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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

VIDA E MORTE ...MUTAÇÕES....MÁSCARAS

PARA MINHA MÃE QUE ME ENSINOU A  GOSTAR DE LER E ENTORTAR PALAVRAS!
LOURDES VASCONCELOS





Dizem o mesmo de mim, não sei, mas é possível. Mas contundente mesmo é vermos na velhice, em sua progressão, variantes de máscaras que ocupam o corpo da mãe/mulher e não pedem por favor, entram, infiltram-se, silenciam-se , transmutam-se à elas, umas não tem memória, outras já não recitam, outras já comem demais, outras menos, tomam remédios vários, gritam, não dormem à noite, dizem ver vultos. Pela manhã contemplo seu rosto, é uma outra mulher, tem traços da anterior originária, mas não é mesma. Trafega com um riso comum, é ele sim, é original, mas não é a mesma, admito. E quem são essas tantas mulheres? Gostam de enrolar os cabelos como criança, curtem boneca, a gula se transforma e se contradiz ouvindo Nelson Gonçalves?
...Mãe, sonhei ontem que não eram mulheres, eram máscaras e cérebros que trocamos ao chegarmos à certa idade, mas o pior é que já não me conheces tanto como antes e do mesmo modo eu a ti, o tempo comeu a ti e a mim, cansaram-se vísceras, células, cérebro, foi isto?
— Não respondes? Que mulher é esta que não responde?
A cigana ao meu lado, no sonho, disse-me ao ouvir: ela está grávida, não a gravidez que enche, essa seca, sim, ela seca e seca, chama-se a morte, é a semente brotando ao avesso.
Todos trazemos inoculados essa gravidez potencial, é esta semente que se gruda no corpo; o ser traz em si a vida/morte, semente como espécie de semente/fruto, para nos alimentar e sem sabermos alimenta, faz-nos felizes, infelizes, nos bons e maus encontros e afetos, depois alimenta a terra, sim, a terra, com a carne, ossos, gorduras, nervos, e aquele corpo deixa marcas dos seus afetos nos outros. Quanto a essas mulheres que nela habitaram, foram as várias faces da semente em gestação, mas olha, não as desprezes, tu és também extensão do mesmo corpo dela e tens o mesmo fruto dentro.
E mais, não dê tanto valor a vida, ela é assim mesmo: já está gravado em você o que ocorreu, vá e viva, tome algo, grite e seja feliz, a vida é cínica e você vai ver sempre esta cena, ela igual ao nascer e assim é o nascimento: lá a criança tem várias faces, um bebê vai mudando também, a bochecha, orelha, dente, cabelo, assim, do mesmo modo, como ela mudou, já foi bebê; ela agora é um bebê velho só, deixe-a dormir para se acostumar com a morte que carrega, será mais fácil, o fogo, a terra lhe receberá como tem recebido a todos. Ah! Esqueça um pouco, porque além de tudo ela já está esquecida, o fruto morte faz eles esquecerem tudo, vá, saia, ande, busque um novo encontro, a vida é assim mesmo, a morte é para quem quer viver, como disse o poeta, não perca tempo, viva... é tudo pequeno e simples, vague, veja, perscrute, pegue, cheire, beba, guarde, desguarde, limpe os olhos, rapaz! Você está chorando: isso é melancolia, saudade, aí vira superstição, não, não, ajeite-se um pouco, só um pouco de alegria no rosto e deixe a sua semente lá dentro em paz, vá ser feliz enquanto pode, não façamos dramas naquilo que não sabemos ao certo e o que sabemos é que é vida e morte — esse par-ímpar — que somos e nos festeja dentro de nós. Sempre, é regra, voltamos para a natureza de onde viemos, somos atributo dela e isto é recompor a produção e extensão de ser: Natureza/Deus, sejamos cordatos, outros precisam nascer com a mesma semente e o tempo não para.
Faz assim, vai até o corpo dela e poete e diz assim, como Eugénio de Andrade:

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

‘’’’’
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.
Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração


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Paulo Vasconcelos