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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

A VIDA ,A TRANSITORIEDADE E A MELANCOLIA- ISABEL ALLENDE -JOKE HERMESEN -




Isabel Allende-https://bit.ly/34OZyOl

Apresentamos abaixo dois textos oriundos de autoras sem ligações teóricas nenhuma, ao meu ver, mas que nos fala e toca no momento atual, sobretudo.

1- Isabel.Allende- Chilena -via Facebook- 

2-Joke Hermesen ,Holandesa  -via El Pais(https://bit.ly/3gDTuui).

Embora como já afirmamos acima, da distinção entre ambas, flagramos aproximações íntimas entre as mesmas no que tange  a nossa vulnerabilidade e o transitório . Leiam abaixo.

 Para Abrir com odor poético tomemos o poeta Carlos Pena Filho. PE:

A solidão e sua porta
Quando mais nada resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha)
Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha
A arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório
Carlos Pena Filho
Carlos Souto Pena Filho (Recife, 17 de maio de 1929 — Recife, 1 de julho de 1960) foi um advogado, jornalista e poeta brasileiro, considerado um dos mais importantes poetas pernambucanos da segunda metade do século XX depois de João Cabral de Melo Neto.



FLAGRA FACEBOOK
Hortelã Pimenta  https://bit.ly/2EGzoCe


Por Isabel Allende sobre a pandemia e o medo


“Desde que Paula (minha filha) morreu há 27 anos, perdi o medo da morte.


Em primeiro lugar, porque a vi morrer nos meus braços e compreendi que a morte é como o nascimento, é uma transição, um limiar e perdi pessoalmente o seu medo.
Agora, se o vírus me pegar, eu pertenço à população mais vulnerável, os idosos, tenho 77 anos e sei que se eu pegar, vou morrer. Portanto, a possibilidade de morte está muito clara para mim agora, vejo com curiosidade e sem medo.
O que a pandemia me ensinou é deixar as coisas passarem, perceber o quão pouco preciso.
Não preciso comprar, não preciso de mais roupas, não preciso ir a lugar nenhum nem viajar. Eu acho que tenho muito. Eu olho em volta e me pergunto por que tudo isso. Por que preciso de mais de dois pratos?
Portanto, descubra quem são os verdadeiros amigos e as pessoas com quem quero estar.
O que você acha que a pandemia ensina a todos nós?
Está nos ensinando prioridades e nos mostrando uma realidade. A realidade da desigualdade. Como algumas pessoas passam a pandemia em um iate no Caribe e outras passam fome.
Ele também nos ensinou que somos uma família.
O que acontece com um ser humano em Wuhan, acontece com o planeta, acontece com todos nós. Não existe essa ideia tribal de que estamos separados do grupo e que podemos defender o grupo enquanto o resto das pessoas não se importa. Não existem paredes, não existem paredes que possam separar as pessoas.
Criadores, artistas, cientistas, todos jovens, muitas mulheres, estão considerando um novo normal. Eles não querem voltar ao que era normal.
Eles se perguntam que mundo queremos. Esta é a questão mais importante agora.
Esse sonho de um mundo diferente: temos que ir para lá.
E reflito: a certa altura percebi que a gente vem ao mundo para perder tudo. Quanto mais você vive, mais você perde. Em primeiro lugar, você está perdendo seus pais, às vezes, entes queridos ao seu redor, seus animais de estimação, lugares e até mesmo suas faculdades.
Você não pode viver com medo, porque isso te faz imaginar coisas que não acontecem e você sofre o dobro.
Precisamos relaxar um pouco, tentar aproveitar o que temos e viver no presente. "






POR EL PAIS: 
https://bit.ly/3gDTuui


O FUTURO DEPOIS DO CORONAVÍRUS
Para a filósofa holandesa, além da dor e do medo de estar só, o isolamento social pode ser um momento criativo e traz novas possibilidades de nos conectarmos com nós mesmos e com os outros


A filósofa Joke J. Hermsen.
A filósofa Joke J. Hermsen.CLAUDIO ALVAREZ
Eu me lembro de estar em minha sacada em Amsterdã, olhando um céu de um azul pungente sobre as casas. Nunca havia sentido um contraste tão nítido entre esta primavera vital e florescente e mais uma série de estatísticas trágicas apresentadas nos noticiários. Lá estávamos nós, em pleno despontar de vida reluzente, cercados pelo anúncio de tantas mortes. Ficamos lá dentro e esperamos, às vezes nos perguntando o que estávamos esperando: o fim do confinamento? A próxima crise? Ou talvez a oportunidade de muda

Enquanto esperávamos, descobrimos uma forma de solidão nova e forma de solidão nova e ambivalente. Por um lado, essa solidão se assemelha a um isolamento forçado imposto por um poder invisível, o vírus, que nos atemoriza e nos faz sentir inseguros em relação à nossa vida, porque não sabemos quanto tempo durará nem como vencer seus perigos. Isso nos assusta, nos preocupa, nos impede de dormir e, o pior de tudo, poderia transformar nossa natureza melancólica em um estado depressivo crônico.

