A transposição do Português falado para o escrito
Nosso falar, nossa língua brasileira é nosso RG. É fruto de um hibridismo de diversas línguas, com primazia do Português de Portugal, com passagens por todas as outras línguas que entram nesse processo. Esse falar tem peculiaridades em seu cotidiano regional do nosso imenso País. O povo reafirma isso em seu comunicar, em sua literatura. Agora, temos uma tendência em falar de um modo e escrever de outro, deste modo a tradução para a escrita é sempre outra língua, a sua transposição é delicada como tantos fizeram, como estes aqui apontados, registrando o tempo de nossa língua e, assim, como falamos. Escreveram:
E aí vem o mago
Mario de Andrade:

LUNDU DO ESCRITOR DIFÍCIL
(…)
Cortina de brim caipora,
Com teia caranguejeira
E enfeite ruim de caipira,
Fale fala brasileira
Que você enxerga bonito
Tanta luz nesta capoeira
Tal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,
Mas gaúcho maranhense
Que pára no Mato Grosso,
Bate este angu de caroço
Ver sopa de caruru;
A vida é mesmo um buraco,
Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,
Porém culpa de quem é!…
Todo difícil é fácil,
Abasta a gente saber.
Bajé, pixé, chué, ôh “xavié”
De tão fácil virou fóssil,
O difícil é aprender!

Virtude de urubutinga
De enxergar tudo de longe!
Não carece vestir tanga
Pra penetrar meu caçanje!
Você sabe o francês “singe”
Mas não sabe o que é guariba?
– Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.
(Poesias – Obras Completas, Mário de Andrade)

E lá vem o paraibano Zé da Luz
ou Severino da Silva Andrade:

BRASI CABOCO
O qui é Brasí Caboco?
É um Brasi diferente
do Brasí das capitá.
É um Brasi brasilêro,
sem mistura de instrangero,
um Brasi nacioná!

É o Brasi qui não veste
liforme de gazimira,
camisa de peito duro,
com butuadura de ouro…
Brasi caboco só veste,
camisa grossa de lista,
carça de brim da “polista”
gibão e chapéu de coro!

Brasi caboco num come
assentado nos banquete,
misturado cum os home
de casaca e anelão…
Brasi caboco só come
o bode seco, o feijão,
e as veiz uma panelada,
um pirão de carne verde,
nos dias da inleição
quando vai servi de iscada
prus home de posição.
(…)
(Brasil Caboclo, Zé da Luz)

*Mestre e doutor em Artes e Comunicação pela ECA-USP, pesquisador na área de Cultura Popular e docente da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP-SP) e da Universidade Anhembi Morumbi (SP).