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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A Teologia da Libertação e seu necessário retorno-OUTRAS PALAVRAS

 


 Imagem: 15ª Estação da Cruz da América Latina, de Adolfo Pérez Esquivel

 

 

 

 Outras Palavras relembra e aponta quando a ação necessária- entre :religião - política e o povo

 Na ditadura, religiosos rebeldes acercaram-se das lutas diárias do povo, questionando as causas da desigualdade. Foram perseguidos. Como seu recuo abriu espaço para o sequestro da fé pela ultradireita. Por que é preciso resgatar sua prática

 

OutrasPalavras
 
 
 

Qual a conexão entre o declínio da Teologia da Libertação e a ascensão dos grupos de extrema direita no Brasil? É fácil identificar o elo entre estes dois fatos observando o caso do estado do Rio de Janeiro. Basta ver que foi lá que o Presidente Bolsonaro galgou a sua ascensão política como deputado federal antes de chegar à presidência, que o prefeito carioca é um bispo da Igreja Universal e o governador em exercício é um cantor gospel oriundo da Renovação Carismática Católica. A Arquidiocese do Rio de Janeiro nunca apoiou a Teologia da Libertação como aconteceu em outras dioceses e arquidioceses brasileiras, abrindo um vazio nas periferias que foi tomado por grupos religiosos conservadores e que teve como resultado a perda de fiéis para as igrejas neopentecostais. Várias lideranças destas novas denominações estão envolvidas com políticos da extrema direita, utilizando um discurso moralista para ganhar votos para seus aliados. O mesmo fenômeno não aconteceu de forma tão drástica onde a Igreja Católica manteve e ainda mantém uma presença nas lutas diárias do povo, a exemplo de vários estados do Norte e do Nordeste ou em certas áreas da periferia da cidade de São Paulo.

Há 50 anos o padre belga José Comblin (1923-2011) lançou o seu livro Théologie de la Révolution. No ano seguinte seria lançado o livro seminal Teología de la liberación pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez. Alguns teólogos e teólogas protestantes também publicaram livros na mesma linha naquele mesmo período. Um planeta que se urbanizava e uma juventude que clamava por mudanças (clamor que explodiria no final dos anos sessenta), pedia novas reflexões sobre o pensar teológico e o papel das igrejas em um mundo que se reconfigurava religiosa e politicamente. No meio de todas estas mudanças, uma pergunta começava a circular no meio religioso da América Latina: Por que o continente com o maior número de cristãos é tão desigual economicamente? Se somos todos irmãos e irmãs como pregam as igrejas, há algo que não está sendo bem equacionado nesta irmandade supostamente de iguais, concluíam muitos dos que se aprofundaram neste questionamento.

Os protagonistas das ações de caridade da Igreja Católica não questionavam o que levava a milhões de pessoas a dependerem dos seus hospitais, escolas, orfanatos e casas de assistência com distribuição de comida. Aos poucos, isso foi mudando. No Brasil, por exemplo, um bispo começou a pensar diferente e criar inimigos dentro da elite carioca, cidade onde exercia o cargo de bispo auxiliar. O cearense dom Helder Câmara, sob certa influência do advogado católico Sobral Pinto e da Ação Católica da França, começou a mudar as opiniões integralistas que carregava desde a juventude. Além de ajudar a organizar a Ação Católica no Brasil, dom Helder repensou o seu papel como prelado na sociedade e como o seu poder poderia ajudar aos mais pobres. Este primeiro momento ainda estava no limite da caridade, mas já incomodava muitos fiéis católicos ricos da capital fluminense. Com a sua mudança para a cidade do Recife, que coincidiu com o início da ditadura civil-militar, as suas posições se direcionaram para a oposição ao regime autoritário com a denúncia sobre as arbitrariedades cometidas pela ditadura contra as prisioneiras e os prisioneiros políticos (não importando para ele se eram crentes ou ateus) e a luta por justiça social. Não à toa, dom Helder é o Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos.

Quanto as outras igrejas, o vento também começava a soprar em direções diferentes. Em 1962, aconteceu na cidade do Recife o encontro Cristo e o Processo RevolucionárioBrasileiro, patrocinado por algumas Igrejas Protestantes. Influenciados por teólogos e teólogas de suas igrejas irmãs na Europa e nos Estados Unidos, estas instituições tinham fiéis que também vinham questionando a desigualdade entre os brasileiros. Alguns deles começaram, inclusive, a despontar como lideranças no campo das lutas sociais, como o presbiteriano João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas na Paraíba que seria assassinado em 1962 por causa de sua luta por reforma agrária.

Não há dúvida de que sem a Teologia da Libertação o processo de repressão durante a ditadura civil-militar teria sido ainda pior. O compromisso de parte da hierarquia contra o regime ditatorial surpreendeu os militares que não perceberam a profundidade das novas ideias que estavam sendo semeadas desde a década anterior. Um dos resultados da oposição à ditadura foi o projeto Brasil: nunca mais, liderado pelo cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, pelo Rabino Henry Sobel e pelo Pastor Presbiteriano Jaime Wright. Juntos, eles lideraram uma equipe que produziu um relatório com denúncias sobre o que estava acontecendo nas prisões brasileiras com torturas, desaparecimentos e várias outras formas de repressão aos opositores dos militares. O relatório foi muito importante para documentar a opressão sofrida pelas vítimas.

Nos anos setenta as comunidades religiosas começaram a sair dos conventos e dos seminários. Esta ida para o mundo externo resultou no fortalecimento das Comunidade Eclesiais de Base, as famosas CEBs. Elas reuniam milhões de pessoas em pequenos grupos para a leitura e reflexão da Bíblia à luz da realidade social em que seus participantes viviam e isso proporcionou a formação do senso crítico sobre as opressões sofridas no mundo rural e nas periferias das grandes cidades de um número incontável de pessoas. Não fosse pelas CEBs, elas talvez nunca tivessem como receber toda aquela formação política. Era um lugar onde as pessoas podiam opinar sobre os problemas das comunidades onde viviam. Assumiam cargos nas coordenações e direções de diversas pastorais e, para a maioria, era a primeira vez que tinham os seus talentos para a liderança reconhecidos. De certa maneira, a Teologia da Libertação é uma Teologia da Prosperidade. Porém, não a prosperidade do Ter, mas sim a prosperidade do Ser de forma integral. As pessoas se sentiam reconhecidas como seres humanos e não apenas como mão de obra. Lá elas eram pessoas inteiras e não apenas donas de casa, trabalhadores da construção, empacotadeiras, desempregados, cortadores de cana ou empregadas domésticas. Nas CEBs esses trabalhadores e trabalhadoras se tornavam artistas, lideranças comunitárias, aprendiam sobre os seus direitos e algumas destas pessoas desembocaram na luta política partidária por perceberem que o poder institucional também lhes pertencia.

Os resultados positivos são imensuráveis para a população brasileira. Foi nas CEBs que surgiram muitas lutas que germinaram em movimentos sociais e que resultaram em ganhos concretos. Também não há dúvida de que não teríamos uma onda de governos progressistas nas últimas décadas com as vitórias dos candidatos Lula (Brasil), Rafael Correia (Equador), Fernando Lugo (Paraguai), Evo Morales (Bolívia) e Jean-Bertrand Aristide (Haiti) sem a influência desta corrente teológica. Ela também influenciou religiões não cristãs como podemos ver pela corrente do Budismo Engajado e os grupos mulçumanos na Europa e nos Estados Unidos preocupados com as liberdades individuais e o meio ambiente.

