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sábado, 20 de outubro de 2007

Oliviero Toscani, fotógrafo, publicitário e grande provocador: "Somos todos anoréxicos




20/10/2007
Oliviero Toscani, fotógrafo, publicitário e grande provocador: "Somos todos anoréxicos"

Laura Lucchini
Em Milão

A fotografia de uma mulher esquelética e completamente nua deu a volta ao mundo depois de aparecer em enormes outdoors distribuídos por cidades como Paris e Milão. Essa imagem dramática era acompanhada de uma mensagem: "Não à anorexia No-l-ita". Tratava-se de uma campanha publicitária da marca italiana No-l-ita, para a qual o criador dessa imagem, Oliviero Toscani, trabalha hoje, depois de sua ruptura com a Benetton. Com seu tom cínico e amável ao mesmo tempo, ele recebeu este jornal na sede da equipe de futebol Inter de Milão, de cuja imagem também cuida.

Oliviero Toscani fez aquilo de novo. Ele é o autor da imagem que provocou a última grande polêmica no mundo da publicidade, ao enfocar o drama de uma garota, Isabel Caro, que sofre de distúrbios alimentares e pesa 31 quilos. Toscani, hoje com 65 anos, trabalhou para a marca de roupas Benetton entre 1982 e 2000, e a imagem da empresa foi identificada com suas fotografias mais polêmicas: a de um doente de Aids que parecia um Cristo de Mantegna rodeado por seus familiares, ou os retratos dos condenados à morte no Texas. Estes provocaram a ruptura de seu casamento com a Benetton, que durou 18 anos. Hoje, como na época, meio mundo foi contra ele por explorar o sofrimento alheio. E ele, como na época, muito seguro de si, parou para observar o efeito em cadeia produzido por sua provocação. "Somos todos anoréxicos. A isso se deve o sucesso", afirma.


Campanha que mostra modelo anoréxica, fotografada por Toscani, é visto em rua de Roma

El País - Como nasceu a idéia de uma campanha de publicidade sobre a anorexia?
Oliviero Toscani - Não nasceu. Eu não tenho nenhuma idéia. Sou um homem sem idéias. E não sou publicitário. Faço o que penso. Fotografo o que vejo e quero ser testemunha do meu tempo. Sendo fotógrafo, faço as imagens que considero necessário fazer como jornalista.

EP - Faz parte de um projeto mais amplo sobre a anorexia?
Toscani - Faz parte do projeto do meu trabalho, o que sempre fiz. A anorexia é um problema sobre o qual trabalhei durante anos. Também fiz um filme que foi apresentado no festival de cinema de Locarno (Suíça), que se chama "Bianca ha 16 anni" (Bianca tem 16 anos). Tive a oportunidade de encontrar um promotor que financiou a idéia. Esse promotor é a No-l-ita, uma empresa de roupas [para a qual fez a última de suas campanhas polêmicas], e isso é ainda mais interessante.

EP - Uma das críticas que fazem ao senhor é a de usar o corpo de uma pessoa doente para vender um produto.
Toscani - Não me interessam as críticas. Quer dizer, me interessam só até certo ponto. Há críticas em todas as direções. Se esta for uma, está bem, a escuto.

EP - O senhor trabalhou muito tempo como fotógrafo de publicidade. Nunca fez uma imagem só para vender um produto?
Toscani - Todas as imagens servem para vender algo. Em um jornal também se escrevem matérias para vender o jornal. Tudo pertence ao poder da economia. Temos de perceber isso. Há dois tipos de arte. Uma que é só mercado. Falo da arte oficial, essa que consideramos verdadeira. Falo de escultura e pintura, que só servem para enfeitar as casas dos ricos. Existe outra arte, a da comunicação, que é contaminada: é a que eu faço. A arte sempre foi contaminada. Além disso, a arte sempre existiu a serviço de um poder. Primeiro foi o poder religioso, depois o político, agora o econômico. O poder precisa da arte e a arte precisa do poder.

EP - Capturar experiências tão dramáticas e reduzi-las a imagens estilizadas que se repetem milhares de vezes... não corre o risco de neutralizá-las, de torná-las menos incômodas para os outros?
Toscani - Penso que trazem muitos riscos. Criatividade e risco andam juntos. Mas de que riscos você fala?

