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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

É nesse vazio intelectual que regimes fascistas fincam raízes daí defesa a todo custo das C. Humanas.



foto por  http://bit.ly/2yBB75j




Já Publiquei vários  flashes de Luciana Hidalgo do seu facebook. Aqui vai mais um que atravessa a crítica da atual situação do país em especial  da Educação Brasileira. Seu discurso vai fundo sem fazer maiores elucubrações teóricas, em que pese ser uma teórica de peso.Aqui segue flagra do seu post do Facebook esta semana.









Luciana Hidalgo
Em regimes autoritários, artistas, intelectuais e cidadãos de todas as áreas que pensam livremente são os primeiros silenciados, ou ameaçados, ou menosprezados, ou proscritos, ou torturados, ou presos (vide a ditadura no Brasil dos anos 1960/70). A extrema-direita é a negação do humano, por isso não nos deveria chocar o atual desprezo estatal pela literatura, pelas artes em geral e pelo livre pensamento (na universidade e fora dela). Ainda assim, choca. E o que talvez mais choque seja a arrogância embutida nessa ignorância. Sou só eu que noto, ou tem gente achando charmoso posar de ignorante prepotente? O conhecimento, esse que dinheiro algum compra, virou motivo de troça entre alguns brasileiros, e ironicamente para os que mais precisam dele, ai, ai, ai.
Cada um lê o que quer e o que pode, é claro, mas por trás do “desprezo” pela cultura por parte de pessoas da extrema-direita, o que vejo é uma total incapacidade de compreensão do que dizemos, nós que defendemos direitos humanos, pensamos, escrevemos, encenamos, filmamos etc. Tudo isso ficou mais claro para mim no dia em que um amigo de infância disse que não conseguia ler um livro meu. Contou ainda que deixava um exemplar na sala da casa dele, e quando amigos iam lá jantar, ele lia em voz alta o texto da orelha, todos riam porque nada entendiam, continuavam o jantar, riam mais um pouco, voltavam aos seus vinhos e charutos. E tim-tim, um brinde à mais triste ignorância!
Quando o amigo de infância me contou isso às gargalhadas, em 2013, eu não imaginava que essa era a semente de uma extrema-direita meio deslocada que começava a germinar no Brasil, ainda tímida, e daria nisso que vemos hoje. Na época eu até ri do que ele disse, não sarcástica, apenas melancólica e piedosa. Tive pena dele e do grupo de amigos que iam a Miami comprar sapatos e, apesar da formação universitária e do estudo nos melhores colégios particulares, sequer conseguiam ler a orelha de um livro (a orelha!).
De lá pra cá percebo que um ou dois gatos pingados que pensavam assim, na privacidade das suas casas e castas, agora são centenas, milhares, e alardeiam a própria ignorância com orgulho, sem a menor vergonha, o que leva a uma prepotência que vai num “crescendo” agressivo e coletivo, gerando as barbaridades ouvidas por aí. Trata-se de um momento devastador da história do nosso país, em que o saber é desprezado em nome de um pragmatismo emburrecido, disfarçado num risinho cáustico.
Não à toa a área de Humanas tem sido atacada e ameaçada de extinção nas universidades públicas. Et pour cause: o termo “Humanidades” deriva da expressão em latim “studia humanitatis”, ou seja, significa literalmente “estudo da humanidade”. Na universidade contemporânea trata-se das Ciências Humanas, que têm o humano como objeto de estudo e englobam Letras, Filosofia, História, Artes etc. E por que humanos se sentiriam ameaçados pelos estudos da humanidade? Talvez porque existam humanos que não se acham humanos – e talvez não sejam mesmo. Perderam a capacidade de pensar, a prerrogativa de ser, arrogantemente abobalhados na roda-viva trabalho/consumo/trabalho. E ainda riem da própria miséria, les pauvres.
Por isso o “estudo da humanidade” nunca foi tão urgente. Afinal, somos nós, das Humanas, que zelamos pelos humanos, até pelos ingratos. Quando penso que bastava o amigo de infância pedir para eu explicar cada linha do meu livro e eu faria de bom grado, mas que ele preferiu camuflar a insegurança com um sarcasmo tolo, ai, ai, ai. Não é grave a dificuldade do cara em ler textos mais complexos; grave é ele não ter o menor interesse em aprender. Isso quer dizer que ele nunca pensará de forma mais complexa. E como entender a grande complexidade do mundo sem conseguir ler 20 linhas da orelha nada complexa de um livro?
É nesse vazio intelectual que regimes fascistas fincam raízes e se agigantam, daí a urgência da defesa a todo custo das Ciências Humanas. Que a extrema-direita se sinta ameaçada por nós das Humanas, faz sentido, porque ao zelar pelo humano, questionamos e denunciamos a violência e a ignorância do autoritarismo que torna a sociedade servil, idiotizada, inumana. Existe, contudo, um aspecto curioso nisso tudo: quanto mais a extrema-direita apela para práticas truculentas e radicais (como a extinção das Ciências Humanas nas universidades públicas), mais demonstra que se sente acuada, incomodada e ameaçada pelo que pensamos, dizemos, escrevemos, encenamos, filmamos etc. No risinho cáustico do amigo de infância, por exemplo, havia um complexo de inferioridade, um constrangimento que nenhum sarcasmo do mundo esconde; pelo contrário, flagra.
O Brasil só vai sair do atual obscurantismo no dia em que pessoas assim deixarem de ir a Miami comprar sapatos e forem à livraria da esquina comprar livros – e isso porque querem, podem e sabem ler 20 linhas da orelha da p. de um livro! Até lá só nos resta pensar, escrever, criar, estudar, ensinar, cada vez mais e melhor. É preciso abrir clareiras de inteligência e beleza na mata cerrada e obscurantista diariamente, sistematicamente, e nos fortalecermos entre nós. Não caiamos na tentação da reação automática às provocações brutais e imbecilizantes da extrema-direita, porque o mundo em que essas pessoas vivem, e que tentam nos empurrar, é feio, desinteressante, sem charme, sem inteligência nem humanidade. Resistamos de todas as formas, possíveis e impossíveis, mas sem deixar que a burrice e a truculência nos infectem.


