociedade. Ao mesmo tempo um pensamento que tenta desestabilizar paradigmas postos , como alguns do marxismo, no uso do valor ligando-a semiologia e a psicanálise, no que concerne ao imaginário – real e o simbólico.

Ao mesmo tempo destaca-se no autor sua forma de envergar o consumo , não só numa perspectiva econômica, mas atrelada a uma visão – -digamos assim do imaginário social, em que o sujeito se enreda por uma trama que , sendo a que o suporta, entretanto , cerca o sujeito enredando-o numa trama mais ampla, em que a possibilidade de se desalienar desta trama, não passa por uma perspectiva do repensar-se isoladamente nem teoricamente apenas mas de retomar coletivamente, em todas a s nuances a ordem da vida e seus valor.

O que é mais interessante no autor, é como ele cerca o consumo, numa visão semiótica, em que os signos não apenas dizem os objetos mas colam- se ao sujeito formando uma segunda pele, o que sem isso não o faz se constituir como sujeito ativo da trama de identidade, mas que agora só se torna exeqüível no e pelo consumo.

Se a perspectiva do signo apreende esse sujeito na sua amplitude de representação , ele também esta retido na trama do seu imaginário num domínio, profundamente denso, em que a sua consciência se esfacela, na sedução das peripécias imaginarias que ao se tornar público , público- comunicável, na e pela linguagem, ou, ao se tornar visível , concomitantemente faz opaco o sujeito e credibilizando a linguagem, faz uma espécie de invisibilidade de si e manipulável na sombra e trama das mesmas visibilidades. Se estas dizem, dizem anonimamente, e sorrateiramente escraviza, na e pela sedução do que foi acreditado.
O corpo e a sexualidade em Baudrillard é um dos álibis, da sedução usadas pelas visibilidades do consumo, que ao atentar para o perceptível ,a fasta o deglutidor da imagem e , agora o sujeito é mais um tragado na visibilidade,.Agora sendo visível, é a anomia, um estereótipo. Na desculpa do ver –ser visível, de acreditar no visível, o sujeito perde sua identidade visível e torna-se uma mutação- numa freqüência repetidora do que não existe, senão estereotipadamente.
Baudrillard ao tomar a perspectiva do corpo e da sexualidade avança em sua obra, para o erótico , sedutor de nossa contemporaneidade , de modo a buscar , nas possíveis e supostas ações da psicanálise a contribuição para consumo exacerbado do erótico.Será?

O corpo, sempre foi cotejado pelas revoluções econômicas industriais ,e agora seria o mais belo objeto, para a sedução do projeto d e manipulação e sedução do sujeito, culminando com a tomada do sujeito pelo consumo, pela des-naturalização do mesmo e sua conseqüente derrocada de identidade.

A obra de Baudrillard , estréia então para nós brasileiros nas suas três grandes reflexões- sobre o objeto- o consumo- e a força do signo, o que na verdade corresponderiam respectivamente aos seus títulos- Sistema dos Objetos- Sociedade do Consumo- Por uma Crítica a Economia Política do Signo.
Estas obras já nos chamavam atenção por essa plêiade de tramas do consumo, e que ao mesmo tempo ele tenta re-argumentar trazendo de modo novo- a semiótica e a Psicanálise ao seu discurso, numa visão de envolvimento com corpo – e o erótico.
Por outro lado, ele não recusando o marxismo, busca uma nova contribuição partindo dos seus novos encaminhamentos reflexivos, e indo mais além em que, chama a psicanálise a semiologia- a falar - a contribuir sobre a exacerbação do consumo, face as estratégias da sexualidade e do imaginário sedutor expostas na visibilidade sígnica.

Para Baudrillard nesta primeira fase de sua obra falar do consumo é ter que falar dos discursos visíveis e neste aspecto não se furtaria a falar da publicidade.
Matéria sobre a qual soube Baudrillard investir com tanta força, de modo a trazer um perfil diferente, crítico sobre este tipo de comunicação, que com ele recebe um estudo crítico denso, e chega mesmo a fazer escola , de modo a que, quem depois de Sistema dos objetos , envereda pelo campo crítico da Publicidade E propaganda inegavelmente deixará de cita-lo, pois sua obra tangiversa a ação da publicidade, refletindo sobre sua ação combinada a outras ações sociais do consumo, ou entre outras pelo desataque que o autor concede para o esplendor social dos objetos industriais , e do poder de sedução das imagens e sua lógica combinada para o consumo e status

A combinatória de suas reflexões em o Sistema dos Objetos e A sociedade do Consumo, permitiu ao grande publico divisar com um autor que na sua densidade de pensar - ou numa reflexão macrocósmica do consumo adentrou para a mídia, a publicidade, e o lazer. A partir de então o autor é incluído no hall daqueles que discutem a mídia, o que a meu ver é estreitar a proposta baudrillardiana. A mídia e a publicidade , são fatos concorrentes para um fenômeno maior do seu pensamento que é a ordem do valor e o sujeito social.


