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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Um Problema Mental da Nação - Rubens Casara -


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A linguagem é uma dupla mão do pensar e funciona por economias, via estereótipos, vícios, hábitos, estabelecendo uma dinâmica de imediatização, sem reflexões maiores. Isso sustenta a comunicação na publicidade, na televisão (sobretudo nas novelas) e na família, entre amigos, muitas vezes. Com isso entramos no fascismo da linguagem, para lembrar Roland Barthes. Não se dialoga com as mídias, logo é um autômato a repetir continuamente em sua fala. Não há diálogo. Esse fascismo nos torna robôs, zumbis e entramos no empobrecer da subjetividade e do pensamento geral, logo da política e no adestramento total. As redes sociais estão lotadas de tal fato, raros posts salvam-se. A imagem, emojis, gifs ou similares, são o empobrecimento fatal, por economia da linguagem do pensar e da imediatez no tempo. O artigo abaixo nos fala disto, leiam:

Paulo Vasconcelos

Na era do empobrecimento da linguagem, quem ousa ser diferente deve ser eliminado

07 de fevereiro de 2018 às 14h07



Um Problema Mental da Nação
 por Rubens Casara*, especial para o Viomundo
Os discursos de ódio, a dificuldade de interpretar um texto, o desaparecimento das metáforas, a incompreensão das ironias, a divulgação de notícias falsas (ou manipuladas) e o desrespeito à Constituição são fenômenos que podem ser explicados a partir de uma única causa: o empobrecimento subjetivo.
Empobrecimento que se dá na linguagem. Alguns chegam a falar na “arte de reduzir cabeças”, outros no encolhimento das mentes.
A linguagem, e isso já foi dito antes, sempre antecipa sentidos. Uma linguagem empobrecida antecipa sentidos empobrecidos, estruturalmente violentos, pois se fecham à alteridade, às nuances e à negatividade que é constitutiva do mundo e se faz presente em toda percepção da complexidade.
Sentidos empobrecidos que não se prestam à reflexão e que são funcionais à manutenção das coisas como estão.
A linguagem empobrecida é resultado e atende à razão neoliberal, a esse modo de ver e atuar no mundo que transforma (e trata) a tudo e a todos como mercadorias, como objetos que podem ser negociados.
A lógica das mercadorias esconde o negativo e o complexo enquanto apresenta discursos que mostram as coisas existentes como pura positividade e simplicidade.
Não é por acaso que para atender ao projeto neoliberal, que poderíamos resumir como a total liberdade voltada apenas para alcançar o lucro e aumentar o capital, cria-se uma oposição à mentalidade subjetiva, apaixonada, imaginativa e sensível.
Segundo o mantra neoliberal, não há que se sensibilizar com a violação a direitos fundamentais diante dos interesses do mercado e da circulação do capital. Há uma recusa a qualquer compaixão ou empatia. A proposta é de que se esqueça como lidar e reagir ao sofrimento e a dor.
Na era do empobrecimento da linguagem, não há espaço para a negatividade que é condição de possibilidade tanto da dialética quanto da hermenêutica mais sofisticada. Tudo se apresenta como simples para evitar conflitos, dúvidas e perspectivas de transformação.
Aposta-se em explicações hipersimplistas de eventos humanos, o que faz com que sejam interditadas as pesquisas, ideias e observações necessárias para um enfoque e uma compreensão necessária dos fenômenos.
Correlata a essa “simplificação” da realidade, há a disposição a pensar mediante categorias rígidas. A população é levada a recorrer ao pensamento estereotipado, fundado com frequência em preconceitos aceitos como premissas, que faz com que não tenha a necessidade de se esforçar para compreender a realidade em toda a sua complexidade.
Quem se afasta do pensamento raso e dos slogans argumentativos, e assim coloca em dúvida as certezas que se originam da adequação aos preconceitos, torna-se um inimigo a ser abatido, isso se antes não for cooptado.
Nesse sentido, pode-se falar que o empobrecimento da linguagem gera o ódio direcionado a quem contraria essas certezas e desvela os correlatos preconceitos.
