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sábado, 28 de setembro de 2019

É sempre bom lembrar o verso....- captura do Face





É sempre bom lembrar o verso, a palavra que salta aos olhos e sentir como um afago cheiroso e animador; aqui estão duas mulheres- uma que compartilha -Luciana Hidalgo- já conhecida aqui no blog- e a  outra uma poeta que  inclusive já resenhamos - Adriane Garcia, mas as duas puxam o grande ausente Drummond sempre  com sua arma-flor, o verso- a nos catucar, como se diz na minha terra -Paraíba, de um jeito como uma sianinha cheirosa na gola de alguém que gostamos.

Aqui segue o post -abaixo



A poeta Adriane Garcia buscou em Drummond um poema que deveríamos ler diariamente no Brasil atual. Para desopilar o fígado, escamotear a náusea e buscar um pouquinho de beleza em meio a tanta feiura.
A flor e a náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
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Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, ps. 14,15 e 16