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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Rubem Braga..A Crônica, o tempo e o pó

O tempo é como pó, voa expande-se transforma-se, metamorfoseia-se e vira um material sem nome e agrega-se a outro.Assim é a Crônica, um tempo , um passo, um flagrante, uma foto sem a deliquência da imagem.Ela é palavra, sim pintada de um tempo, pegando as faíscas do pó, do tal tempo e deste modo ela tenta dizer no pintado da letra, da frase,das metáforas etc. O cronista é um desses bruxos de lentes,por vezes quebradas, outras vezes limpas, limpíssimas, um poeta égua, que relincha, cheira, catuca e assim vai encerando com as letras o tempo deste pó que nos recobre. Filósofo, letrista, cantor, uivador, fotógrafo sem lentes , so com a caixa vazia de um lambe lambe,mas que tenta no seu galope ver, sentir o cheiro de pedras, a dureza da água, ou o teto do céu.Louco, sim louco por querer dizer as vezes o que não se pode dizer, desta feita é um cantor mudo, mas balbucia, num carinho, ou numa sacanagem, numa putaria ,mas com as elegancias das putas santas, como Madalena, Ophelia,Maria, ou José, Antonio.Todos somos um pouco de cronistas e putos por inventarmos a carne da palavra e o prazer de dizer e engolir entornar o tempo nas letras,no teto do texto, ou no seu chão e paredes e claro, sob e sobre seus pos. Para sentir o cheiro de um cronista, como diz a fala do meu povo-APENSEI-com o pensar- num homem por nome RUBEM BRAGA, um louco de juízo acertado pelos ponteiros do olho. Vejam só: . . . .
Despedida
E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação. Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito. E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho? Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil. Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus. A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo. ..................................................................................... Diria,pois que o cronista alonga o tempo redizendo-o para desperdir-se de um instante que não tem círculo é só pó e letra.