É também o empobrecimento da linguagem que reforça a dimensão domínio-submissão e leva à identificação com figuras de poder (“o poder sou Eu”).
Pense-se em um juiz lançado no empobrecimento da linguagem, não há teorias, dogmática, tradição ou lei que sirva de limite: a “lei” é “ele mesmo” a partir de suas convicções e de seu pensamento simplificado.
Em outras palavras, o empobrecimento da linguagem abre caminho à afirmação desproporcional tanto da convicção e de certezas delirantes quanto dos valores “força” e “dureza”, razão pela qual pessoas lançadas na linguagem empobrecida sempre optam por respostas de força em detrimento de respostas baseadas na compreensão dos fenômenos e no conhecimento.
Essa ênfase na força e na dureza leva ao anti-intelectualismo e à negação de análises minimamente sofisticadas.
A razão neoliberal se sustenta diante da hegemonia do vazio do pensamento expressa no visível empobrecimento da linguagem, da ausência de reflexão e de uma percepção democrática de baixíssima intensidade.
Qualquer processo reflexivo ou menção aos valores democráticos representam uma ameaça a esse projeto de mercantilização do mundo.
Não por acaso, a razão neoliberal levou à substituição do sujeito crítico kantiano pelo consumidor acrítico, do sujeito responsável por suas atitudes pelo “a-sujeito” que protagoniza a banalidade do mal, que é incapaz de refletir sobre as consequências de seus atos.
Pode-se, então, identificar a sociedade que atende à razão neoliberal como uma sociedade do pensamento ultra-simplificado.
A exigência de simplificação tornou-se um verdadeiro fetiche e um tema totalizante. Como em toda perspectiva totalizante, há uma tendência à barbárie: aos que não cederam ao pensamento simplificado, reserva-se a exclusão e, no extremo, a eliminação.
As coisas se tornam simples ao se eliminar qualquer elemento ou nuance capaz de levar à reflexão.
A simplicidade neoliberal exige que se elimine toda negatividade e as diferenças que não podem ser objeto de exploração comercial, fazendo com que a coisa se torne rasa, plana e incontroversa, para que se encaixe sem resistência ao projeto neoliberal.
A simplicidade leva a ações operacionais, no interesse do capital, que se subordinam a um governo passível de cálculo e controle.
A simplicidade se afasta da verdade e mostra-se compatível com a informação (também simplificada).
A verdade, por definição, é complexa, formada de positividades e negatividades, a ponto de não ser apreensível por meio de atividade humana. A verdade nunca é meramente expositiva.
A informação é construída e manipulada segundo a lógica das mercadorias. A informação simplificada recorre aos preconceitos e as convicções dos destinatários para se tornar atrativa e ser consumida.
Da mesma maneira, a simplicidade neoliberal também impede o diálogo, que exige abertura às diferenças, para insistir em discursos, adequados ao pensamento estereotipado e simplificador, verdadeiros monólogos, por vezes vendidos como “debates”.
O ideal de comunicação na era da simplificação neoliberal parte do paradigma do amor ao igual. A comunicação ideal seria aquela entre iguais, na qual o igual responde ao igual e, então, se gera uma reação em cadeia do igual.
É esse amor ao igual, avesso a qualquer resistência do outro, o que só é possível diante da linguagem empobrecida, é que explica o ódio ao diferente, a quem se coloca contra esse projeto totalizante e a essa reação em cadeia do igual.
Vale lembrar que Freud já identificava nos casos de paranoia um amor ao igual (amor homossexual) que não era reconhecido e se tornava insuportável a quem amava.
Esse ódio, que nasce do amor ao igual e da comodidade gerada pelo pensamento simplificador, direciona-se à alteridade que retarda a velocidade e a operacionalidade da comunicação entre iguais, coloca em questão as certezas e desestabiliza o sistema.
Quem ousa ser diferente (e pensar para além do pensamento simplificador autorizado), deve ser eliminado, simbólica ou fisicamente, em atenção ao projeto neoliberal.

http://bit.ly/2BNxWuY

*Rubens Casara é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ.