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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O voto com livro na mão-captura do Facebook- Regina Dalcastagnè

Quase sempre replico postagens de |Regina Dalcastagnè, e não se faz necessário maiores comentários.Este segue o mesmo princípio-leiam...abs Regina-Paulo Vasconcelos




Escrito por Regina Dalcastagnè e Rosilene Silva da Costa (imagem: Karina Freitas)

Regina replicou ,do Suplemento Cultural de Pernambuco matéria sua  e Rosilene Silva  Costa(https://bit.ly/2DUX7wG) para o seu face, aqui capturo,leiam abaixo-Paulo Vasconcelos.
O segundo turno das eleições presidenciais de 2018 no Brasil movimentou um material de campanha inusitado: os livros. Levados às urnas por eleitores de Fernando Haddad, não só expressavam apoio ao candidato, mas também serviam de protesto silencioso contra a campanha difamatória – encampada por Jair Bolsonaro, mas crescente no país nos últimos anos – em relação aos professores, aos artistas e aos intelectuais.
Essa eleição foi marcada pela disseminação de notícias, verdadeiras e falsas, pelas redes sociais. Muitas ações e reações dos eleitores também surgiram das redes, como o movimento Ele Não! – que nasceu de um grupo fechado, mas tomou as ruas do país. Foi neste contexto que a ideia de levar um livro para votar surgiu e se propagou rapidamente.
Como uma espécie de resposta às fotos e vídeos postados por eleitores de Jair Bolsonaro no primeiro turno, nos quais apareciam votando com armas, o movimento foi uma iniciativa espontânea, isto é, não partiu de marqueteiros, mas de eleitores comuns. Como ação de campanha, com certeza tinha potencial muito limitado, pois ocorreu no momento já da votação e apresentava um caráter talvez enigmático para quem não participava dele, seja por não acessar as redes sociais, seja por não entender o contexto político em que isso se deu. Assim, a ideia não era conquistar eleitores, já que dificilmente se viraria algum voto dessa forma. Seu sentido parecia ser mais estabelecer uma identidade e marcar, para aqueles que a compartilhavam, um compromisso de resistência. Porque, mesmo no caso da improvável vitória do candidato do PT, a resistência seria necessária – e o livro simboliza a resistência contra o anti-intelectualismo, a ignorância militante, a incultura, a barbárie e o silenciamento daqueles que pensam ou agem de forma diferente.
O livro tornou-se um emblema do candidato professor, assim como a arma era o de seu adversário. Livro versus arma, cultura versus violência, vida versus morte: o simbolismo é quase óbvio demais.
No dia da eleição, as pessoas postavam suas fotos com o título eleitoral e a obra escolhida nas mãos. Em seguida, alguns começaram a juntar as fotografias e elas já davam uma dimensão do alcance do movimento. Com o intuito de entender melhor a mensagem que se queria passar, organizamos uma espécie de levantamento dos livros selecionados, utilizando, também, as redes sociais como espaço para sua divulgação. Um questionário bastante simplificado foi preparado no Google Docs e disponibilizado em nossas páginas do Facebook, ficando aberto para respostas durante cinco dias.
A ideia nunca foi realizar uma pesquisa com base científica. Feito no calor do momento, o questionário tem fragilidades que logo se tornaram evidentes. Os respondentes não são uma amostra estatisticamente significativa; de fato, quanto mais próxima a pessoa estivesse de uma de nós nas redes sociais, maior a chance de tomar conhecimento do levantamento e dele participar. Em suma, é um divertimento interessado, motivado pela curiosidade e pelo desejo de produzir um registro um pouco mais estruturado deste movimento tão singular.
O alcance do levantamento foi maior do que esperávamos. No total, recebemos 8314 respostas. Conseguimos respostas de todas as unidades da federação e também de eleitores que votaram no exterior. Mas, uma vez que a amostragem não é científica, não dá para saber se de fato as porcentagens correspondem à adesão ao movimento pelo país. Foram 22% de respostas vindas de São Paulo, 17% do Rio de Janeiro, 10% do Rio Grande do Sul, 9% do Distrito Federal, 8% de Minas Gerais. Certamente a presença do DF em meio aos grandes colégios eleitorais é um viés da pesquisa, dado que é o local de moradia e trabalho das organizadoras. Cabe destacar que para responder ao questionário, a pessoa precisava estar autenticada ("logada") em sua conta no Google, assim, em tese, as respostas foram singulares, pois a mesma conta só poderia acessar o documento uma única vez.
O questionário foi respondido majoritariamente por mulheres (72%). As idades dos respondentes são muito variadas, incluindo de jovens de 16 anos a idosos. A maioria (85%) possui formação superior – incluindo aqui os 19% com doutorado. Outros 12% ainda estão na universidade. No entanto, nove pessoas com nível fundamental, completo ou incompleto também responderam ao questionário, bem como 288 pessoas com nível médio, concluído ou incompleto.
As profissões, como não poderia deixar de ser, tendo em vista não só os dados anteriores, mas também a natureza do movimento, estão especialmente vinculadas ao mundo acadêmico. Foram 2.913 respostas vindas de professoras/es, isto é, 35% do total, além de 1.021 de estudantes e outras 303 de outros profissionais ligados à educação. Profissionais da cultura somaram 617, da comunicação, 379, e da saúde, 287. Os servidores públicos, que estão sendo ameaçados e coagidos cotidianamente, somaram 845 respondentes.