Tamanha influência da Teologia da Libertação começou a chamar a atenção ainda no final dos anos sessenta. Otto Maduro conta em seu livro Religião e luta de classes, como órgãos e governos internacionais de direita financiaram estudos sobre a movimentação de algumas lideranças das igrejas na América Latina por já estarem preocupados com o discurso anticapitalista que começava a permear as pregações religiosas. Claro que o ataque viria em algum momento. A partir dos anos setenta, as acusações na grande mídia contra as lideranças pró-Teologia da Libertação começaram a tomar as páginas dos jornais e das revistas de alcance nacional. Nos anos oitenta, os ataques se intensificaram até que, na década de noventa, esta corrente começou a sofrer a perda de influência nas igrejas como resultado da chegada ao poder de lideranças conservadoras. A Teologia da Libertação sempre foi um empecilho para os grupos opressores porque possibilitava a formação política das pessoas oprimidas e isso podia impedir que esses grupos permanecessem no poder que gozam até hoje. Claro que nem tudo era perfeito. A centralização de poder nas CEBs por parte de alguns ou o aproveitamento político por parte de outros fez parte da jornada dos grupos. Mesmo a ideia repetida por alguns líderes religiosos de que eram “a voz de quem não têm voz”, frase muito difundida durante o auge da Teologia da Libertação, mostra uma certa soberba perante os mais pobres, pois eles têm a sua voz, mas esta não é levada em conta. Somando estas e outras questões, isto não diminui em nada a sua importância.

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

ESTE RECADO TEM ÁGUA POÉTICA NO BICO DO CANGAÇO-José Lins do Rego , em Cangaceiros

 

                                                       Foto José Olympio -divulgação





 


 

 

Paulo Alexandre Cordeiro de Vasconcelos


 NA AMAZON TEM

 

 


 

 

1 -  Abrindo

  •  Em pleno século XXI, decorridos quase setenta anos de sua publicação,  a obra Cangaceiros -José Lins do Rego- ZELINS- é de uma   atualidade espantosa nos dias de hoje.É incrível a  presença do mito ou mitos, milícias, fanatismo religioso, a morte e seu desaguamento constante , o medo do homem e seu entorno político. A luta por sobreviver entre pobres, famintos e o poder das elites.O jogo e as promessas fantasiosas cercam os núcleos do romance.Mesmo assim o romance ainda é desconhecido por muitos.Mas isto é apenas uma nota inicial, queremos aqui apresentar  o caráter poético da mesma e  apontar  a falsa  pecha de José Lins como apenas um escritor memorialista.


         Uma brecha não revista

Sempre nos chamou atenção o fato de José Lins do Rego ter sua obra vista na maioria dos leitores nacionais, críticos e intelectuais da área, incluso editores, como memorialista face  o foco do chamado  Ciclo da Cana do açúcar, destacando-se  -Menino de Engenho-1932 e Fogo Morto-1943-obra  maior , segundo muitos críticos. Com isto havia panos para as mangas  no sentido de se afirmar, face seu desenrolar de história de vida, ser ele um chamado memorialista, portanto um reducionismo, ao nosso ver. Memorialistas todos os escritores são, para mais ou para menos ocultos em tramas ficcionais e outros artificios discursivos literários.

Faltou e falta um alargamento desta visão, com outros romances dele, caso em que aqui sublinharemos-Pedra Bonita e Cangaceiros, mas há que se ver várias outras,   do  ciclo urbano, como Eurídice, Água-Mãe, entre outras. Lembremo-nos , e digo enfaticamente que é preciso olhar José Lins , também, como um prosador na crônica  e nos ensaios, outrossim ver sua poética na desconstrução da sintaxe ou do engenho de contrapor palavras regionais ao não regional, coisa aliás comum na atualidade ,mas que antes não se destacava.

Desta feita, aqui faremos um foco nas chamadas obras  sobre o cangaço, e que ele se detém intensamente-Pedra Bonita e Cangaceiros.

Chama-nos atenção, como veremos no discorrer deste artigo, a sua escrita influenciada pela escuta e apreensão do léxico da região e circulação entre os brasileiros que conviveram com o cangaço  nos repasses para o largo público por onde o cangaço circulou e criou um léxico próprio.

Afora isto temos que ver como a literatura de cordel,(autores e cantadores-violeiros/cantores) foi de importância para a época como difusora dos fatos do cangaço, daí José Lins ter estudado esta forma de literatura para efeito de construção de suas obras, especialmente estas que aqui sublinhamos. Há que se destacar a poética do cordel, suas raízes telúricas, suas acrobacias metafóricas e com isto um erigir poético. Se fôssemos adentrar neste campo haveria que ser uma obra ensaística ,mas não é o que nos propomos , apenas uma leve pincelada sobre este fato.

Nosso olhar.

Desta feita, e por essas considerações iniciais ,nosso trabalho se escava diante de uma longa pesquisa há anos iniciada sobre a obra de José Lins do Rego fora do contexto acadêmico, por puro desejo de mais conhecer o autor.

Coincidências a parte, como paraiban que sou, também, e tendo vivido no Recife, estudado em instituições pelas quais o autor passou, minha identificação ai se fincou mais ainda. Junta-se a isto nosso trabalho como poeta,cronista,ensaista na área de literatura e pesquisador  do cordel.

Ao mesmo tempo, que refinávamos a leitura nas obras desse autor, criamos um protocolo de refino temático, partindo incialmente de suas obras iniciais do chamado ciclo do açúcar e depois recorrendo às outras obras  que não fazem parte daquele ciclo, mas que  cria empatia maior, e que perpassa de modo intenso o léxico popular regional- paraibano/pernambucano. Nesta Região, entremeio de Pernambuco e Paraíba, onde está fixadao o cenário da maior parte de suas obras em que se afirma uma textualidade discursiva ensopada, da oralidade local revelando sua prosa/ poética e sua irmanações ao mundo da literatura popular – ou como se queira, do Cordel.

Para a presente comunicação   pusemos um foco sobre sua obra Cangaceiros e uma aliança para Pedra Bonita, obras inseparáveis.

 

O aspecto memorialista, constante,  da maior parte de suas obras permite,a criação discursiva absorver uma textualidade num esmiuçar,  como que fazendo uma genética discursiva literária, dentro do seu estofo subjetivo, testemunhado nas suas declarações memoriais e na intertextualidade das obras ficcionais e, ai aparecem os flagras repetidos, quase como uma coluna mestra da sua história familiar e reminiscências da fase infantil presos a  cultura com flashes contínuos de fatos  familiares e extrafamiliares  junto com o cangaço.

 

 

2- Zelins : Da Cultura Popular à  Cultura escrita Literária

José Lins do Rego, nasce no Engenho Corredor, Pillar, PB, em 3 de junho de 1901 vindo de João do Rego Cavalcanti e Amélia Rego Cavalcanti. 1909, vai para Itabaiana-PB, cidade importante do entroncamento  que faz ligação entre a Paraíba e Pernambuco, para ser interno no Colégio Nossa Senhora do Carmo. Em 1912, entra no  ginásio -Colégio Diocesano Pio X, na então Capital da Paraíba, já se apurando literariamente na agremiação Arcádia, em que ensaia sua textualidade mediante seus artigos iniciais, cingindo seu pensamento nos retratos de intelectuais daquele tempo, como foi o caso de Joaquim Nabuco e que são publicados na Revista do Pio X.

É em 1915 que irá para o Recife, como tradição de sua classe social familiar agrária paraibana. Recife como a capital desenvolvida socioeconômica e intelectualmente do Nordeste, enovela-o e assim é matriculado- no Instituto Carneiro Leão e em sucessivo no Ginásio Pernambucano, para em 1919 iniciar-se na Faculdade de Direito. Estava cumprido uma história de um sucessor dos Cavalcanti, com inquietações tantas para um reinado da palavra, seja na ficção, ensaios , crônicas e critica literária.

