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quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O MAR SOU EU .....ADRIANE GARCIA

acervo da autora 
 
acervo da autora


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Nada diz o poeta senão apregoar uma falta e assim envergar um mundo, fabulando para ser real e assim pintando-o de cor de água, e deste modo eles: “trafegam a água, de cá para lá, de lá para cá, no constante de carregar o mundo”, como se assim possível fosse. Mas o que não pode o poeta, esse sujeito que mesmo delirante sobre a palavra assumidamente, diz com seu olho cego o que o cerca?

Adriane Garcia é um polvo, um dourado de nadadeiras amplas de Belo Horizonte/MG, formada em História, Teatro e Arte-educação. Colabora no site Escritoras Suicidas, Zona da Palavra e Literaturabr. Já publicou no Rascunho, Germina, Eutomia, Vox, Cult, Vida Secreta, Vossa Senhoria e no caderno Pensar do Jornal Estado de Minas. Em 2013 venceu o concurso nacional de literatura do Paraná, Helena Kolody, categoria poesia, com o livro “Fábulas para adulto perder o sono”, com segunda edição pela editora Confraria do Vento (2017). Em 2014, publicou “O nome do mundo”, pela editora Armazém da Cultura e em 2015, “Só, com peixes”, pela Confraria do Vento. Em 2016 participou da Coleção Leve um Livro, com “Embrulhado para viagem”. Tem online, pela Revista Vida Secreta, o e-book “Enlouquecer é ganhar mil pássaros”. Participa de diversas antologias. Foi curadora do Festival Literário Internacional de Belo Horizonte, 2017.

Pelo seu perfil vemos uma nadadeira entre pedras, sem linhas, mas como a mesma diz: com espinha, a espinha do poeta que fala entre as águas e mares de palavras e não importa a geolocalização, importa ser e para tanto dizer, e assim se faz, se erige numa coluna armada estilística e constrói essa coisa chamada literatura, ou melhor, a arte.

Não apodrecemos mais rápido pela ilusão, pela arte, por esta ressureição que essa coisa nos faz pulular, e assim Adriane é vasta, numa linha curva que perpassa a história, o teatro, a educação como arte educadora e fabula na letra e outras linguagens, o que para nós é de extremo ganho.

A loucura da poesia é assumir nossa carapaça de sujeitos desnorteados e nessa gagueira aliviar-se, ser, virar coisas como peixes, escada, língua de água, o transmutar-se em outros para olhar, ver, sentir, ser peixe, escada, língua etc. ver sendo e não sendo. Ou seja, ser útil sem rezar no desmanche dos objetos da religião do consumo, a literatura se presta a isto ao menos, e este é o maior dos capitais: ser dizendo, pensar, criar, sem a não verdadeira calda do humano que o capitalismo que nos afoga. Poesia é o desmantelo para crer. O peixe é meu, é seu, ponho no ombro, na esquina, na cédula e desdigo o falso real, ou melhor, o contradigo para poetar.
Só com peixes (2015), Adriane encontra a desculpa esmolambada e rica de ser e dizer do amor, do líquido, do concreto, até chegar a uma cauda poética, como aqui vemos:

Se o canto funcionasse/E o homem descesse a escada/Se o amor não se afogasse/Nem ficasse pintado de azul/Não seria a sereia rouca/Arrancando as escamas /Dacauda.
(2015, p.44)


Adriane Garcia faz rupturas indeléveis; na sua lírica, ela doma a palavra, tira seu pavio e o acende naquilo que digo ser uma poeisis desmedida e séria, desloca sentidos, faz piruetas, expatria o primeiro sentido do signo imprestável e o pinta de outras cores:

“Há dias uma ordem interior manda/Que ela vá ao aquário/Conversar com peixes/A sua língua de água/seu corpo lixa de areia (2015, p.450)
ou
a saudade do sal não se repara/Com a imersão difícil/Nesse oxigênio sujo”
(2015, p.69)

Mas fizemos uma palavra/palavra, em que podemos sentir um pouco mais a poeta, ou seja, cheirar seus sais de pensamentos e eis aqui alguns dos trechos:

Arte educadora, e como foi isso?

Eu já trabalhava como voluntária em escolas públicas, dando aulas de iniciação teatral para adolescentes. Ao mesmo tempo, concluía minha graduação em História, pela UFMG. Ficava muito dividida (mas talvez a palavra certa seja “complementada”) entre a História e o Teatro, e isso acabou definindo minha vontade de fazer pós-graduação em arte-educação. O mais interessante é que, no fim das contas (risos), eu acabei fazendo um trabalho de conclusão de curso ligado à desmemória da história da cidade.


A história, o teatro e o ensino da arte....

Exatamente. É para mim um trânsito, um trânsito complementar. Ensinar teatro para adolescentes da escola pública (fiquei cerca de 10 anos nesse trabalho), ou para deficientes visuais na escola pública (passei um ano trabalhando no Instituto São Rafael), era não só ensinar/aprender arte, mas saber o que socialmente, historicamente, significava contribuir de alguma forma para que a educação tivesse mais qualidade, mais diversidade, que a arte se estabelecesse como um direito, sempre. Ao mesmo tempo, aprender, ler história e ter contato com a dramaturgia permitiam não só que eu me tornasse cidadã mais consciente como, ao mesmo tempo, me tornasse mais capacitada como oficineira de teatro. É um trânsito com o qual eu me sinto privilegiada por poder exercer. Hoje, não pratico mais essas oficinas, mas faço esse trânsito por meio de leituras, e somo isso com a filosofia, com a literatura; principalmente com a poesia.