Se entendemos esse gesto como algo que mobilizou especialmente pessoas vinculadas à educação, não é de se estranhar que o autor que mais frequentou as urnas tenha sido Paulo Freire. O educador pernambucano, que é com certeza o intelectual brasileiro mais admirado no mundo, tornou-se alvo preferencial do projeto ultraconservador Escola Sem Partido, que combate ostensivamente sua pedagogia crítica e emancipatória. Pois nada menos do que 700 respondentes disseram que levaram um livro de Paulo Freire consigo na hora de votar.
Outro nome importante da educação brasileira, Darcy Ribeiro, também apareceu bastante – 91 vezes – nas respostas ao questionário.
O segundo autor mais citado foi o sociólogo Jessé Souza, presente 246 vezes. Com forte atuação na denúncia do golpe de 2016 e do atual avanço da extrema-direita, Souza publicou nos últimos anos uma série de livros de intervenção no debate público. O título do mais citado pelos respondentes é, em si mesmo, um manifesto sobre a situação nacional e aquilo que a candidatura de Bolsonaro representava: A elite do atraso.
Em seguida, surgem os primeiros autores de ficção, ambos estrangeiros: José Saramago (176 citações) e George Orwell (167 citações). Não por acaso, a lista de livros destaca obras de ficção distópica. Além de Ensaio sobre a cegueira, de Saramago, e de 1984 e A revolução dos bichos, de Orwell, aparecem, entre os mais citados, Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, e O conto da aia, de Margaret Atwood, por exemplo.
O romance de Atwood se encaixa também em outro destaque do levantamento: a presença expressiva de livros que discutem a condição feminina. Muitos focando em especial as mulheres negras, como as obras de Angela Davis, Chimamanda Ngozi Adichie, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus – mas também foram bem citadas a autobiografia de Malala Yousafzai, a biografia de Olga Benário e os diários de Anne Frank.
Eduardo Galeano, o quinto autor mais citado (158 menções), sinaliza outro aspecto da resistência literária nas urnas: a reivindicação de nossa identidade latino-americana. Em seguida, aparece o Projeto Brasil Nunca Mais, isto é, a autoria coletiva do primeiro grande mapeamento sobre as violações dos direitos humanos durante a ditadura militar, feito clandestinamente, ainda sob a vigência dela, sob a coordenação de líderes religiosos como o cardeal Paulo Evaristo Arns, o pastor Paulo Wright e o rabino Henry Sobel. As 140 citações ao livro Brasil: nunca mais se endereçam a um dos desdobramentos mais chocantes da campanha eleitoral: a entronização de um torturador, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, como “ídolo” do presidente eleito e de seus seguidores. Quando candidato, Bolsonaro chegou a dizer, em meio a gargalhadas, que as memórias do torturador eram seu livro de cabeceira.
Outras obras muito lembradas nas respostas ao levantamento também reagem, de maneira bastante evidente, à conjuntura imediata. A Bíblia marca uma oposição à instrumentalização da religião pela extrema-direita e a afirmação de uma compreensão diversa do que pode significar o cristianismo. A Constituição Federal é o texto produzido após o final da ditadura que consubstancia o pacto democrático, hoje em processo de dissolução. A verdade vencerá é a entrevista do ex-presidente Lula, cuja prisão, pelo futuro ministro da Justiça de Bolsonaro, foi determinante para o resultado eleitoral.
Marx frequenta a lista como representante máximo do projeto transformador e do pensamento crítico que a direita brasileira busca erradicar. Já autores cuja posição diante dos retrocessos atuais são no mínimo ambígua, como Elio Gaspari ou Zuenir Ventura, devem ter sido lembrados por posições anteriores ou pelo título de suas obras (o livro mais citado de Gaspari foi A ditadura envergonhada).
Vale ressaltar que a motivação dos leitores foi assunto de uma das perguntas do questionário e que 5014 pessoas responderam que o livro levado foi escolhido pelo que significava para elas, mas também para passar uma mensagem a quem via a obra em suas mãos.
Em suma: as listas com os autores e os livros mais citados, que seguem abaixo, trazem uma mistura interessante de obras que refletem sobre o país, mais especificamente sobre educação, autoritarismo, feminismo, racismo, direitos humanos e democracia. Mas não poderíamos deixar de citar aquelas obras que parecem ter sido levadas como uma declaração de afeto à literatura, como Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, A menina que roubava livros, de Markus Zusak, ou Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
Nem sempre o livro, louvado como objeto de cultura, de civilização, do que a humanidade é capaz de produzir de melhor, realmente emana tantas virtudes. O livresco pode ser também um mecanismo de elitismo e de exclusão. Mas, no dia 28 de outubro de 2018, no vasto e infeliz país chamado Brasil, o livro encarnou suas melhores qualidades e foi o símbolo vivo da inteligência, da diversidade, da educação, do pacto de resistência e, até, do amor que, esperamos, um dia realmente há de vencer o ódio.

