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segunda-feira, 22 de julho de 2019

Ana Paula Maia uma tecedora de linguagem crua do homem em malhas do assujeitamento .









*Ana Paula Maia Foto por  http://bit.ly/2Jh8yPH*







"Javalis são astutos, os homens também. A técnica da caça pode ser 
aplicada tanto para os racionais quanto para irracionais, porque, 
no fim, todos são caça e caçador, não importa o grau de racionalidade. 
Nem os javalis nem os homens devem ser caçados à revelia.
Eles sabem que estão  sendo perseguidos e sabem ser rápidos e violentos 
o bastante para sobreviver.. "Assim na terra como embaixo da  terra 2017





Em que pese meu ofício ser o que gosto, tenho dificuldade de escrever sobre autores que admiro, temo ofendê-los, não saber dizê-los ensaisticamente, mesmo num tom de síntese ou mesmo como uma crônica. Foi o caso desta autora que há anos acompanho.


Comecei a ler Ana Paula Maia por sua obra Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos, depois devorei todas as outras obras numa sede incrível; assusta-me sua escrita e seus temas, mas envolve-me de maneira loquaz.

Sua trilogia A saga dos brutosEntre rinhas de cachorros e porcos abatidos e O trabalho sujo dos outros e Carvão animal foi fatal para meu encantamento pela autora. 
   







Ana Paula Maia é uma das escritoras brasileiras que me deixa de bico aberto. Sua escritura é limpa, sem arrodeios, mas o que me prende a mesma é o homem. O homem - entre outros Edgar Wilson- e suas multifaces que ela sabe desvendar, dizê-lo.

 A miséria, o capital se unem e veste este homem. Isto está posto em sua obra. Ela denuncia o mal-estar do sujeito no social sem cair num ideologismo determinado.


Na obra de Ana Paula não são necessários tantos cenários ou uma dada região, o homem e seu pares são o suficiente para determinar a sua literatura. A autora vai do rural ao urbano de uma forma que não destoa sua estilística.



É com o homem, enquanto sujeito que ela coa, depura este ser que se envolve em ações nobres e taciturnas. Há um tônus antropológico em suas matizes escriturais.



Ela expõe a idiossincrasia do sujeito ante o ser e estar no trabalho nas suas formas mais esquecidas.

Não há grandes psicologismo na sua obra, nem por isto olvida o psiquismo dos personagens, sem maiores delongas ensaístas. Há uma tensão, uma febre e uma incontestável tessitura firme na escrita.


Todos os seus livros os li, e faço de modo rápido, não pulo folhas, linhas, ela me prende.



Seu léxico é prático, tece uma discursividade vibrante sem arrodeios, tornando a leitura fácil e rápida. Ao mesmo tempo nos dá um climas diversos e este sim é o seu grande cenário, por vezes de tensão.O Bicho e o homem se cumpliciam e se traem em sua obra.


Ganhou em 2018 Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria Melhor Romance do Ano, por Assim na Terra como embaixo da Terra.


Maria Fernanda Gárbero professora adjunta de Literatura Brasileira e Teoria Literária na Universidade Federal Rural do RJ UFRRJ-escrevendo para Cult- http://bit.ly/2FPlUle -é concisa e certeira em uma das partes de sua resenha sobre este último livro premiado:


"A volta de Edgar Wilson em Enterre seus mortos é uma contínua aposta da autora na composição dessas figuras. O trabalho da personagem com os animais agora é o de recolhê-los das estradas e enterrá-los, como uma problematizada decorrência biográfica do abatedor de gente, porcos e gados das outras narrativas. Longe dos leitores desde De gados e homens (Record, 2013), o reencontro com Edgar Wilson e suas ambiguidades éticas nos convida também a pensar nas relações que se dão a partir da hostilidade, sobretudo num país tão desigual como Brasil, em que o bastardo é criado a partir de marcadores perversos de deslegitimação que convergem questões de classe e étnico-raciais.
Nas narrativas de Maia, não cabem histórias de amor romântico, nem emulações de piedade. O afeto por suas personagens se constrói – ou não – numa perspectiva ética, em que cada capítulo parece nos confrontar com a possibilidade (ou disponibilidade) de reconhecimento desses sujeitos a partir do literário. Talvez seja por essa provocação experimentada pela ficção que não abandonamos Edgar Wilson. Nem nós, nem a autora cuja “saga” ainda parece não ter fim."


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Em depoimento a Revista Rascunho-http://bit.ly/2Jh8yPH- nos diz :


Comecei a escrever assim: um dia entrei em férias da faculdade, levantei e me senti engasgada. Sentia alguma coisa engasgada. Comecei a escrever e fui escrevendo. Escrevi meu primeiro romance assim. E não parei mais de escrever. Foi um lugar em que entrei e de onde não consegui mais sair. Antes desse período, mais ou menos aos doze ou treze anos, havia me interessado por leitura, na biblioteca do colégio. Na infância, também havia tido contato com a história narrada. Minha mãe e minha avó me contavam muitas histórias. Gostava muito de ouvir histórias. Eu tinha disquinhos de histórias. Então, a história narrada era muito importante. Na adolescência, perdi isso. Fiquei muito mais ligada no cinema — era mais fácil ficar sentada duas horas na frente da tevê do que lendo um livro. Acho que os hormônios não me deixavam parar e me aquietar para ler. Antes desse momento mais consistente, tive pequenos momentos de leitura. Leituras muito esparsas, obrigatórias na escola, que fazia sem gostar. Não gostava nada do que me mandavam ler na escola. Minha mãe tinha que ler para mim, me contar a história, para eu não tirar uma nota ainda mais baixa do que já tiraria. Não era uma aluna muito aplicada. Passava de ano raspando. Não estava muito interessada, era muito agitada, muito ativa. Queria mesmo era correr na hora do recreio, prestar atenção no que estava acontecendo. Era um momento de muita criatividade para mim. Não podia falar nada que me dava um surto de criatividade, começava a vir histórias. Acho que dentro de uma repressão do “não pode” foi quando comecei a criar. Estudava numa escola que tinha rigor militar. Então, ali era maravilhoso porque eu tinha idéias boas. Tinha facilidade de ter boas idéias. Tive esses pequenos sinais, mas nada tão consistente quanto aos dezoito anos. Não sei por que foi nesse momento. Acho que estava cansada, estava saindo da adolescência, entrando na faculdade. Sentia sede de alguma coisa. Tudo ao meu redor era pouco. Tudo era pequeno, mesquinho. Achava tudo ruim. Um dia, peguei uns livros da prateleira de casa. Minha mãe é professora. Fui lá, puxei um, puxei dois, puxei três, e ali comecei a ler o que caísse na minha mão. Eu ia lendo, lendo e aquilo ia me alimentando. Eu pegava caminhos. De um livro, pegava bibliografia para outro. E assim fui construindo um ritual de leitura..."


*Ana Paula Maia é de Nova Iguaçu-RJ -1977- Escritora e roteirista
Sua obras: