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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Fotógrafos protestam contra abuso de lei antiterror

REINO UNIDO
Fotógrafos protestam contra abuso de lei antiterror

em 26/1/2010


Mais de dois mil fotógrafos participaram de uma manifestação na Trafalgar Square, em Londres, contra o uso abusivo de leis antiterrorismo para impedir que sejam tiradas fotografias de lugares públicos. Fotógrafos profissionais e amadores afirmam que costumam ser interceptados por policiais e questionados sob a seção 44 do Ato de Terrorismo de 2000. A lei permite que a polícia faça revistas sem a necessidade de ter havido algum ato ou comportamento suspeito. O protesto foi organizado por um grupo intitulado Sou um Fotógrafo, Não um Terrorista!.

Diversos incidentes no último ano geraram uma resposta crítica da mídia ao uso abusivo da lei antiterror. Em dezembro, um repórter do jornal Guardian foi parado pela polícia e revistado quando fotografava um famoso edifício no centro financeiro de Londres. Já um fotógrafo especializado em arquitetura foi interceptado quando tirava fotos de uma igreja reconstruída após o grande incêndio de 1666 por Sir Christopher Wren, um dos mais aclamados arquitetos britânicos. Um fotojornalista da BBC foi parado pela polícia quando fotografava a Catedral de St Paul. E um fotógrafo amador foi interrogado por dois policiais por fotografar luzes de Natal na cidade de Brighton.

No fim do ano, um memorando elaborado por Andy Trotter, subcomandante da Polícia Metropolitana, foi enviado a todas as forças policiais na Inglaterra e País de Gales alertando para o uso "confuso" das revistas com base no ato antiterror. "Policiais devem ser lembrados de que não é crime que um cidadão ou jornalista tire fotografias de um edifício público", dizia o documento, enfatizando que o simples uso de uma câmera não significa automaticamente que uma pessoa deva ser interceptada e revistada.

No início de janeiro, o tribunal Europeu de direitos humanos criticou o uso da seção 44 e ressaltou a falta de ferramentas adequadas de proteção legal e parlamentar contra abusos. Segundo os juízes, o fato de os policiais decidirem parar e revistar uma pessoa com base apenas em "intuição profissional" ou "desconfiança" provoca um "claro risco de arbitrariedade". Informações de David Batty [Guardian, 23/1/10]

Suspensão de TV provoca protestos pró e anti-governo na Venezuela

BY BBC BRASIL


Estudantes fizeram passeata até a sede da Conatel para protestar

A retirada do canal venezuelano RCTV do ar pela segunda vez em menos de três anos, no domingo, provocou fortes manifestações de opositores e simpatizantes do presidente Hugo Chávez em Caracas e outras cidades da Venezuela nesta segunda-feira.

Um jovem de 15 anos, que participava de uma manifestação pró-governo no Estado de Mérida, teria morrido ao ser atingido por disparos, segundo afirmou o ministro do Interior, Tareck El Aissami.

O governo suspendeu o sinal da RCTV e de outros seis canais internacionais na TV a cabo na madrugada de domingo, alegando que eles desrespeitaram as novas regras que determinavam a transmissão de cadeias nacionais e mudanças no conteúdo de publicidade.

A RCTV já havia deixado de operar como TV aberta em 2007, quando o governo venezuelano decidiu não renovar a licença. A emissora, então uma das mais populares do país, era acusada pelo governo de ter participado da conspiração que levou ao frustrado golpe de Estado contra Chávez em abril de 2002.

O governo venezuelano afirmou nesta segunda-feira que os canais que tiveram seus sinais suspensos poderão voltar ao ar se cumprirem com as condições oficiais.

Em Washington, o embaixador venezuelano para a Organização dos Estados Americanos (OEA), Roy Chaderton, rechaçou um comunicado da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que condenou neste fim de semana a suspensão da RCTV.

Para Chaderton, a CIDH tentou “comprazer uma vez mais os incuráveis golpistas, representantes da ditadura midiática venezuelana e da ultra-direita interamericana” com sua condenação à atitude do governo venezuelano.

'Atentado às liberdades'

Em Caracas, nesta segunda-feira, estudantes de diversas universidades fecharam várias avenidas desde a manhã, e no início da tarde se reuniram em uma praça do leste da cidade para dali seguir em passeata até a sede da Conatel (Comissão Nacional de Telecomunicações) para protestar contra a medida, classificada por eles como “um atentado às liberdades, especialmente à de expressão”.