A poesia e o salpicar do humano...

A poesia me surpreende todos os dias. Quando conheço um poeta antigo que ainda não conhecia, a poesia me surpreende. Quando conheço um poeta novo, cujo poema move algo em mim, me surpreendo. Recentemente, fui curadora do FLIBH (juntamente com Francisco de Morais Mendes) e um dos saraus que se apresentaram foi o Sarau das Manas (coletivo de meninas adolescentes da região periférica de BH). Uma delas leu um poema autoral onde descrevia, de dentro, a vida de uma mulher presidiária. Eu me surpreendi. A poesia me surpreende porque acorda algo em mim, vive me acordando. A poesia me humaniza.

A Filosofia e teus preferidos

Nietzsche porque me fez ter medo de lê-lo. Ajudou-me numa desconstrução importante. Eu fui criada com coisas muito católicas, minha avó me levou a catecismo e, apesar de ser sempre questionadora, obviamente, coisas muito ruins ligadas ao Cristianismo estavam em mim. Ler Nietzsche me libertou de muitas coisas, me deu medo e depois coragem. Eu vi que pensar não era pecado (risos), que pecado nem existia.

Spinoza porque me enlouqueceu. Achei aquilo tudo muito destruidor, sabe? Muito parecido com outras concepções de universo e até de Deus. Tão mais aproximado do Budismo, ou do Hinduísmo, não cabia mais ali um deus à imagem e semelhança do homem. E a sua ideia dos afetos, eu achei aquilo tão parecido com a poesia, bebendo do mesmo mistério. Aliás, o próprio Spinoza me pareceu um personagem da poesia, imaginar que esse homem excomungado pela igreja judaica fazia lentes para se enxergar melhor. Pensar que ele faz isso até hoje.



A poesia e teus eleitos

Ah, meus eleitos. Primeiro Cecília, porque foi dela o primeiro livro de poesia que peguei na vida (Ou isto ou aquilo). Depois Drummond, ele esteve comigo por toda a minha adolescência e me acompanha para sempre, salvou-me de uma imensa solidão (eu não nasci numa família letrada, nem tínhamos livros, portanto não tinha muita escuta para o que eu descobria com a literatura ou para as indagações que surgiam dali. Até lia para minha mãe poemas dos livros que me emprestavam na biblioteca escolar, mas estava todo mundo muito ocupado, sobrevivendo e cuidando para que os filhos sobrevivessem às condições muito difíceis).

Mas eu poderia citar muitas e muitos poetas. Há várias e vários poetas contemporâneos que admiro hoje (vivos). E tem-me encantado bastante a poesia falada, a poesia que é feita pelos excluídos de nossa sociedade.




Poesia política e contemporaneidade-

Tem um poeta contemporâneo que eu creio que, de alguma forma, me influenciou muito recentemente. Há uns cinco anos que conheço sua poesia. É Alberto Lins Caldas, nascido em Gravatá, Pernambuco. Acho que foi Lins quem me chamou a atenção mais imediata para o fato de que é estranho uma poesia recatada e do lar em tempos como estes. A poesia de Lins é feita de beleza, mas sobretudo de combate. Alia um conhecimento histórico, filosófico imensos a um discurso rebelde, revolucionário. Lins escreve sem compaixão (e talvez por uma compaixão extrema). Essas coisas todas vão nos transformando, não é? Estar no mundo, sobretudo ouvir. Agora quero ouvir, quero ouvir o que não sei e de onde eu não sei. Quem tem feito uma poesia política vigorosa no país são os poetas anônimos, que moram nas periferias das tantas cidades. Em livros, tenho visto poetas muito boas tratando de temas urgentes, cito aqui (sempre fazendo injustiça, pois há mais) a poeta carioca Bruna Mitrano, que levanta questões sobre mulher, violência e aborto; a poeta mineira Lisa Alves, cujos poemas dialogam com a política no Brasil e no mundo; a poeta mineira Simone Teodoro também tem desenvolvido um trabalho muito bom em relação ao feminismo, à homofobia, aos excluídos da cidade, que vivem aparecendo em seus poemas; Simone de Andrade Neves acabou de escrever um “Missa do envio”, no qual olha para a festa do divino e trabalha, no presente, uma tradição rural mineira; Ricardo Aleixo lançou recentemente “O antiboi”, livro que discute política, racismo. Claro que não quero, com isso, dizer que não sinto um prazer imenso em ler poesia com outras temáticas, temáticas introspectivas, inclusive. Há tanta beleza e universalismo nisso, mas ultimamente, a poesia solidária tem me chamado mais atenção do que a solitária.

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Só com Adriane, com peixes,não , queremos mais, mais e mais caldos de sua poesia de uma mulher madura e que sabe tanger a lírica como um maestro de montanhas, mas podera, ela vem de lá, das cadeias de planaltos inclinados a peixe, mas como ela mesmo disse ao telefone avilta a fala dos cardumes.




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