Dedé, como era chamado Jose Lins na infância, ao nascer vive uma história trágica,a perda:  morte da mãe, e afastamento do pai, sendo criado pelo avó materno, o senhor de engenho. E será nesse seu percurso de persona, que sua subjetividade se alimentará, das pontas sociais não só agraciadas por dinheiro, mas pela servileza, das negras, negros, como meninos outros, negros, brancos e pardos, e nesse convívio, faz também ouvidos  a família e vai lapidando um sujeito de ouvidos e olhos atentos, desenhando um mundo de novelos múltiplos: de grama, cajazeiras, ingás, juazeiros, mar de cana de açúcar, bichos, melado, sexo, histórias, contos e causos e vai esculpindo sua ficção interna subjetiva.

Diz o autor¨ "....com Usina termina a série de romances que chamei ... de “ciclo da cana-de-açúcar”.A história desses livros é bem simples – comecei querendo apenas escrever umas memórias que fossem as de todos os meninos criados nas casas-grandes dos engenhos nordestinos. Seria apenas um pedaço da vida o que eu queria contar. Sucede, porém, que um romancista é muitas vezes o instrumento apenas de forças que se acham escondidas no seu interior." (REGO, 2010, p. 29).

Entre o melado, a água- o rio, ou o mar da cana Zélins prospera nas aquisições do tempo poético, telúrico da imagem e da palavra e faz tecer internamente uma poética do ser cingindo-a de tons da cultura do entorno que amplia e adorna sua estrutura cognitiva, ressignificando-as em seu modus vivendi.

 

      "Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica. Tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica. O engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava em si mesmo... Os escravos das plantações e das casas, e não somente escravos, como os agregados, dilatam o círculo familiar e, com ele, a autoridade imensa do pater-famílias. Esse núcleo bem característico em tudo se comporta como seu modelo da Antiguidade, em que a própria palavra “família”, derivada da famulus, se acha estreitamente vinculada à ideia de escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca." (HOLANDA, 1995, p. 80 –)

 A vivência solta da infância, rejeitado, ou não, órfão, com o de fato foi, permitiu-lhe experiênciar os outros, seja no plano físico, vivo do mundo senhorial do engenho, seja pelo repasse das histórias que voavam pelas bocas das velhas figuras, Maria Gorda, Generosa, Galdina e Romana, negras, ou brancas, mas entre uma e outra mescla-se  o domínio de culturas não dispares mas que fazem um duplo movimento de ressignificação de uma cultura pela outra,e seu inverso na cultura escolar .

De tais historias entre grupos de crianças, amigos primos, envolvem-se as histórias contadas, pelas velhas negras, que alimentam um imaginário da cultura popular, seu léxico fincado na exegêse da(s) cultura(s) e sua polifonia vasta, e assim surgem as historias de Trancoso, dos heróis de qualquer sorte, e neste contar interpretar, aparecem as imagens e textualidades mastigadas dos cangaceiros, herói e anti -herói de um tempo do engenho, e que hoje ainda se espraiam no imaginário Nacional.

É portanto ligado na boca do outro e de ouvido atento e ,mais tarde leitor aguçado à literatura de Cordel que José Lins edifica sua obra, numa conduta de semioticista, à agregar a si as histórias dos folhetos e faz eclodir sua obra dentro de um movimento Regionalista de valoração da cultura nordestina.

Diz Zelins, sobre sua inspiração e influências, em sua obra ensaística- Poesia e Vida-1945, ao ser abordado pela imprensa de São Paulo:

"O jornalista procurou falar  de minhas influências estrangeiras, dos mestres que me haviam nutrido a minha formação cultural – eu lhe falei dos cegos cantadores de feira de Paraíba e Pernambuco. Os  cegos cantadores amados e ouvidos pelo povo, porque tinham o que contar. Dizia-lhe, então, quando imagino os meus romances, tomo sempre como roteiro e modo de orientação, o dizer das coisas como elas surgem na memória, com jeito e  as maneiras simples dos cegos poetas.."(LINS,1945 p 54)

Ë fato que o autor se levanta, primeiro em suas crônicas como estudante e depois bacharel, para em seguida pipocar no campo Literário ficcional. Se Menino de Engenho, sua obra inicial chama atenção para o mundo agrário patriarcal, já ali aparecessem as historias tantas e entre elas a do Cangaço.

É em Menino de Engenho, que Carlinhos faz referencia a Antônio Silvino por ocasião de visita ao casa grande, do engenho do avó:. “Eu o fazia outro, arrogante e impetuoso, e aquela fala branda viera desmanchar em mim a figura de herói” (REGO, 2006. p. 49).  

Jose Lins chega a ser aclamado pela crítica nas suas injunções poéticas com Fogo Morto, em que ainda se ancora na cana de açúcar mas celebra uma nova instância que é o mundo em paralelo do engenho, onde o mestre Ze Amaro, olha de fora para a vida, para a politica, e sobretudo para a existência, de modo doído, mas apalavrado nos vários personagens ali vividos, bem como sua ligação com o cangaço, uma espécie de braço, em que seus favores se aglutinam para a manutenção ou logística do cangaço , no caso de Fogo Morto.

O Cronológico de sua obra como assim vemos é: 1932, com Menino de Engenho; no ano seguinte e vem Doidinho; em 1934, Bangüê; em 1935, O Moleque Ricardo; em 1936, Usina; em 1937, Pureza; em 1938, Pedra Bonita; em 1939, Riacho Doce, Em 1941, José Lins do Rego publicou Água-mãe; em 1943, Fogo Morto, 1947, publicou Eurídice e em 1953, Cangaceiros, obra que tem um elo necessário com Pedra Bonita, sua verdadeira continuação, sendo assim estas duas nosso foco, em que o Cangaço é sublinhado, na expressão discursiva da obra e sua poética se faz adensada, mesmo que escondida e não vista intensamente pelos seus críticos  .

Enfim, não é somente ciclo da cana de açúcar que vai aparecer,  a realidade do cangaço, mas em quase toda sua obra entremeada pela linguagem popular .

 


3 -NO BICO DA SUA OBRA

 

 

3.1 O inicio e o bico nas letras.

 

Zelins antes de ter seu nome alardeado por sua obra inicial Menino de Engenho,1932 , já era conhecido em Recife e na Paraíba, e mesmo um pouco do sudeste, Rio de Janeiro .Escreveu para jornais culturais e imprensa da região, era um homem tido como intelectual e letrado.

Seu primeiro livro Menino de Engenho foi editado com esforço pela Adersen-Editores , RJ 1932, anos depois faz amizade com Jose Olympio com quem publica toda sua obra  e parte de seus ensaios e crônicas, o editor mantinha um excelente relação com seu editado, tendo este contribuído para a fama daquele editor paulista de prestigio e realizado a divulgação editorial de grandes autores nordestinos, como José Américo de Almeida Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos entre outros.

A obra Cangaceiros, 1953 é  seu último Romance,   uma continuidade de Pedra Bonita, 1938,   obra que gira em tono do seu personagem Antonio Bento, afastado de sua família, criado pelo Padre Amancio a pedido da mãe. Bento  desconhece a história de Pedra Bonita que remonta ao fanatismo religioso. À passagem de uma obra á outra,-Pedra Bonita para Cangaceiros, é um traço cronológico de Bento, sua formação-P. Bonita é também uma iniciação ao leitor do que é o sertão em pequenas cidades, os poderosos da região; assim postam-se juízes, políticos, religião e a comunidade com seus personagens excêntricos. Quando Bento sai a procura de sua real história caímos em Cangaceiros, ou seu entorno familiar histórico infestado por uma realidade recoberta de imaginário denso.

Zélins através através da obra Pedra Bonita vai apontar para a formação e dilemas  de Antonio Bento - ciclo da adoção religioso pelo padre Amancio,seu tutor a quem a mãe D.Josefina entregou-o para criá-lo afastando-o da realidade familiar em Pedra Bonita  em que se imbrica família , milicianos, fanáticos, religião- semiárido/ caatinga, área seca, em que se chama de sertão.