Em que pese tais equívocos o que Baudrillard quer nos chamar atenção é da variantes formas de circulação do valor, e os meios pelos quais esses adentram, e em que medida a mídia não produz sua contribuição á ordem do valor humano, e em assim sendo , rediz valores que não são de outra ordem ,mas que para mais valorar o objeto cria armadilhas ao sujeito de modo que o seduz, e o recobre para indefiní-lo no social.

A indefinição do valor na ordem sócia, em Baudrillard, é algo que se presentifica de ponto a ponto em sua obra, chamando a tenção para a banalização de um pacto humano, que ora , na contemporaneidade opera de forma adversa ao pacto humanista e que com isso ascendemos a fenômenos estranhos, ou na sua linguagem a “fenômenos extremos “ , como o da banalização e entropia do sentido.
Pensar Baudrillard é degustar sentidos e interpretações que ele cuida em resgatar em minúncias colhidas no social, e em que se recusa a acreditar ,pois para acreditar teria que abrir mão da existência aguda que pede coerência e indagação permanente, e como hermeneuta seria desaparecer.

Chegamos ao êxtase da descredibilidade, ou ai reside uma outra ordem indevassada que não temos como aspira-la senão entrando na plena inconsciência do ser perdido, sujeito desmantelado no social.?

Refletir com Baudrillard é perpassar a ordem do exato, para se imiscuir numa outra perspectiva em que ele enxerga um sujeito fragilizado e agonizante.

Desde sua obra - As trocas simbólicas e a morte – 19....;- até a sua obra mais estruturada como corpus de indagação, e refiro-me a Transparência do mal –19.....= o autor explode em gritos para pedir uma definição deste homem contemporâneo, que na visão dele também grita nesta parafernália de proposições e verdades em que ele diz não encontrar coerência.
Por outro lado buscar uma compreensão da obra deste autor é produzir um
mergulho vasto de sua obra sem deixar de contemplar a sua poiesis nos escritos
tidos como não acadêmicos- em que pese o mesmo afirmar que não escreve para a academia- refiro-me aqui as suas obras – COLL MEMORIES I , II E III, ou mesmo seus artigos para o jornal Liberation nos anos-
Pensamos que sua obra poética- no conjunto de suas memórias tem o mesmo viço inquietante sobre a valorização da a condição humana, em que ele traz para um cotidiano mais chão suas indagações existenciais.
Este poeta às vezes se aparenta a poetas do absurdo, mas no que pese assim sê-lo, ele na verdade torna absurdo aquilo que lhe toca pela forma estranha, difícil de ser digerida, enfim, também absurda. Todavia há um Baudrillard claro, manso, no sentido da estética, na conjugação das formas literárias, imprevisível no aproveitamento da literatura , re-significador constante. Denso na verticalização das palavras e da meta estabelecida a poetar.

Baudrillard ascende a um discurso novo que, na verdade, já se prenunciava em suas instâncias teóricas em: A Transparência do Mal, As Estratégias Fatais, Da Sedução e mesmo em América, no entanto chega a tornar-se fatal em suas Coll Memories.

Em Coll Memories I(1992a), Baudrillard nos sacode não só nas entrelinhas mas numa nova figuração poética de seus contrapontos. Suas imagens chegam a uma figuração plástica imaginária como a de um escultor ou performático. Ele chega a ser metalingüístico ao se posicionar sobre a formalidade da obrigação da escritura teórica:

"... nada pior do que esta obrigação da pesquisa, da referencia e da documentação que se instalou no campo do pensamento, e que é o equivalente mental e obsessional da higiene ..." (Baudrillard:1992 a: 99)

Como literatura poética, a densidade da sua afirmativa não carece de contextos argumentativos, aliás fato comum em sua própria produção teórica . Na poesia não poderia deixar de ser mais ainda. A síntese do seu estilo, quer teórica ou poeticamente, faz vibrar um modo diferente de dizer. Sua busca sintética é como uma réplica da desmedida crítica midiática, ou como ele mesmo diz:

"A verdadeira alegria da escrita está na possibilidade de sacrificar um capítulo inteiro por uma única frase , uma frase inteira por uma única palavra; de tudo sacrificar por um efeito artificial ou uma aceleração do vazio." (Baudrillard:1992a: 30)