EP - Do risco de neutralizar o drama que representam ou de transformá-las em imagens entre muitas outras...
Toscani - Não creio que sejam neutras, já que você veio aqui me perguntar sobre elas, como outros jornalistas. E creio que tocaram a consciência individual de todos. Porque no fundo uma campanha contra a anorexia é uma campanha dirigida a todos. Cada indivíduo é anoréxico em alguma parte. Todos sofremos de anorexia de alguma forma. Por isso precisamos cada vez mais de vestidos, de camisas, saltos altos, batons. Precisamos de um carro grande, de uma casa em um lugar e em outro. Tudo isso é anorexia. Temos anorexia nas relações com nossos corpos, mas também em relação aos outros. Temos anorexia em relação ao nosso trabalho e nossa condição humana. Cada pessoa é anoréxica à sua maneira. Por isso a campanha fez tanto sucesso.

EP - Que conseqüências têm essas provocações?
Toscani - Creio que quando se utiliza a palavra "provocação" logo se pensa em algo negativo.

EP - Não...
Toscani - Bem, então a provocação é útil. Provocar significa ter a generosidade de suscitar um interesse. Provocar a possibilidade de perceber que existe um ponto de vista diferente. Outro modo de viver. Outra escala de valores. Provocar a dúvida de que talvez nosso ponto de vista não seja o único. A provocação, nesse sentido, é a finalidade principal da arte. Não foi o que fez Goya durante toda a sua vida? E Picasso? Eles não fizeram outra coisa além de provocar.

EP - O senhor pensa em fazer outras campanhas sobre temas delicados?
Toscani - Vamos ver. Creio que a condição da mulher ainda está no nível da escravidão.

EP - O senhor busca a beleza também na representação de imagens dolorosas?
Toscani - Creio que há beleza na tragédia. A pintura espanhola demonstrou isso. Há muitas coisas muito belas mas que são feias, e outras muito feias mas belíssimas.

EP - O que é a beleza?
Toscani - A beleza não tem nada a ver com a moral. Não coincide com a estética. Não é só estética. A beleza é um conjunto de coisas, como a música... é intangível. A beleza é conseqüência de uma reflexão individual.

EP - Em um livro que o senhor publicou, cita com freqüência Pier Paolo Pasolini. Pasolini era comunista e católico e defendia fortemente as duas opções. Que valores o senhor tem?
Toscani - Não sou nem comunista nem católico, sou laico. Mas não um laico triste como são normalmente os laicos italianos e talvez também os espanhóis. Cito Pasolini porque me interessa sua lucidez. Mas era um beato. Não era comunista, era católico antes de tudo. Os verdadeiros comunistas são desses católicos que cheiram a incenso e a igreja. Meus valores... Não estou aqui para dar valores. Não sou capaz.

EP - Em seu livro, o senhor ataca a "monocultura" e o consumismo. Mas viveu muitos anos da publicidade. Não vê aí uma contradição?
Toscani - Quando uma pessoa se encontra em um engarrafamento, xinga o engarrafamento e diz: "Merda, este engarrafamento me faz perder tempo". Um engarrafamento é normal. É uma condição na qual nos cabe estar às vezes. Se ando pela rua e respiro o ar poluído, não tenho por que ficar contente de respirar ar poluído. Por que você se queixa do ar poluído e anda pela rua? Porque temos de andar pela rua, não se pode andar em outro lugar.

EP - De que maneira o senhor atua contra a "monocultura" e o consumismo?
Toscani - Primeiro, porque nunca entrei em um banco na minha vida. Nunca. Sempre houve alguém que o fez por mim. Logo, sou uma pessoa particularmente privilegiada e afortunada, porque entendo certas coisas e percebo que sou privilegiado. Tenho uma autodisciplina.

EP - Sente falta de seu trabalho na Benetton?
Toscani - Não, absolutamente. Só me resta uma desilusão: que não tenham entendido que era preciso continuar com a campanha contra a pena de morte. Eu continuei trabalhando contra a pena de morte, mas eles tiveram medo. Mas agora, com tudo o que está acontecendo, poderiam ser muito importantes. Não tiveram essa inteligência.

EP - Quer criar algo parecido com a No-l-ita?
Toscani - Não, eu sou livre. Não preciso de uma marca.
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2007/10/20/ult581u2295.jhtm
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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