 

Desta forma temos que destacar que  o enquanto ciclo da cana é mundo econômico-cana de açúcar , zona da mata ou massapê e agreste, em confronto como semiárido/ caatinga, área seca, em que se chama de sertão. Menino de engenho 1932 a Doidinho; em 1934, Bangüê; em 1935, O Moleque Ricardo que transita com o mundo urbano do Recife e Olinda; em 1936, Usina. Estes todos estão entre o agreste e zona da mata ,Cangaceiros, entretanto passa-se na caatinga, é uma obra que vai buscar ver o cangaço nas suas consequências sociais conjuminadas à ação do messianismo, dito fanático, pela crítica, em que o sagrado e profano se misturam na violência de um e do outro.Vale lembrar desta feita que este espaço da caatinga não consta da vivência do autor, senão por história e aprendizado,  , logo desaba o foco memorialista, coisa que os críticos não citam.

ZéLins para produzir esta obra veio do Rio,onde morava, e assim o fez   várias vezes, vindo molhar-se na cultura da terra, do Nordeste e assim embebe-ser com a sua realidade, saboreia : o  cordel-destacadamente João M.de Ahtayde- e-ouve pessoas. Aqui temos um autor preocupado com a história de seu povo, com a sua cultura, e com a estruturação de um roteiro pertinente a um romancista já consagrado.

De volta da Europa,final da década de 40 começa a escrever o romance e em 1950 lança como folhetins nas edições de O Cruzeiro, assim nos adianta Nelly Novaes Coelho em apresentação da obra Cangaceiros- (Obra-Eletronica-Kindle-2011)

O cangaço para Zelins era algo presente em histórias familiares, como está posto nas suas  obras anteriores e mesmo na obra biográfica da infância que é Meus Verdes Anos.

Para o autor:

“A  história do cangaço, no nordeste brasileiro, está intimamente ligada a a historia social do patriarcalismo, à vida de uma região dominada pelo mandonismo do senhor de terras e de homens. como se fossem barões de  feudos. O chefe que mandava, de baraço e cutelo na família, nos aderentes, nos eleitores, precisava muitas vezes da força, acima da lei, para  impor-se e dominar sem limites. Nem o Estado seria capaz de enfrentar o chefe que , no sertão, era mais do que o Estado. Para manter-se de pé, prefirmar-se suseranamente, o chefe recorria aos seus homens dispostos, aos cabras de olho virado, aos que matavam sem dor na consciência. A função do canganceiro passava a ser uma espécie de gendarmaeria às avessas.O crime é que tinha o poder poder corretivo.(REGO, apud Castello,1959)

A descrição do autor é coerente com as suas obras, pois muito pouco aparece a figura do estado, senão pelo poder judiciário, juízes e a policia, mas seus personagens destas áreas são  sempre figuras de um poder desarmando o estado. O que se destaca no ciclo da cana é o poder dos senhores, dos bangues, engenhos e usinas macomunados com seus escravos e mandantes de forcas como no caso de Antônio Silvino, do cangaço.

 

Cangaceiros é uma obra que continua Pedra Bonita, como declarou mesmo o autor, narra, em uma e outra, a vida de Bento. Em Pedra bonita ele é o centro e continua em Cangaceiros, mas dialogando com a família seu entorno.

Saliente-se que  o acontecimento de Pedra Bonita vem  ficcionalmente,  de Araripe Júnior O Reino Encantado,  de 1878, Zelins  A Pedra Bonita e Cangaceiros e Ariano Suassuna - mais tarde retomam . -A pedra do Reino -1971.As obras são inteiramente distintas tanto no gênero e sub -gêneros a que possa pertencer, mas pela genética de ambas e  uma arquitetura dispares uma das outras.

 

 

Cangaceiros o Romance. 

Cangaceiros -a  obra esta divida em dois grandes capítulos, no primeiro -A mãe dos cangaceirose o segundo- Os cangaceiros. No primeiro capítulo há um enredamento entre Bento e seus pais, com destaque para a mãe. Bento volta a casa paterno-materna para melhor conhecer suas origens e o segredo de Pedra Bonita.

 

No segundo capítulo, agora com a mãe e o pai mortos, Bento irá se enredar com forca ao contexto do lugar, quando se depara com seus irmãos: Aparício, já no cangaço, e Domício, chegado a Bento, com sangue de poeta e cantador, mas que cai no cangaço, afim de dar retaguarda familiar ao irmão Aparicio..

 

 Será com Aparício, irmão mais velho de Bento, que  a saga da família  continuará,como que confirmando a maldição de sua família- os Vieiras, entretanto há outros condicionantes, contudo a tal maldição fictícia ou preservada boca a boca é uma variável para sua entrada no cangaço, afora um sentido de justiça, num estado falido em segurança social.

Aqui,ainda, neste segundo capítulo vai haver  o acontecimento do amor de Bento por Alice, a desestruturação de sua sua família e implicações face ao cangaço. Surgirão suas dúvidas em pertencer ou não ao cangaço, pelos laços familiares e seu enfrentamento do mito que designa sua família como desgraçada-os Vieira,.isto se propagava região há muitos anos e rende esta fortuna infeliz.Apela ao santo da região aos irmãos do cangaço e por fim se determina em querer uma párceira e construir a sua nova família.

 


 

 

 

3.2 A prosa poética no contexto do Cangaço.

 

Zelins é um escrevinhador do homem, ele o canta, diz, diz pelo seu espaço nas suas vistas da sua cultura. O lirismo do autor é como suas narinas cheirando o mundo que quer dizer- sentir seus cheiros, sua estética. Combina seus odores com o seu desenho escrito, a palavra.Taí a prosa envergada pela poesia.

 

A oralidade vivida, ouvida,escutada combina-se ao lido, como das loas de cantadores, cegos, violeiros, poetas do cordel. Poetar o mundo e desformar, como dizia Manoel de Barros, tirar leite de formiga, ou anunciar ovo em ninho de piaba.

 

Poetar é desenhar o feito, o fato, a história, o romance, assim poesia e palavra se imbricam como a sela e a bunda, a carne e a gordura. Sua poesia é despudorada, como na palavra dita, falada, para mais dizer, mais apontar, ser confiável, ao menos. Isto é tarefa de um caçador de sentidos, de significados e aqui se aninha o semioticista cantando na viola de arpejos vários..

A semiosfera de Zelins é o bafo do humano, é a terra e sus pegadas de bicho e homem, com o sem zelo, para mais dizer...

 

e a boca da noite se abria para comer o mundo. Somente aquela cantiga da  negra dava sinal de gente na imensa solidão((Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 pag 54))

 

Seu lirismo advém  da oralidade vivida, ouvida e lida(no cordel),  funciona como uma bússola para seus cheiros. A personagem, sobre a qual ele desenha é o homem e suas circunstâncias, -o homem  e sua terra , seu espaço de lida, e se isto é regionalismo, também é universal, senta-se sobre suas carnes –palavras.

 

 Neste contexto de Sertão, caatinga, o livro principia com D. Josefina, a mulher dos Vieira cujos filhos tenta salvar de um fantasioso destino, dos Vieira, como se os santos houvesse condenado a eles. 