Porque somos seres melancólicos que em algum momento de nossa infância tomamos consciência da passagem do tempo e, com isso, da perda e da transitoriedade. Essa consciência pesa sobre nossos ombros e, ao longo dos anos, aprofunda nossa melancolia. Se muitos medos e inseguranças pairam sobre nós, nossa melancolia costuma se tornar tão escura como a “bile” grega que lhe dá nome: melan-chole, profunda e abatida. No entanto, por sorte, também sabemos como lidar com essa melancolia e “iluminá-la” com a música, por exemplo, ou com histórias, ou com uma expressão de amor. Em outras palavras, temos de torná-la “criativa” a fim de traduzi-la em “tristeza com um sorriso”, como disse Calvino, e não em depressão

Nos últimos meses, porém, enfrentamos enormes perdas e cenários aterrorizantes. Tem sido extremamente difícil encontrar alguma esperança. Portanto, existe o perigo de que grande parte da população fique deprimida, o que é um problema de saúde muito grave, sobretudo se combinado com a solidão, como demonstraram pesquisadores famosos como Trudy Dehue, da Holanda, e Stephen. Houghton, dos Estados Unidos. Como consequência, não temos escolha a não ser continuar a buscar novas fontes de esperança e inspiração.

A boa notícia é que no próprio isoladamente, ou no que costumamos chamar de solidão, há alguma esperança. A solidão é um estado em que uma pessoa pode centrar sua atenção no diálogo interior, como Hannah Arendt explicou em ‘A Vida do Espírito’ (1973). Mesmo quando estamos “sós com nós mesmos”, somos seres dialéticos porque podemos falar sozinhos, podemos pensar e refletir sobre nossas próprias ações. Somos “dois em um”, ou, nas palavras de Arendt, “todo pensamento, estritamente falando, é elaborado em solidão e é um diálogo entre mim e eu mesmo”. Se formos capazes de nos concentrarmos nesse diálogo interior, não só descobriremos as possibilidades desse frutífero aspecto da solidão para nós mesmos, como também encontraremos novas conexões com os outros: “Esse diálogo de dois em um não perde o contato com o mundo de meus semelhantes porque eles estão representados no eu com o qual mantenho o diálogo do pensamento”.

Se o isolamento expressa a dor e o medo de estar (obrigado a estar) só, a solidão expressa a “glória de estar só”, justamente porque revela novas possibilidades de nos conectarmos com nós mesmos e com os outros. Em consequência, o desafio diante de nós é transformar nosso isolamento em uma solidão compartilhada. Como? Pensando, sonhando, lendo, escrevendo e apresentando nossos pensamentos aos demais, como eu lhes estou apresentando os meus. Este intercâmbio é a única coisa que pode proporcionar um contrapeso suficiente à nossa melancolia e nos impedir de cair em depressão. Em todo o mundo, compartilhamos os mesmos medos e as mesmas ameaças, mas também a mesma esperança: de ser capazes de recomeçar depois do coronavírus, e nos comportar e agir de uma maneira muito mais responsável e solidária.



  1. A holandesa Joke J. Hermsen é doutora em Filosofia e especialista na vida e obra das filósofas Hannah Arendt e Lou Andreas-Salomé. Também é autora de ‘Melancholie’ (Não lançado no Brasil). Esse artigo é parte de uma série de textos de pensadores das mais diversas áreas sobre o futuro após o coronavírus.
" O neoliberalismo é quem as deixa doentes. O que é necessário para que a melancolia seja saudável? Descanso, e no capitalismo isso não existe. O sistema faz com que as pessoas fiquem deprimidas e, além disso, essas pessoas não são cuidadas. Ele as afasta. A terapia que proponho não custa dinheiro, mas tempo, entretanto o tempo se tornou o produto de luxo por excelência...."