AUTORES 
(a partir de 40 citações)
Paulo Freire – 700
Jessé Souza – 246
José Saramago – 176
George Orwell – 167
Eduardo Galeano – 158
Projeto Brasil Nunca Mais (Brasil: nunca mais) – 140
Hannah Arendt – 115
Angela Davis – 105
Machado de Assis – 97
Darcy Ribeiro – 91
Bíblia – 83
Margaret Atwood – 87
Karl Marx – 72
Djamila Ribeiro – 71
Gabriel García Márquez – 66
Chimamanda Ngozi Adichie – 65
Constituição Federal – 65
Márcia Tiburi - 65
Carolina Maria de Jesus – 62
Guimarães Rosa – 59
Graciliano Ramos – 56
Conceição Evaristo – 53
Elio Gaspari – 50
Carlos Drummond de Andrade – 49
Clarice Lispector – 49
Zuenir Ventura – 46
Anne Frank – 45

LIVROS 
(a partir de 20 citações)
Pedagogia do oprimido, de Paulo Freire – 256
Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire – 213
A elite do atraso, de Jessé Souza – 192
Brasil: nunca mais, de Projeto Brasil Nunca Mais – 140
Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago – 124
As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano – 107
1984, de George Orwell – 103
Bíblia – 83
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis – 68
O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro – 66
Constituição Federal – 65
O conto da aia, de Margaret Atwood – 64
A revolução dos bichos, de George Orwell – 58
Pedagogia da esperança, de Paulo Freire – 56
Mulheres, raça e classe, de Angela Davis – 54
Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus – 48
O diário de Anne Frank – 46
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa – 45
1968: o ano que não terminou, de Zuenir Ventura – 42
Como conversar com um fascista, de Márcia Tiburi – 38
Origens do totalitarismo, de Hannah Arendt – 38
Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago – 32
Fahrenheit 451, de Ray Bradbury – 32
O livro dos abraços, de Eduardo Galeano – 32
Eichmann em Jerusalém, de Hannah Arendt – 31
Quem tem medo do feminismo negro?, de Djamila Ribeiro – 31
Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – 30
O que é lugar de fala?, de Djamila Ribeiro – 29
A verdade vencerá, de Lula – 29
Vidas secas, de Graciliano Ramos – 29
A hora da estrela, de Clarice Lispector – 28
A tolice da inteligência brasileira, Jessé Souza – 28
Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro – 27
Eu sou Malala, de Malala Yousafzai – 26
Olga, de Fernando Moraes – 26
Admirável mundo novo, de Aldous Huxley – 25
Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez – 24
Educação como prática da liberdade, de Paulo Freire – 24
A ditadura envergonhada, de Elio Gaspari – 24
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda – 24
A resistência, de Julián Fuks – 24
Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre – 23
A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade – 23
O capital, de Karl Marx – 22
A condição humana, de Hannah Arendt – 21
Educação e mudança, de Paulo Freire – 21
A menina que roubava livros, de Markus Zusak – 21
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes – 20

>> Regina Dalcastagnè é pesquisadora e professora (UnB), autora de Literatura brasileira contemporânea: um território contestado.
>> Rosilene Silva da Costa é pesquisadora (UnB). Possui experiência na área de Educação – trabalha com literatura, formação de professores e direitos humanos.