   Meu filho Aparício, Deus te mandou pra que o nosso povo saiba mesmo que a           maldição não parou. O teu rifle não pode mais que o rosário do Santo. A tua força faz tremer o sertão. É a força dos malditos da nossa raça, da raça do teu pai que a terra vai comer. Tu, Aparício, não para mais nunca. E me deixa, meu filho, me deixa com os últimos anos desta vida. Eu quero viver até o fim, eu quero carregar esta cruz nas costas, Aparício. Vai pro Santo e pega com ele um taco da força que ele tem. A tua força, Aparício, é a do sangue que corre nas tuas veias, é a força do teu avô, o home que era mais duro que o pau- ferro. Vai beijar a mão do Santo, Aparício. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle -2011 p. 22)

……

 

 

A palavra da velha conduzia o filho como se empurrasse um cego na estrada.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle -2011 p. 22)

 

Com as palavras coradas pelo sal da boca e do seu sol ele mastiga a dos outro e lambuza com o suor dos outros e joga no texto, como se jogasse terra seca

 

Lá nele, no vão esquerdo, o bicho caiu ciscando. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 24)

Começou a escurecer. Naqueles ermos, os bichos da noite, mal o sol se escondia, davam para gritar, para gemer, para piar. O canto dos passarinhos baixava de tom, mas a tristeza crescia de tamanho, para cobrir tudo de uma paz de fim de mundo.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 26)

 

Não teme a colheita nem o vento seco, tanto faz a palavra do abastado ou pedinte, se um cego ou um cantador, desde que veja as palavras, seu som...

 

O vento da noite naquele pico de serra começava a correr. Bentinho acendeu o candeeiro e uma nuvem de mosquitos encheu a casa. Vamos ter chuva disse a mãe, com voz firme e sem mágoa. Era a mãe do Araticum que voltava.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 27)

Constrói uma nova gramática, mesmo já devorada e aceita no sertão, e diz:

 

Mataram o fio dela, um menino genista. E ela não aguentou o repuxo. Deus Nosso Sinhô tem oio de gato, vê na escuridão.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 27)

 

Zelins sabe articular a gramática do povo com a da gramática consagrada pela língua culta, como sabe dosar as articulações entre uma e outra, como num mesmo salvo-conduto que lembra a língua de João Guimarães Rosa, mas é outro..

 

 

Ouvia tudo e se punha no seu serviço com os restos de suas forças, de alma pisada, muito mais batida do que as pedras dos lajedos.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

......

Mas lhe pesavam mais na alma seca as palavras sobre o filho perdido nas catingas, como uma onça suçuarana.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

 

A religião da seca não  atropela a religião católica e se cruzam num mesmo altar e se constrói um lírica delirante de uma poiesis exclamativa

 

Nisto um canto de bendito encheu a terra de tristeza. Uma das negras abriu a boca no mundo num louvor à Virgem Santa. Rompia a alma da velha como se fosse a música fanhosa das rezas dos romeiros. E corria também do seu corpo de mãe castigada o sangue dos inocentes.

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 38)

 

A imagem recobre a palavra e da-lhe uma visualidade de um obra de arte, como daquelas de Portinari...ha um tecimento intersemiótico na prosa poética do autor:

 

No seu corpo curtido de dor Aparício ia deixando, a rifle e a punhal, as marcas das vinganças de Deus. Com aquela trouxa na cabeça, curvada, com os últimos raios do sol no verde da mataria, assemelhava- se a um quadro bronco de via- sacra. Era o destino que se arrastava como um verme de Deus. 

(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 39)

 

O dramático poético sussurra verdadeiras epifanias sem carecer de versos rimados das demarcatórias de quadras, decassílabos e outros como no cordel, mas aprisiona a forca rítmica na flexão exata dos verbos..e padecia seu silencio

 

A velha não rezava mais. Tinha secado o seu coração, e padecia no seu silêncio, como uma pedra, num canto, indiferente ao sol, à chuva, à lua. Não tinha vontade de voltar para casa....

      (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 40) 

       Observe-se a estética fincada na natureza, na flora e na fauna, o que torna a obra rica e detalhes 

       do     cenário em que confabulam os personagens e lhe conferem uma cor, seja  no trágico ou                    romântico.

      A noite entrava de portas adentro com os gemidos de seus bichos.

     Ventava frio,um sopro de nordeste que trazia de longe  um cheiro de açafroas da horta de         sinhá Josefina.....Era preciso tratar a defunta com rezas.

 (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 106)

       ...

        Não havia  vivalma pelas proximidades.Apenas as  vozes da natureza cobriam pacífica 

       cobriam     aquele encontro de nervos e de alma de um cheiro de essências derramadas...

      (Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 pag 185)

       Não havia um pau seco, que não mostrasse a sua flor.O cheiro macio do Muçambé adocicava

       o     caminho...(Cangaceiros Obra-Eletrônica-Kindle-2011 p. 209)

       

         FECHANDO

Mas nisto tudo é preiso ter o leitor  um olho apoetado, talvez numa vivência de aldeias e homens próximos para emprestar a obra o caráter de prosa poética, por vezes sem escleroses de retóricas sisudas que demarcam de modo estanque  o que é prosa e poesia.           

Zélins empresta sua estremada poesia  nesta obra, aposta no verso popular, entrega a fibra do          seu        discurso na escolha do léxico e faz história linguística,ao mesmo tempo.         

A obra ,como dissemos inicialmente continua intacta quanto ao foco existencial dos personagens,         a     barbárie humana e a degradação dos valores que se envolvem como fanatismo a politica e         o     imaginário dos homens.  

É magistral o caráter da mesma obra, pois no leitor mais crítico há que se ver que  o foco vai além  do     cangaço, não se restringe  a isto, pois a questão, é o humano seu debate diante  do        seu contexto e poder.

        Precisamos de  ler esta obra atentamente, reler com lupa e perceber as entrelinhas multi-epistêmicas      contidas    na mesma , apreciando o poético nela contida e que para muitos passa desapercebido.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRONZEADO, Sonia Lúcia Ramalho de Farias. O messianismo e o cangaço na ficção nordestina: análise dos romances Pedra Bonita e Cangaceiros, de José Lins do Rego, e A pedra do reino de Ariano Suassuna. 2 vols. Tese de Doutorado, PUC-RJ, 1986. Mimeo. (Col Fortuna Crítica)

 

 

CASTELLO, José Aderaldo. Textos que interessam à História do Romantismo. v. II. São Paulo-SP: Conselho Estadual de Cultura, 1963..

  

CASTELLO, José Aderaldo. José Lins do Rego- Modernismo e Regionalismo. São Paulo, 14 fev. 1959. (Coleção Fortuna Crítica 7)

 

COUTINHO, Eduardo F. A relação arte/realidade em Fogo Morto. In:__et alii. Ensaios sobre José Lins do Rego. João Pessoa, Fundação Espaço Cultural da Paraíba, 1968. P. 7-16. (Coleção Fortuna Crítica 7) 33

 

MILLIET, Sérgio. O Brasil desconhecido que José Lins do Rego revelou. In: REGO, José Lins do. Fogo morto. 4. Ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1956. (Coleção Fortuna Crítica 7)

ORTIZ, R. Cultura popular – Românticos e folcloristas. São Paulo, PUC-SP,


PEREGRINO jr. Língua e estilo de José Lins do Rego. Revista do Livro, org. José Lins do Rego: romance. Rio de Janeiro, Agir, 1966. Coleção “Nossos Clássicos”. (Coleção Fortuna Crítica 7)

 

REGO, José Lins do. Menino de engenho/ José Lins do Rego; 82 ed.- Rio de Janeiro; José Olympio, 2001.Kindle, ed eletrônica.

REGO, José Lins do. Fogo Morto. Romance. 14 ed. Rio de Janeiro; José Olympio, 1973.

Kindle, ed eletrônica.

.

REGO, J. L. (1992). “Cangaceiros”. Ed. José Olympio, RJ.Kindle, ed eletrônica.

REGO, J. L. (1992) “Pedra Bonita”. Ed. José Olympio, RJ,

Kindle, ed eletrônica.

 

TERRA, Ruth Brito Lêmos. Memória de lutas: literatura de folhetos do Nordeste, 1893-1930. São Paulo: Global, 1983. 190p. (Teses,13).


 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

VENEZUELA SOCORRE O BRASIL- MANAUS COM OXIGÊNIO PARA HOSPITAIS DE COVID19 -BRASIL247

 


Foto - JORGE ARREAZA POR TELESUR


ESTA É NOSSA VENEZUELA DE CHAVEZ E MADURO!!

