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quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

É ético comprar na Amazon? Empresas da chamada economia de plataforma conquistam um consumidor sem tempo. Mas a comodidade não é de graça. Conveniência ou consumo responsável?

A matéria do El pais -Br -.https://bit.ly/2V7tdec -é extremamente esclarecedora.Sou consumidor de livros -ebook, até ai , tudo bem, penso eu.Mas os demais produtos levam a indagar sobre a cadeia que produz a demanda de consumo de vários produtos e com isto  está o problema.Leiam Paulo Vasconcelos

https://bit.ly/2V7tdec

Há tempos que o consumo ético é uma forma de incidir sobre o que compramos e, portanto, sobre o que é oferecido. E nos permite, também, influenciar sobre os processos de fabricação e transporte daquilo que consumimos. Conhecer detalhadamente as implicações de tudo o que adquirimos nos abre, portanto, a possibilidade de votar com a carteira. Mas enquanto muitas pessoas incorporaram, provavelmente, a preferência por tecidos não animais, produtos fabricados localmente e alimentos ecológicos, o debate sobre o consumo do que nos propõem algumas das novas empresas nascidas na aurora da Internet está menos desenvolvido.
E, entretanto, essas novas empresas são cada vez mais onipresentes. As caixas com o logotipo do sorriso da Amazon, por exemplo, são cada dia mais onipresentes. A empresa que Jeff Bezos criou em 1995 como uma livraria online, e que dois anos mais tarde já estava na Bolsa, é hoje a marca de venda em pequenas quantidades mais valiosa do mundo. Permite adquirir e receber a domicílio de prendedores de cabelo a peças de carro.






Estamos diante de um exemplo claro de como as possibilidades tecnológicas estão mudando nosso dia a dia. A Amazon reflete as dinâmicas que caracterizam essa longa entrada no século XXI: o surgimento de grandes complexos empresariais de base tecnológica (os famosos GAFA, acrônimo de Google, Apple, Facebook e Amazon), a crise do comércio varejista local, a robotização do trabalho e o auge do ócio em casa.
Desde que chegou à Espanha em 2001, o crescimento da Amazon é constante, mas seus serviços ainda estão longe dos experimentados pelos consumidores norte-americanos. Na Espanha, a empresa possui 10 depósitos e garante a entrega no dia em poucos códigos postais. Nos EUA, a Amazon possui 17 centros de distribuição somente no Estado da Califórnia, em certas regiões garante a entrega em menos de uma hora, aceita pedidos diretamente de assistentes virtuais como o Alexa e Echo, possui lojas físicas onde os livros não têm preço e supermercados sem funcionários humanos, e já é o segundo maior empregador do país, superada somente pela rede Wal-Mart.
A Amazon passou de vender livros a vender de tudo, e se transformou em um negócio global e multisserviço. Na Espanha existem, na realidade, quatro “Amazons”: Amazon Spain Fulfillment (logística), Amazon Spain Services (serviços), Amazon Web Services (nuvem) e Amazon Online Spain (publicidade). Quatro empresas que faturam 4,2 bilhões de euros (18,6 bilhões de reais), dos quais declararam ao fisco espanhol 289 milhões de euros (1,2 bilhão de reais) em 2017 e pelos quais pagaram 4 milhões de euros (18 milhões de reais) em impostos de sociedades (um diminuto 1,4%), de acordo com a estimativa publicada em abril pelo jornal Expansión.
Um dos grandes debates que o espetacular crescimento da Amazon gerou é o de seu impacto no setor varejista. Após anos teorizando sobre o desaparecimento do pequeno comércio como consequência do surgimento das grandes superfícies, no final parece que as plataformas online, com a Amazon na liderança, podem acabar dando o golpe de misericórdia tanto em lojas de bairro como em grandes superfícies. O comércio tradicional, grande e pequeno, tem dificuldades para competir com uma multinacional que pode mobilizar em pouco tempo redes logísticas globais a preços muito baixos. A Amazon é principalmente uma loja de lojas, e dessa forma divide gastos e riscos.
Bezos identificou uma oportunidade de mercado que parecia marginal, a distribuição global de livros com prazos e preços acessíveis, e essa foi a base de seu supermercado do mundo e de uma estrutura societária que vende de serviços da Internet à mão de obra com a ferramenta Amazon MTurk.
A partir do site livraria, desenvolveu acordos com terceiros vendedores para que todos utilizassem a plataforma, incorporando dessa forma o perfil tanto do vendedor como do revendedor, algo que permitiu à Amazon conseguir os rendimentos e os dados necessários para iniciar o salto a outros setores de serviços e produtos. A empresa rentabilizou sua posição dominante sem piedade, colocando em situações bem difíceis não somente o setor varejista local como grandes redes.
E parece que a ambição não tem fim. Bezos construiu um império. Não só encontrou um filão na prestação de serviços informáticos de armazenamento e gestão a clientes como a NASA, como é o proprietário do The Washington Post.