O poeta Baudrillard é brillhante na sua poiesis tecida na escritura dura, mas simultaneamente doce e densa. Sendo acasalado ao sensível é feitor também do mesmo e consegue poeticamente apontar nos outros, outros teóricos, este mesmo sensível quando assim os flagra. Se discorda deles na sua tessitura teórica, os critica, no entanto não lhes nega a poética ali desnuda. Ao poetar sobre os outros teóricos os enlaça pela estética fazendo alastrar sua sensibilidade e reconhecer as alter-poiesis. Deste modo diz de outros teóricos bramindo poeticamente:

SOBRE ADORNO E BENJAMIM

“-...há uma nostalgia da dialética, em Bejamim e Adorno por exemplo. A dialética mais sutil sempre acaba na nostalgia. Por outro lado, e mais profundamente (em Bejamim e Adorno mesmo_ , existe uma melancolia do sistema incurável e invulnerável à dialética. Ela é que hoje vem à tona por entre as formas ironicamente transparentes...”

SOBRE LACAN

“Lacan tem razão: a linguagem não indica o sentido; ela está no lugar do sentido. Mas o que daí resulta não são efeitos de estrutura, são efeitos da sedução. Não há uma lei que regula o jogo dos significantes, mas uma regra que ordena o jogo das aparências. Mas talvez tudo isso queira dizer a mesma coisa..."

SOBRE BATAILLE, ARTAUD E KLOSSOWSKI

"... há heresias mais paradoxais. A soberania( Bataille ), a crueldade (Artaud), o simulacro ( Klossowski). A sedução.”

SOBRE HEIDDEGGER

"...Se olharmos bem a essência ambígua da técnica, perceberemos a constelação, o movimento estelar do secreto...( heidegger)"

SOBRE FOUCAULT, BARTHES E SARTRE

"... Morte de Foucault. Perda da confiança em seu próprio gênio. Ser uma referência absoluta é o perigo da vida... Sartre ainda morre pomposamente. Barthes e Foucault desapareceram discretamente, prematuramente. A era dos grandes literatos e retóricos que suportavam alegremente a glória acabou...”

SOBRE BORGES

"...Borges e sua face cega de mulher asteca, de velho gatuno da metáfora, diante da qual passam sem comovê-lo, sobre seus olhos abertos, os clarões de magnésio. Os cegos parecem manter a cabeça fora d’água. Mas são dotados para a irrealidade e para a astúcia... Ponha um tigre dentro de sua biblioteca e retire-lhe a visão: é Borges...”

Baudrillard chega a um requinte poético ao tentar se dizer e o faz com o mesmo preciosismo com que sabe re-significar a palavra ou fazer uso astuciosamente, borgianamente, da metáfora, instrumento que ele não divisa poeticamente como simulacro, mas usando-a com o rigor do bom gourmet literário francês:

"...brinquei com a paixão, brinquei com a ternura, brinquei com a ruptura, brinquei com a tristeza. Fiz o máximo na expressão da tristeza, como antes fizera o máximo na aparência da sedução. Às vezes me parece que nada fiz senão dar a aparência das idéias. Mas é de fato a única saída que nos cabe num mundo especulativo sem saída: produzir os signos mais satisfatórios de uma idéia...." (Baudrillard:1992a:27)

Consegue assim, em sua poética, mais dizer e não pede coerência se toda ela é derrocada, se a verdade se relativiza, e aí temos o Baudrillard filósofo puro, nietzschiano, na credibilidade.

Assim pensando, não arredamos o pé de uma contemplação ao pensar baudrillardiano senão também pelo viés de sua poesia, e isto tem sido sua última sistemática literária e é com a poesia, mesmo com A Arte da Desaparição (1997 a), que esta obra é uma apologia a Warhol.

Mas, se então assim pensamos, por uma outra condição do nosso estudo, a metódica, poderemos pela poesia adentrar no universo amplo de seu pensamento.


Assim, pois, como poeta que é, e sobretudo por isso exclama, e não teme que sua retórica e ajustes teóricos se percam de entendimento, pois ele denuncia sua dor do mundo e das indagações:

“Não estou alienado.Sou definitivamente outro.Submisso na a lei do desejo mas ao artifício total da regra. Perdi todo o vestígio do desejo próprio.Só obedeço a algo desumano, que está inscrito não na interioridade mas nas únicas vicissitudes objetivas e arbitrárias do mundo......” o outro é o que me dá a possibilidade de não me reptir ao infinito.(T.do Mal 1990:185)

E assim como poeta, toma outra vez o texto para ser seu pretexto de inconformidade com a vida e até mesmo com o outro paradigma da psicanálise.