Chanceler da Venezuela diz que mandará oxigênio para Manaus por instrução de Maduro

VEJA MATÉRIA NA INTEGRA -BRASIL 247 -http://bit.ly/2LpCvSV


“Conversamos com o governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, para colocar imediatamente à sua disposição o oxigênio necessário para atender a contingência sanitária em Manaus”, afirmou o ministro Jorge Arreaza nas redes sociais


247 - O chanceler da Venezuela Jorge Arreaza afirmou, nas redes sociais, nesta quinta-feira, 14, que enviará oxigênio para Manaus, capital do Amazonas, diante do caos que vive a região, onde pela falta de oxigênio pacientes com Covid-19 estão morrendo dentro dos hospitais.

“Por instruções do presidente [da Venezuela] Nicolás Maduro, conversamos com o governador do estado do Amazonas, Wilson Lima, para colocar imediatamente à sua disposição o oxigênio necessário para atender a contingência sanitária em Manaus. Solidariedade latino-americana antes de tudo”, afirmou Arreaza.


JÁ A REVISTA FORUM ACRESCENTOU :

Venezuela coloca oxigênio à disposição de Manaus: “Solidariedade latino-americana”

http://bit.ly/2N5UPkq
REVISTA FORUM-

O governador do Amazonas agradeceu o gesto do governo de Nicolás Maduro

O governado do estado, Wilson Lima (PSC) agradeceu o gesto. “O povo do Amazonas agradece!”, escreveu. O Amazonas brasileiro faz fronteira com o estado do Amazonas venezuelano.

A White Martins, fornecedora dos cilindros para o estado, anunciou à tarde que teria que recorrer à produção feita na Venezuela para dar conta da demanda do estado. Segundo a empresa, a quantidade necessária na capital amazonense quintuplicou nos últimos 15 dias.

https://twitter.com/i/status/1350818796475457544


segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

EDUCAÇÃO SUPERIOR -CAUSO- PARECE REVOLUÇÃO, MAS É SÓ NEOLIBERALISMO

 

FOTO APENAS ILUSTRATIVA, NÃO ESTÁ NO ORIGINAL DO FACE  -POR ADunicamp



FLASH -OU FLECHE- FACE

CRIS MENEGUELLO


6 h 
Texto longo e perturbador de professor de universidade paulista, que assina com pseudônimo.
PARECE REVOLUÇÃO, MAS É SÓ NEOLIBERALISMO
O professor universitário em meio às cruzadas autoritárias da direita e da esquerda
BENAMÊ KAMU ALMUDRAS
 
 
Um amigo que leciona na área de humanas em uma grande universidade pública paulista, ao chegar para a sua aula em um curso de pós-graduação, percebeu um burburinho inusual entre os alunos. Perguntou-lhes se estava tudo bem, e um deles disse: “Não. Estamos fazendo um motim.” Outros expuseram o motivo da rebelião: a excessiva carga de leitura da disciplina. Meu amigo ficou surpreso, pois a carga de leitura era pequena. Os alunos tinham que ler e debater semanalmente apenas dois ou três projetos de colegas, cada um com vinte páginas no máximo.
O professor perguntou se os alunos teriam alguma sugestão para resolver o problema. Eles propuseram que cada um escolhesse por conta própria os projetos que quisesse ler e os colegas com quem discutir, formando pequenos grupos auto-organizados. Dessa forma, terminariam o semestre mais cedo. Atordoado, o professor disse que pensaria no assunto, para então negociar uma solução satisfatória para todos. Mas um aluno retrucou: “Não, professor. Você sempre quer negociar. O que nós queremos é romper hierarquias e questionar o seu poder.” O professor respirou fundo, disse que lhes escreveria a respeito mais tarde e continuou sua aula. Depois de consultar colegas e enfrentar uma noite mal dormida, o professor respondeu aos alunos, dizendo que manteria a dinâmica inicial do curso. Vários alunos lhe enviaram longos e-mails de protesto, qualificando sua decisão como autoritária e reivindicando que a vontade deles fosse respeitada. Tomados por um misto de revolta e euforia, diziam estar lutando pela democratização da universidade e contra as estruturas de poder. Na aula seguinte, o professor apontou aos alunos a pouca razoabilidade das demandas que faziam e explicou a importância da leitura e do diálogo intelectual para a formação de cada um. Resolveu tornar opcional a participação no resto do semestre. Para sua surpresa, ninguém deixou o curso. Os participantes do motim – um terço da turma – lhe pediram desculpas e agradeceram a preleção. Final feliz.

Só que não. Narro esse episódio (sem citar nomes para não expor as pessoas) porque, a meu ver, ele exemplifica um fenômeno mais geral que tem ganhado força e se tornado mais frequente nas universidades brasileiras e do exterior. Para descrevê-lo, tomo emprestada do mesmo amigo uma expressão usada por ele em sua preleção aos revoltosos. Adaptando uma famosa frase de Renato Russo (“Parece cocaína, mas é só tristeza”), esse professor disse aos alunos sobre o motim: “Parece revolução, mas é só neoliberalismo.” A primeira metade dessa analogia é, claro, puramente metafórica: refere-se à agitação política dos alunos. A segunda é metonímica, pois o neoliberalismo é fonte de tristeza e angústia para qualquer pessoa que tenha apreço pela educação pública e por ideias progressistas. A rebelião contra esse professor é um exemplo de atitude neoliberal da parte dos estudantes. Não me refiro ao neoliberalismo como ideologia político-econômica, mas como forma cultural, em que o mercado, a ética individualizante e o espírito do consumismo são erigidos como o modelo cognitivo e normativo da vida social. Apesar de os alunos apresentarem sua pauta como democrática ou mesmo subversiva, o que eles estavam de fato exigindo era que a universidade fosse como um supermercado ou um restaurante, onde quem decide o que consome (que textos ler), quanto consome(quantos textos ler), por quanto tempo consome (quantas aulas ter) e como consome (como as aulas devem ser) são os consumidores. Subjacente à revolta estava a ideia de que o professor tem função parecida à de um gerente de hotel ou um alfaiate: servir ao cliente e satisfazer seus desejos. E o cliente, sabemos, tem sempre razão!

O episódio que narrei pode ter sido particularmente teatral e pedagógico, mas abundam casos semelhantes nas universidades. Em uma instituição pública fluminense da área de saúde, um aluno exigiu que o programa de pós-graduação desse aos estudantes garantias (termo tipicamente mercantil) de que todos terminariam seu doutorado com êxito. Levando ao extremo a mesma suposição de que o título (note bem, o título, e não o acesso à educação) é um direito de todos, uma aluna de história de uma universidade pública europeia que não escreveu sua tese de doutorado processou o departamento onde estudou, exigindo o diploma ou uma indenização pelo tempo investido (um termo-fetiche do neoliberalismo).

Outra professora de uma universidade pública localizada no Planalto Central recebeu de um aluno um e-mail em que ele declarava ter decidido que o melhor para ele seria não escrever o trabalho final da disciplina – e solicitava ser aprovado mesmo assim. Uma amiga que leciona ciências exatas em uma universidade mineira recebeu de seus alunos uma lista de temas que eles queriam ver tratados na palestra a ser dada por uma pesquisadora visitante. No meio da pandemia, um pós-graduando – bolsista com dedicação exclusiva – enviou uma mensagem de última hora a seu orientador, dizendo que não participaria de uma reunião online de seu grupo de pesquisas porque estava cansado. Outra colega, da área de comunicação social e residente em uma grande cidade do Nordeste, se assustou quando um aluno de graduação criticou duramente em aula um importante texto que ele não tinha lido nem queria ler, pois tinha ouvido falar mal do autor em um documentário (outro fetiche neoliberal: o consumo doméstico de informação midiática). Quando a professora retrucou, dizendo que o aluno não poderia atacar o texto sem tê-lo lido, ela foi acusada de autoritarismo.