Alguns especialistas se referem às mudanças introduzidas por empresas como a Amazon nas dinâmicas de trabalho utilizando o termo de taylorismo digital. No começo do século XX se expandiram as teorias de Charles Taylor e seu método de organização industrial para racionalizar e mecanizar o trabalho, dividindo as tarefas de maneira sistemática com a finalidade de aumentar a eficiência e produtividade. Sob esse modelo, o trabalho de cada operário era cronometrado em um sistema de produção em cadeia que retirava valor da mão de obra especializada e diminuía os salários. De maneira parecida, a cadeia logística da Amazon maximiza as tecnologias digitais e a possibilidade de monitorar o trabalhador e o produto minuto a minuto tanto dentro como fora de suas instalações. Existem funcionários que relataram jornadas extenuantes, controles constantes e objetivos de produtividade impossíveis, aos que é preciso somar um alto número de empregos temporários e salários baixos que já motivaram quatro greves no depósito mais antigo da empresa na Espanha, em San Fernando de Henares (Madri). 400 membros da equipe do The Washington Post chegaram a mandar uma carta aberta a Bezos nesse ano em que pelos brilhantes resultados conseguidos pelo jornal de maior circulação na capital norte-americana (o número de assinaturas digitais duplicou em 2017, o tráfego no site aumentou em mais da metade e as previsões de rendimentos publicitários foram ultrapassadas) pediam um “tratamento justo” a cada um dos trabalhadores que contribuíram com o sucesso. “O Post não é um negócio qualquer. Mas mesmo se fosse, essa não seria a forma de demonstrar que valoriza seus empregados. Por favor, mostre ao mundo que não só pode abrir o caminho para ganhar dinheiro, como também sabe como dividi-lo com as pessoas que lhe ajudaram a conquistá-lo”, finaliza a carta.
Bezos sempre colocou o cliente como sua maior prioridade, e no caso da Amazon seu sucesso mostra uma profunda mudança nos hábitos de uma clientela cada vez mais caseira. A disponibilidade do ócio em casa, com serviços de envio de comida, livros, roupa e qualquer outro produto aumenta. A Amazon não deixa escapar nenhuma oportunidade, e amplia serviços em todas as frentes, oferecendo até mesmo televisão à la carte com o Amazon Prime Video.
Ao contrário do que se poderia esperar, o grande sucesso do gigante do comércio eletrônico são as cidades e não as zonas rurais. A combinação de preço acessível, comodidade e preguiça seduziu justamente os urbanoides que menos precisam da entrega personalizada por ter comércios, supermercados e cinema próximos.
Mas o ócio abandona as ruas para se tornar doméstico, em uma mudança que muitos atribuem não tanto à vontade dos consumidores como à combinação de longas jornadas de trabalho, ao custo de vida em relação aos salários e a uma progressiva individualização da sociedade. Mesmo não estando claro se a Amazon é a causa ou a consequência, é inegável que os novos modelos de ócio com os quais lucra têm impactos psicossociais importantes.
Uma das grandes polêmicas que envolvem os gigantescos GAFA tem a ver com sua engenharia fiscal e a procura de fórmulas legais para diminuir suas obrigações tributárias. Quando fundou a Amazon, Bezos pensou em colocar sua empresa em uma reserva indígena, justamente para evitar as cargas fiscais, e por fim escolheu Seattle por suas condições de imposto. Em sua primeira incursão europeia, escolheu (surpresa!) Luxemburgo. E o anúncio em novembro da abertura de dois novos quartéis-generais em Nova York e Washington também foi precedido de uma competição pela diminuição de cargas tributárias entre aproximadamente vinte cidades.



Na Espanha, a Amazon opera com uma complexa estrutura societária que torna impossível saber quanto recebe por suas vendas. Mas os quatro milhões de euros (18 milhões de reais) em imposto de sociedades pagos em 2017, mencionados anteriormente, parecem uma quantidade menor. O desembolso dos consumidores espanhóis na Amazon pode beneficiar seu bolso, mas não reverte em trabalhos de qualidade e impostos que possam financiar serviços públicos que, por exemplo, ajudarão os funcionários precários a chegar ao trabalho e receber alguma prestação quando vencer o contrato temporário. A Comissão Europeia alertou no ano passado que algumas grandes empresas de tecnologia pagam menos da metade de impostos que empresas tradicionais.
A questão do uso e abuso dos dados merece um tópico à parte. A Amazon não só utiliza dados pessoais para controlar rigidamente seus funcionários; também, como muitas outras empresas online, reúne informação sobre todas as interações de seus clientes com sua plataforma (e com a Internet em geral através dos cookies). Sua onipresença faz com que seja um ator excepcionalmente destacado no mercado de dados. A informação que obtém permite à empresa deduzir gostos e necessidades, capacidade aquisitiva, residência e dados bancários, que depois cruza com outras bases de dados para vender esse perfil o mais caro possível aos anunciantes. Como o Facebook e o Google, a Amazon é uma agência de publicidade. A terceira maior do mundo, e provavelmente a mais diversificada, uma vez que, além dos negócios online, é proprietária de empresas de hardware, portais de entretenimento e supermercados que permitem com que ofereça perfis mais completos e, portanto, mais lucrativos. O ditado diz que quando algo é grátis, o produto somos nós. Com a Amazon, o consumidor paga e, além disso, seu rastro de dados é revendido como produto.
Então é ético comprar na Amazon? É possível que existam muitas empresas com condições trabalhistas piores, mas dificilmente terão as vantagens fiscais das quais a Amazon se aproveita. Também é possível que o ócio em casa seja cômodo, mas não está claro que uma sociedade de cubículos de uso individual seja desejável.
No passado, o taylorismo diminuiu salários e degradou as condições de trabalho, mas também impulsionou o sindicalismo moderno. Da mesma forma, a luta contra a concentração empresarial e os monopólios do final do século XIX levou ao desenvolvimento da legislação de proteção da concorrência e dos consumidores. Talvez o mais problemático do momento atual não seja o tamanho e o poder acumulados pelos GAFA e sim a confusão sobre como abordar a agenda social, trabalhista e tecnológica requerida por esses onipresentes atores.
Será preciso pensar antes de clicar novamente.
Gemma Galdon Clavell é doutora em Políticas de Segurança e Tecnologia e diretora da Eticas Consulting.