* Luciana Hidalgo é doutora em Literatura Comparada (UERJ), autora de ARTHUR BISPO DO ROSARIO - O SENHOR DO LABIRINTO (Rocco, 1996 e 2011) e de LITERATURA DA URGÊNCIA - LIMA BARRETO NO DOMÍNIO DA LOUCURA (Annablume, 2008), pelos quais ganhou dois prêmios JABUTI - respectivamente em 1997 e em 2009, sendo este último na categoria TEORIA/CRÍTICA LITERÁRIA. Em 2011 lançou pela Rocco o romance O PASSEADOR (agraciado com a Bolsa Funarte de Criação Literária 2010 e finalista dos prêmios Portugal Telecom, Jabuti e São Paulo Literatura 2012 na categoria "melhor romance") e em 2016 lançou também pela Rocco o romance RIO-PARIS-RIO, selecionado pelo Programa de Residência para Escritores da Maison des Écrivains Étrangers et Traducteurs de Saint-Nazaire, na França. Luciana fez um pós-doutorado na UERJ (bolsa FAPERJ) de 2008 a 2010 e, em seguida (2011/2012), fez um Estágio Pós-Doutoral na Université de la Sorbonne Nouvelle - Paris III com bolsa da CAPES, sobre o tema "autoficção". Na França, é pesquisadora-associada à equipe EA 3421 do Centre de Recherches sur les Pays Lusophones da Université de la Sorbonne Nouvelle - Paris III e integra o comitê de redação do site www.autofiction.org, como correspondente brasileira. A autora já deu palestras sobre seus livros e temas na Festa Literária de Paraty (FLIP 2017), Bienal do Livro de São Paulo, UFRJ, USP, UERJ, SESC-RIO, UnB, Real Gabinete Português de Leitura, UFMG, na Université de la Sorbonne Nouvelle - Paris III e na Université Paris IV ? Sorbonne Centre Malesherbes, na França, bem como na Universidade de Viena, na Áustria, entre outros. Em 2012, participou do colóquio "Autofiction (s) et Culture (s)" no célebre Centre Culturel International de Cerisy, na França, com a conferência "Autofiction brésilienne - Une écriture-limite", publicada no livro "Lisières de l'autofiction" (Presses Universitaire de Lyon, 2016). Publicou vários artigos sobre os temas relacionados em jornais, periódicos e livros. Coleciona artigos sobre literatura em diversos veículos: "Prosa & Verso (O Globo); Ideias (Jornal do Brasil); Revista de História; revista Língua Portuguesa; revistas acadêmicas ALEA e MATRAGA, entre outros. Na área de cinema, é roteirista do filme O SENHOR DO LABIRINTO, inspirado em seu livro homônimo (em parceria com o diretor Geraldo Motta), longa-metragem de ficção selecionado para a Mostra Competitiva Première Brasil do Festival do Rio 2010, onde foi agraciado com o prêmio de "melhor filme" pelo voto popular. Na área de jornalismo, trabalhou nas áreas de cultura (Caderno B) do Jornal do Brasil e literatura (Prosa & Verso) do jornal O Globo, além de ter criado, dirigido e editado a revista GESTO, publicação de ensaios em torno do tema ?corpo? nas áreas de filosofia, literatura etc., patrocinada pelo Centro Coreográfico/Prefeitura do Rio.