Parece, entretanto, que, aos olhos de tão exigentes consumidores, os professores também podem errar ao propor mais diálogo. Um estudante de ciência política questionou em público o método didático de um colega (baseado em discussões e debates) e solicitou que o professor desse mais aulas expositivas. Alegou que era muito disperso e se perdia ao ouvir os colegas. A mim um aluno sugeriu que eu modificasse o programa de um curso porque ele achava parte da bibliografia “maçante”. É também corriqueira a impolidez de pós graduandos brasileiros, que não agradecem a seus orientadores por esforços que foram muito além de suas obrigações, não pedem desculpas por falhas que cometem e exigem reuniões, atestados e assinaturas, amiúde com prazos impraticáveis, em vez de pedi-los com boa antecedência e de forma cortês, como se espera em interações com professores, colegas, amigos e… prestadores de serviços.

Não uso estes últimos termos por acaso. A privatização do público denunciada por Hannah Arendt é hoje uma realidade tão abrangente e onipresente que, como o ar que respiramos ou como o diabo que vive nos detalhes, já nem a percebemos mais. Quando a coletividade política se transforma em um conjunto de indivíduos-consumidores competindo no mercado, perde-se a ideia de que o professor é um servidor público dedicado a formar cidadãos instruídos e qualificados. Mesmo na educação pública, e entre aqueles que falam em seu nome, cresce o desejo de que ela passe a servir, de modo neoliberal, a esse consumidor autocentrado e oportunista que busca minimizar custos e maximizar benefícios. Assim, o professor universitário é tratado cada vez menos como um servidor público e cada vez mais como um prestador de serviços a indivíduos – um serviçal privado

A força do neoliberalismo como fenômeno cultural se revela até nos ambientes mais progressistas, entre pessoas identificadas (por elas mesmas e por outros) como sendo de esquerda e que dizem estar lutando contra injustiças sociais. Mais assustador é que tais pessoas apresentam sua fantasia neoliberal como se fosse um projeto emancipador. Com isso, expande-se a suposição devastadora de que o professor, caso não aceite o papel de um serviçal privado, só pode ser um opressor.

Suspeito que isso se deva, em parte, à maneira distorcida como alguns alunos veem a assimetria inerente à educação, imaginando que os corpos docente e discente são como classes sociais – de um lado, a classe exploradora; de outro, a explorada. Eles supõem que o professor detenha uma superioridade essencial e que a posição de aluno seja involuntária e permanente.

Esquecem que ninguém nasce professor e que a assimetria da sala de aula é contextual e temporária. O professor é apenas alguém com mais experiência e conhecimento em determinada área, e não um sujeito social dotado de um poder inerente ou de mais conhecimentos genéricos que os alunos. Aliás, muitos alunos de universidades públicas com atitudes como as que descrevi têm eles próprios a intenção de seguir a carreira docente, o que torna ainda mais absurda a identificação que fazem do professor com o opressor.

Essa identificação enganosa provavelmente se deve também ao perfil demográfico do corpo docente. A despeito de variações que possam ocorrer nas diferentes instituições e áreas de conhecimento, há em geral, entre professores universitários, uma sub-representação de grupos discriminados e oprimidos por razões raciais, étnicas, religiosas, de gênero, de sexualidade ou de classe. Como muitos alunos são afetados por essas discriminações, não é de estranhar que alguns vejam seus professores como sujeitos privilegiados e dotados de grande poder.

Se isso ajuda a explicar a visão de que o professor é um opressor, é certo que não a justifica, pois há vários problemas nessa concepção. Primeiramente, ela ignora a desigualdade de posições sociais e institucionais entre professores, pois pressupõe que todos somos oriundos de setores sociais dominantes ou privilegiados, ou associados a eles. Embora algumas formas de hierarquização e discriminação sejam facilmente visíveis e identificáveis, outras não são. Há, por exemplo, muitos professores de universidades conceituadas que passaram por grandes dificuldades econômicas em sua juventude, sofreram preconceito e opressão ao longo da vida e, por terem estudado em universidades de menor prestígio (ou até de mais prestígio, mas estrangeiras), nunca são plenamente aceitos como pares por seus colegas, que julgam ter melhor pedigree social e acadêmico. E, dadas as desigualdades de ordem salarial, origem geográfica e classe entre professores, muitos enfrentamos dificuldades materiais reais, além do desprestígio social que marca toda a categoria.

Fora isso, a identificação do professor com o opressor e as revoltas contra docentes fazem com que se gaste tempo e energia atacando pessoas que, na maior parte das vezes, são aliadas dos alunos e lutam pelas mesmas bandeiras que eles, a começar pela defesa de uma universidade pública mais justa, inclusiva e democrática. O motim que descrevi no início deste texto, por exemplo, aconteceu em 2017, quando a democracia se deteriorava e o autoritarismo crescia aceleradamente no Brasil. Tenho certeza de que os revoltosos viam a situação nacional com a mesma preocupação que seu professor, mas preferiram usar seu tempo e energia lutando por “causas” miúdas como os supostos direitos de estudar menos e de decidir o que ler. Há algo de muito errado e perigoso quando estudantes tentam transformar em pauta política a redução do rigor e da qualidade da educação.

Grave é também o desvio feito pela ofensiva política progressista quando ela passa a atacar seus aliados. A expressão mais atroz dessa deturpação é a proliferação de acusações infundadas de racismo, sexismo, classismo, homofobia e transfobia feitas contra professores. Todas as denúncias desse tipo devem ser levadas a sério e investigadas, pois disso depende a luta por uma universidade mais justa e inclusiva. Sabendo que preconceitos e assédios são uma realidade cotidiana da academia, como de tantas outras áreas, defendo veementemente a importância política dessas denúncias e o direito de todas as pessoas de fazê-las.

O fato de que o racismo, o sexismo, o classismo, a homofobia e a transfobia sejam frequentes nas escolas não significa, porém, que todas as denúncias sejam verdadeiras. Pode-se dizer o mesmo, imagino, de outros ambientes profissionais, mas esse fenômeno ganha contornos específicos no caso da universidade. Embora raramente tenhamos a coragem ou o interesse de falar disso em público, não é segredo para acadêmicos brasileiros e estrangeiros que parte dessas acusações são atos oportunistas de pessoas movidas por objetivos mais imediatos e pouco louváveis, como obter uma aprovação não merecida, diminuir a carga de estudo e conseguir facilidades na concessão de um diploma. A manipulação de injustiças, violências e exclusões para benefício individual é talvez a expressão mais feroz e perversa da neoliberalização cultural da educação pública.

A refinada perversidade dessa manipulação interesseira se dá em diferentes níveis. Para começar, os professores mais comumente acusados são os que estão em situações profissionais mais frágeis, em estágios iniciais da carreira, sem grandes vantagens imediatas a oferecer a seus alunos e cuja destruição moral não traz prejuízo a seus difamadores. Outro alvo comum de acusações infundadas são professores oriundos de grupos sociais discriminados e fragilizados. O preconceito de alguns indivíduos contra o próprio grupo oprimido é uma triste realidade, mas o que quero salientar é que muitas vezes os professores mais atacados e desrespeitados – por calúnia e difamação, assim como por outros atos cotidianos e discretos – são os mais desprovidos de poder, tanto dentro quanto fora da universidade.
Outras vítimas preferenciais são professores altamente mobilizados por questões políticas. Um professor de filosofia pós-colonial ou de história contemporânea tem muito mais probabilidade de ser atacado por uma afirmação que algum aluno considere inapropriada do que um professor de filosofia medieval ou de história antiga. Abundam os casos de professores feministas e ativistas de direitos LGBTQIA+ acusados de sexismo, homofobia e transfobia por darem aula sobre textos tidos como politicamente inapropriados ou por cometerem eventuais deslizes de linguagem passíveis de punição pela impiedosa e infatigável milícia do vocabulário.

