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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Outra língua




A transposição do Português falado para o escrito
Nosso falar, nossa língua brasileira é nosso RG. É fruto de um hibridismo de diversas línguas, com primazia do Português de Portugal, com passagens por todas as outras línguas que entram nesse processo. Esse falar tem peculiaridades em seu cotidiano regional do nosso imenso País. O povo reafirma isso em seu comunicar, em sua literatura. Agora, temos uma tendência em falar de um modo e escrever de outro, deste modo a tradução para a escrita é sempre outra língua, a sua transposição é delicada como tantos fizeram, como estes aqui apontados, registrando o tempo de nossa língua e, assim, como falamos. Escreveram:
E aí vem o mago
Mario de Andrade:

LUNDU DO ESCRITOR DIFÍCIL
(…)
Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!…
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh “xavié”
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês “singe”
Mas não sabe o que é guariba?
– Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.
(Poesias – Obras Completas, Mário de Andrade)

E lá vem o paraibano Zé da Luz
ou Severino da Silva Andrade:

BRASI CABOCO
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
(…)
(Brasil Caboclo, Zé da Luz)

*Mestre e doutor em Artes e Comunicação pela ECA-USP, pesquisador na área de Cultura Popular e docente da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP-SP) e da Universidade Anhembi Morumbi (SP).

sábado, 16 de janeiro de 2016

A mulher dos frutos na palavra


A prosa poética de Alexandra Barcelos no livro infantojuvenil Cadu e as Histórias de Bantu
Por Revista Brasileiros-SP
Paulo-Vasconcelos-header
Contar histórias, dizer o mundo aos jovens, tornou-se algo mais difícil, em tempos atuais.

O imaginário mudou: desde a oralidade na fase agrária, dos João e Maria, até as histórias das negras, dos empregados de casa, babás etc., passando para a fase urbana de Luluzinha, Bolinha, Gato Félix, etc. E entramos nas histórias espaciais ou marinhas, nos desenhos animados.
Hoje a literatura infantojuvenil vem a ocupar um lugar que tenta suprimir o contato verbal e luta com a imagem/movimento, tempo de enfrentamento das letras impressas, do livro, dos autores e seus temas.
Entre tantos autores e bons ilustradores, fez-se um álibi para concorrer com a mídia imagética; assim as editoras deram vazão à sua produção e consagraram o precursor Monteiro Lobato, passando por Ana Maria Machado, André Neves, Roger Mello, Marcelo Mansur, Lygia Bojunga, Leo Cunha, Ruth Rocha e tantos outros.
Em todos os quadrantes surgem novos autores, como é o caso de Alexandra Barcelos. Natural de Foz de Iguaçu, viveu uma intensa natureza, e lá começou sua inspiração, à qual aliou-se sua formação em Letras. Esteve na Itália e nos Estados Unidos, onde tomou bebida literária. Mas, no seu afã de ser uma andante pelo Brasil, o Nordeste marcou-a, no Rio Grande do Norte e na Bahia, onde se alimentou. Suas obras estão ligadas à ecologia, diz-nos, sempre escolhe um bioma para focar em seus livros,  já em número de seis.
Ela também é alimentada por seus alunos, do ensino fundamental II, em Curitiba, onde mora, e com seu gosto de frutas na palavra faz banquete literário com os alunos.
Agora surge Cadu e as Histórias de Bantu (Ed. Kazuá, 2015), narrativa de um menino que cresce num vilarejo do sul da Bahia. Sua família tem uma fábrica de berimbau: atividade passada há gerações de pais para filhos e que não só é um negócio, mas forma de manter as tradições. Cadu cresce nesse ambiente, e vive o seu vilarejo como se ele fosse um lugar mágico, entre rios, árvores, lugares secretos, até que grandes eventos começam a transformá-lo.
Foto: ingimage
Ilustraçao: ingimage
Há em Alexandra uma prosa poética, sutil, que acompanha sua textualidade, compondo um lirismo que refresca, como o vento na natureza, que ela sempre cita.
“Meu pai sempre dizia para eu não apressar o tempo, sinta o vento soprar me dizia ele.”
Alexandra tem uma maestria na condução do texto que cola o leitor às paginas, do adulto ao jovens e crianças – aliás, pais deviam ler mais o livro infantojuvenil.
E, na sua poética, ela ainda nos diz em Cadu:
“E, foi lá que descobri que as mangas gostam de ouvir histórias antes de amadurecer.”
Não à toa, Alexandra é uma poetisa, já com livro lançado: Velho Talismã (Inverso, 2014). E vem novo livro, em 2016. Tomemos um pré-gole:
“Vértebras deformadas aguardam na sala de espera
eu tento reanimá-las com palavras…”
*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária em universidades privadas e consultor editorial da área de Literatura, além de contista e poeta com livros publicados (paulovasconcelos@brasileiros.com.br).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Carnamídia



O Carnaval que não fala do Brasil dos brasileiros: pular (SP), brincar (PB, PE, Al e CE), sair (RJ, SP e BA) o (ou no) Carnaval
Publicado pela Revista Brasileiros-SP
Vivi três tipos diferentes de Carnaval em Pernambuco, na Paraíba e em São Paulo. Um foi do estilo Entrudo e Zé Pereira, mais rural, La Ursa (“Olé, Olé, quem não dê dinheiro ao urso fica aleijado do pé”), do frevo de rua, do molha-molha, das máscaras de plástico ou de papel machê. Outro, do tipo mais urbano, dos clubes, com lança-perfume e roupas de marca. E o terceiro, de passarela – fui jurado dos desfiles das escolas de samba paulistas por três anos.
Todavia, no primeiro e segundo, cantava-se “Ô abre-alas que eu quero passar/Eu sou da lira, não posso negar” (Chiquinha Gonzaga) ou Mamãe eu Quero (Jararaca e Vicente Paiva).
O Carnaval veneziano, dos clubes, dos corsos, como o da Avenida Paulista (SP), misturou-se ao espanhol, dos bonecos grandes, da Vila Esperança (SP), de São Luiz do Paraitinga (SP), de Olinda (PE) e a toda uma tradição negra, como a dos maracatus, e até com ritos da cultura popular, como bumba meu boi e cavalo-marinho.
O Carnaval midiático tirou a poesia da boca do povo, foi formatado para a interface das TVs nacionais e estrangeiras e o “roliudianou”. O rádio também o alterou, brando, e o fez melhor articulado pelo meio fonográfico e pela cultura popular.
A imagem, pouco a pouco, tirou o som do gênero musical, dos sambas fora das escolas, das marchas, dos frevos de Capiba e Nelson Ferreira (PE). Emudeceram Ângela Maria, Isaurinha Garcia, Marlene, Emilinha Borba, Zé Kéti, Claudionor Germano, Cauby Peixoto, Germano Mathias, Geraldo Filme, Ataulfo Alves, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, a orquestra Tabajara, entre outros, do gosto popular.
O bloco do Eu Sozinho, do Rio de Janeiro, vem desaparecendo junto com o do Clovis, de Santos (SP), os mascarados em turmas. Restam troças, papangus (PE), afoxés, cambiadas (homens travestidos de mulher), enfim, a manifestação popular integrando público e plateia.
O Carnaval baiano da Praça Castro Alves, dos trios elétricos, antes Dodô e Osmar, espetacularizou-se, dizendo o reggae, o rock, o forró, etc., o que confirmou o antropólogo Antonio Risério.
Sumiram muitos blocos e cordões, como Mocidade e Sôdade do Cordão, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, havia os da Barra Funda, Bixiga, Lavapés e tantos outros.
Muitos afoxés, ranchos, cordões e troças, como Zé Pereira, bumba meu boi, Estrela Dalva e os maracatus, estes últimos sobrevivem distantes da mídia, distribuídos por todo o País como uma espécie de resistência da cultura negra, revivendo sua, aliás, nossa, realeza africana.
Acelera aê, de Gigi, Magno Santana, Fabio O’Brian, Dan Kambaiah (BA). Eu te Amo, Porra!, de Átila (BA). Como também “Ah! Essa lembrança que ficou, momentos que não esqueci, eu cheio de fantasias“, Roberto Carlos: a Simplicidade do Rei, samba-enredo da Beija-Flor de Nilópolis (RJ). Se esses foram os sucessos da Bahia e do Rio em 2011, na forma brodueidiana, o brasileiro vem retomando, nas últimas décadas, seu espaço no bem dizer Carnaval.
A palavra carnavalesca está com nova força nos grandes centros e capitais e em seus recônditos afora, assim como desforra, temos o Cordão do Bola Preta (RJ), o Galo da Madrugada (PE), o Elefante (PE), a Pitombeira (PE), o Homem da Meia-Noite (PE), Cala a Boca e Beija Logo (SC), entre tantos outros.

*É paraibano, mestre e doutor pela ECA-USP. Professor de Teoria Literária na Anhembi-Morumbi, professor colaborador da ECA-USP, Fundação Escola de Sociologia e Política-FESP, além de contista e poeta com livros publicados (paulo@brasileiros.com.br).