Mas em frente à Conatel se reuniu também outro grupo de estudantes, simpatizantes do governo, com o objetivo de apoiar a decisão da Conatel. Para este grupo, a decisão “segue sem condições o Estado de Direito”.

Um cordão policial separava os dois grupos, antes de a manifestação opositora ser dissolvida com bombas de gás lacrimogêneo. Alguns estudantes teriam ficado feridos e acusam os simpatizantes do governo de lançar garrafas e pedras em sua direção.

No Estado de Anzoátegui, no leste do país, outro protesto estudantil também terminou com bombas de gás lacrimogêneo e disparos de balas de borracha.

No outro extremo do país, na cidade de Mérida, capital do Estado de mesmo nome, além do estudante cuja morte foi anunciada pelo governo, nove policiais também teriam ficado feridos.

Críticas

Diversos setores da sociedade venezuelana, como a Igreja Católica, se pronunciaram contra a medida que tirou a RCTV do ar pela segunda vez.

“Acompanhamos todas aquelas pessoas que tenham sido vítimas de perseguições por terem expressado seu pensamento ou ideologia”, disse o presidente da Conferência Episcopal Venezuelana, monsenhor Ubaldo Santana.

Em um programa transmitido pela TV estatal Venezolana de Televisión, o diretor da Conatel, Diosdado Cabello, disse que o organismo está elaborando um regulamento para permitir que os canais afetados pela suspensão no domingo retornem ao ar, desde que cumpram algumas condições.

Entre as condições está a assinatura de um compromisso para transmitir as cadeias oficiais e outras exigências do governo por pelo menos quatro meses, período durante o qual a Conatel avaliaria novamente a programação para reconsiderar se os canais afetados transmitem programação nacional ou internacional – os canais considerados internacionais não precisariam seguir as normas.

“Que coincidência que de 105 canais que foram analisados, 104 cumprem com as normas e só um, a RCTV, está contra o que está estabelecido nas leis”, afirmou Cabello.

Até o momento, a posição da RCTV tem sido a de não negociar com o governo. A emissora espera pelo resultado de uma liminar pedida ao Supremo Tribunal de Justiça para que se respeite sua condição de canal internacional, o que o governo nega.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Portugal ilustrado: Investigadora estudou ilustração nacional feita entre 1910 e 1940

Portugal ilustrado
Investigadora estudou ilustração nacional feita entre 1910 e 1940
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=1478598-by j noticias pt
ANA VITÓRIA
A ilustração foi o modo mais fácil para a entrada do modernismo em Portugal. A conclusão é da investigadora Theresa Lobo, que, ao longo de 20 anos, procedeu a um levantamento sobre ilustração portuguesa entre 1910 e 1940.

A obra, "Ilustração em Portugal - I", editada recentemente pelo IADE - Instituto de Artes Visuais Design e Marketin g-, faz parte de uma fase de um trabalho exaustivo e mais abrangente no tempo que a autora pretende efectuar.

Theresa Lobo, uma assumida apaixonada por ilustração e por cartazes (sobre este assunto, também já publicou um livro), mostra-se satisfeita com o resultado deste seu projecto.

"Esta é a primeira obra que se publica sobre o assunto. Até agora, não havia nada sistematizado sobre a matéria".

Para a investigadora, a ilustração portuguesa nas épocas a que se reporta o livro "representou uma clarificação de um tempo cultural". Sustenta Theresa Lobo que as ilustrações publicadas nas várias revistas da época "tinham um carácter essencialmente descritivo. Foi, com raras excepções, a celebração de narrativas, o pretexto de muitas e aleatórias ficções".

Uma nova estética

Na ausência de contrapartidas mais sólidas, os ilustradores portugueses recorreram muito aos magazines, aos jornais e aos cartazes. Estes suportes "eram imensos laboratórios, onde também realizaram as fórmulas de uma modernidade, que, dessa forma, penetrou lentamente na sociedade", refere a investigadora. Nesse sentido, " os magazines eram um campo de experimentação ideal para os novos ilustradores marcarem a sua estética".

Também na maior parte das publicações "o conteúdo literário era quase sempre medíocre e interessava pouco, com excepção do projecto integral da 'Contemporânea' (1922-1926), dirigida por José Pacheko, onde o melhor foi também o contributo dos artistas, como Jorge Barradas, Stuart de Carvalhais e Almada Negreiros e, obviamente, do surgimento da revista "Presença".

Afirmação expressionista

O aparecimento da "Presença", em 1927, "foi um factor relevante para o surgimento de novas oportunidades gráficas, não só ao nível da capa como no seu interior. Embora predominantemente literária, a "Presença" afirmava-se doutrinária de um modo abrangente".