Recentemente um professor de uma respeitada universidade pública do Sudeste, especializado em pensamento afro-atlântico, foi chamado de racista por uma mestranda. Ela havia sido reprovada em sua disciplina por não frequentar as aulas, não apresentar um seminário obrigatório, não escrever o trabalho final e não responder a repetidas tentativas de contato. O oportunismo da calúnia fica evidente ao sabermos que a aluna só fez a denúncia seis meses depois de sua reprovação, e no momento que estouraram os recentes protestos antirracistas nos Estados Unidos. Mordendo a isca, os defensores dela não se furtaram a equiparar a reprovação ao brutal assassinato de George Floyd! Quando foi demonstrado que a denúncia era falsa, outro aluno de “pós” – de pós-graduação e de pós-verdade – defendeu os ataques dizendo que, sendo o professor um homem branco (aliás, abertamente gay e em estágio probatório na universidade), não importava se as acusações eram verdadeiras ou não. Se o professor fosse menos forte e decidido, talvez tivesse deixado de dedicar seu ensino e pesquisa a questões raciais, e a luta antirracista teria perdido, graças ao neoliberalismo de esquerda, um aliado em uma instituição de grande visibilidade.

O uso oportunista e individualista de questões sociais seríssimas prejudica a luta política não apenas por alimentar as conhecidas reações conservadoras e preconceituosas, mas também por silenciar vozes aliadas e privatizar bandeiras coletivas fundamentais. Muitas vezes as acusações são tão egocêntricas que supõem que, caso um indivíduo não seja beneficiado da maneira que exige, isso demonstra que toda sua categoria está sendo prejudicada. Há casos em que um candidato a pós-graduação, ao não ser admitido em processos seletivos com cotas para grupos discriminados (como todos os programas devem incluir), afirma que sua não admissão é sintoma de preconceito – mesmo que, obviamente, a vaga que ele não obteve seja destinada a outra pessoa da mesma categoria (vemos aqui o problema do fogo amigo: programas que não praticam ações afirmativas não correm o risco desse tipo de acusação e seu racismo passa incólume). É mais uma vez o “eu” autocentrado exigindo direitos de consumidor, sequestrando e usando como disfarce o “nós” coletivo que reivindica direitos sociais justos e corretos.

Essa privatização é mais uma expressão do poder do neoliberalismo cultural no ensino público. Ao contrário do que afirmam alguns, tal privatização não defende a educação: nega a própria ideia de educação. Não é à toa que muitos estudantes (mas não apenas eles) julgam que o incontestável direito à educação equivale a um suposto direito universal a um título, o bem maior almejado pelos consumidores da universidade. Tive a oportunidade de ler várias cartas de alunos, endereçadas a professores e a instituições, que defendiam não tanto o direito de estudar, mas sobretudo o de receber um diploma acadêmico, independentemente do mérito do estudante. Reivindicações desse tipo, fantasiadas de luta democrática e igualitária, negam o pressuposto de que algumas pessoas têm certos conhecimentos específicos que podem ensinar a outras, em geral mais jovens, que ainda não os têm – e que para adquiri-los é preciso estudar.

Tais reivindicações impedem a formação de cidadãos esclarecidos e transformam o direito à educação em direito a boas notas, aprovações e títulos.
Mas a força do neoliberalismo cultural na educação não para por aí. Como observou o professor Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, apenas a lógica competitiva de mercado permite entender a proliferação de cruéis, rasos e injustos ataques militantes a intelectuais politicamente engajados. Em suas palavras, “para os atacantes, são chances de melhor se posicionarem no mercado epistêmico: quem mais lacrar e mais humilhar mais acumula capital” (Folha de S. Paulo, 11/08/2020).

O artigo não se refere unicamente a agressões a docentes, mas não é coincidência que tenha sido escrito por um professor universitário a respeito de ataques sofridos por uma colega de profissão. Entre os vários supostos erros de que esta professora – a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz – foi acusada, estava o de, apesar de ser branca (judia, vale lembrar), ter dedicado décadas de pesquisa e atuação pública ao combate ao racismo. Afinal, como bem argumentou Gomes, a lógica do mercado raras vezes recompensa e estimula ataques a pessoas retrógradas e conservadoras. Racistas, sexistas, homofóbicos, transfóbicos, antissemitas e semelhantes seguem ilesos em suas reputações e fortalecidos em suas posições de poder, voz e visibilidade. Punindo e calando intelectuais progressistas, o neoliberalismo de esquerda dá mais espaço, mais vigor e mais protagonismo ao neoliberalismo stricto sensu que, pelo lado direito, ataca o ensino público e seus professores de forma igualmente atroz.

Infelizmente, contudo, a esse problema nós, os professores, temos também reagido de maneira tipicamente neoliberal. Por um lado, tendemos a atribuir a particularidades de certas situações e de indivíduos cada caso de abuso, desrespeito, privatização, calúnia ou difamação. Por outro, seguimos com o pacto não declarado de silêncio sobre essas questões por temermos, com razão, punições no mercado acadêmico. E muitas vezes cedemos na concessão das benesses exigidas pelos sujeitos neoliberais, seja por medo de eventual repercussão, seja por autoengano político. Com isso, acabamos por contribuir para a privatização da educação, no sentido amplo e cultural, e, claro, para a deterioração do ensino. Enquanto não entendermos que estamos diante de um fenômeno coletivo – o individualismo é um fenômeno coletivo – e enquanto não agirmos politicamente, ou seja, debatendo publicamente um problema político, a educação pública seguirá sendo atacada não apenas de forma espetacular, mas também rotineira e capilar; não apenas por governos e ideólogos de direita, mas também nos campi, nas ruas e nas mal denominadas redes sociais.

Assim, os professores universitários, sobretudo os de instituições públicas brasileiras, sofremos hoje duas virulentas ofensivas neoliberais. A direita nos ataca de modo neoliberal, combatendo em nome do mercado tudo que nossa educação pública conquistou a duras penas nas últimas décadas: inclusão social, expansão do ensino, ações afirmativas, financiamento à pesquisa, reflexões sofisticadas sobre a sociedade. A esquerda, usando camuflagens progressistas para disfarçar seu neoliberalismo, transforma alunos em consumidores, a educação em distribuição de diplomas, o rigor acadêmico em forma de opressão, os servidores públicos em serviçais privados.

Um lado defende abertamente o neoliberalismo, o outro pensa ser revolucionário. Mas ambos agem de forma mercantil e compartilham o ataque à educação pública e ao pensamento crítico. Ao castigarem os professores por ensinar, pensar e escrever, uns encontram nos outros os melhores aliados de suas cruzadas neoliberais autoritárias contra a liberdade de pensamento e de expressão. Assim como, em 1815, europeus católicos, protestantes e ortodoxos juntaram suas forças retrógradas em uma Santa Aliança contra os ideais republicanos, hoje em dia fanáticos à direita e à esquerda se unem religiosamente em uma aliança, desta vez não declarada, para combater a educação pública e os professores.

Quase todos os docentes de universidades públicas concordamos sobre os graves e evidentes perigos do neoliberalismo autoritário da direita, e fazemos o possível para combatê-lo. Mas para continuar e fortalecer essa luta devemos também romper nosso pacto de silêncio e reconhecer os perigos igualmente autoritários, igualmente violentos e igualmente neoliberais que vêm do outro lado – inclusive de nossos alunos.
É como um passo em direção a esse reconhecimento e a um debate amplo e democrático que escrevo este artigo. Apenas lamento que tenha de assiná-lo com um pseudônimo. O motivo disso está evidente. Nestes tempos de cruzadas autoritárias moralistas e de narcisismo midiático neoliberal, uma crítica como a que fiz aqui tem de lançar mão da privacidade autoral como escudo e refúgio.