O pintor e ilustrador Carlos Botelho criou páginas unificadas num único tema, sem uma ordem de leitura específica. "Durante 22 anos, estas páginas foram votadas a grandes variações de estilo - umas de um modernismo inventivo vanguardista, outras no regresso ao desenho pormenorizado naturalista e saturado", sublinha Theresa Lobo.

Para a investigadora, "a 'Presença' (1927-1940) desempenhou um papel importante na afirmação e divulgação de estética expressionista", sem nunca esquecer que nela escreveram nomes como José Régio, Gaspar Simões ou Adolfo Casais Monteiro.

Astronautas da Nasa escrevem no Twitter

Astronautas da Nasa escrevem no Twitter


Astronautas da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), poderão postar notícias no Twitter e ter acesso à internet direto do espaço graças uma nova tecnologia da Nasa. Nesta sexta-feira, o astronauta T.J. Creamer postou a primeira mensagem, que dizia: "Olá twitteruniverso! Estamos mandando notícias em tempo real do ISS -- é o primeiro tweet do espaço!".

O acesso é possível graças ao Crew Support LAN, que liga os computadores da estação espacial aos terminais da Nasa. Além de mandar notícias sobre a missão, os astronautas poderão trocar emails com a família, diminuindo a saudade e a sensação de isolamento comuns nas viagens espaciais.

Quem quiser acompanhar os astronautas pode acessar o site do Twitter e digitar Nasa_Astronauts.

Da Agência Globo

domingo, 24 de janeiro de 2010

Argentina: entre o governo e a governança

Por: Cesar Altamira
Tradução:
Leonardo Retamoso Palma
Lúcia Copetti Dalmaso


Uma primeira análise sobre as eleições nacionais para renovação de deputados e senadores realizada em junho de 2009 pode levar a interpretar o resultado como um voto de castigo ao governo kirchnerista, que perdeu a maioria parlamentar. Múltiplas razões podem explicar a derrota: o péssimo manejo do conflito com o setor agrário, que se estendeu de março até julho de 2008; questões de forma e estilo de governo (prepotência, soberba política e autoritarismo) que provocaram repúdio social; assim como os míseros resultados em termos de bem estar social do último ano e meio de gestão, que influenciaram uma parte importante da sociedade entediada diante da retórica oficial mentirosa – que falseia dados econômicos e sociais – que põe em dúvida os propósitos e princípios igualitários que o governo dizia e diz encarnar.

A derrota política põe em xeque a legitimidade do governo, fenômeno que se faz ainda mais contundente quando recordamos que esta crise se produz em um país onde o conflito social se resolve na rua, com métodos de ação direta em praças e rodovias. Trata-se de uma sociedade altamente politizada, onde a baixa institucionalidade deve ligar-se à crise da relação salarial fordista.
As eleições são também demonstrativas da crise da representatividade política, que tivera sua mais alta expressão no chamado laboratório político argentino das assembléias, que começou em finais de 2001 e se estendeu até 2002. Com, efeito os dados indicam uma abstenção total de 30% no âmbito nacional (valores nunca alcançados até agora), num país onde o voto é obrigatório e sua omissão é penalizada por lei.

A política kirchnerista com relação às organizações populares que antes lutaram contra o modelo neoliberal foi de tentar (ou fazer todo o possível para) capturá-las, quebrando as que resistiam à integração e ignorando as que se mostrassem não capturáveis e incorrigíveis. A orientação era domesticar as organizações sociais mais dinâmicas – aquelas que mais haviam se empenhado em enfrentar o comando do capital – buscando torná-las dependentes, subalternas e instrumentalizáveis. As promessas formuladas pelo kirchnerismo em seu primeiro governo, que buscava construir um novo movimento social e político, fez entrar em crise a imensa maioria dos movimentos que permaneceram após 2001. Contudo, já nas eleições parlamentares de 2005, tais promessas haviam ficado no esquecimento, o mesmo esquecimento que ajudaria a levar Cristina Fernández à presidência. Kirchner relançou o clássico andaime eleitoral do PJ (Partido Justicialista), em especial a máquina clientelista dos intendentes do conurbano bonaerense. Um aparato que os chamados “barões” da Grande Buenos Aires manejam e que se mantem praticamente inexpugnável desde 1983, controlando as obras públicas, compartilhando os negócios com a polícia e seus sócios do crime organizado, em uma região onde se encontram os maiores bolsões de pobreza e indigência do país. Resistem às políticas universais porque administram servindo-se de “punteros” como se fossem pontes clientelistas, a assistência social focalizada. Essa mudança de rumo fez com que numerosas organizações sociais se afastassem do espaço político oficial, passando a fazer oposição crítica ao governo.

O kirchnerismo, por sua vez, recorreu quase que de maneira permanente a uma lógica política assentada em leituras binárias (nós-eles, povo-antipovo, povo-oligarquia). São leituras que cobram uma interdependência, onde um pólo não existe sem o outro; neste sentido, o kirchnerismo mostrou-se um fiel continuador da tradição política peronista de instalar um grande relato nacional. Mas, este esquema de pensamento abrevia o caminho para uma perigosa redução da política, na medida em que desloca o conflito de toda disputa democrática. Não existem duas Argentinas (pelo contrário, são múltiplas e variadas Argentinas) e o pensamento binário está referenciado em épocas historicamente superadas. Finalmente, como arremate dessas políticas ambivalentes, Kirchner promoveu um infundado adiantamento das eleições – que estavam previstas por lei para outubro de 2009 – colocando-se à frente das listas de deputados da província de Buenos Aires e inventando as candidaturas “testemunhais”. Quer dizer, diante do temor de que os prefeitos – e até o governador e o vice-governador de Buenos Aires – arriscariam formar seu “próprio” partido, amarrou-os aos destinos do kirchnerismo.

Não considero acertado concluir, como fizeram intelectuais kirchneristas e importantes setores da intelectualidade argentina, que a direita neoliberal dos 90 triunfou nas ultimas eleições. Há que tomar nota do caudal de votos das grandes e médias cidades do interior do país, cujo conteúdo parece ter estado mais próximo a demandas democráticas do que de posições de direita. Em todo o caso, encontramo-nos frente a um voto não cativo, volátil, de uma sociedade feita multidão que expressa muito mais seus desejos de liberdade e autonomia do que adesão definitiva a políticas de direita. Trata-se, em todo o caso, de cidadãos que, não sendo golpistas “destituintes” (como seriam qualificados pelos intelectuais kirchneristas os que se opuseram às políticas oficiais com relação ao campo), nem articulando discursos emancipadores, demandam uma distribuição democrática do poder no país, enfrentando a desmedida concentração de poder do governo Kirchner. Trata-se de um sujeito social múltiplo e diverso que não se deixa alienar pelo poder concentrado.

Nosso desafio é tentar abaixo da superfície o que essas eleições expressam. As últimas eleições foram produzidas em um momento de tensões e disputas, um processo que teve início com o conflito com os produtores rurais em março de 2008 e foi alimentado pela concepção governista de uma disputa entre dois modelos antagônicos de crescimento: o do governo, com inclusão social; e o da oposição, com exclusão social. Este discurso binário entrou para funcionar como mecanismo de representação social e, simultaneamente, de deslegitimação política. Nos tempos que correm, o voto não dá mais conta de um conteúdo ideológico, transcendente diríamos, no sentido de que o eleitor já não se atrai por aquelas propostas de mudança revolucionária da sociedade, tão caras aos partidos da esquerda. Inclinamo-nos por fazer uma leitura dos votos com base nas singularidades e imanências, mais do que em “foras” e transcendências. São estas singularidades, que não devem ser confundidas com individualidades e individualismo, que dão sustentação a uma nova forma de democratização política em tempos de crise da representação, conferindo importância à idéia de governança com relação à de governo. Vejamos. Qualquer proposta de ampliação dos espaços democráticos em nossos dias não pode se furtar a uma crítica das definições tradicionais da esfera pública, da representação e, no limite, da política enquanto tal. A crise do sistema de representação afeta o dispositivo que deve assegurar a estabilidade do Estado e sua construção política, repercutindo de maneira direta sobre a soberania moderna, quer dizer, sobre a forma do mando político. Nesse contexto a clivagem entre Estado e sociedade tende inevitavelmente a se diluir. O desenvolvimento e a importância do processo de governança tem relação com esta crise, na medida em que tal processo, erigido sobre as ruínas da dita cisão, debilita o comando exercido de maneira direta sobre uma sociedade em rede, ao mesmo tempo em que evidencia a necessidade de controlar a potencialidade subjetiva e organizativa posta em jogo. Estamos diante de um processo molecular de produção de comando político que se contrapõe a um processo [anterior] de característica molar. Nesse sentido, Kirchner representa o velho em política; só é funcional a um manejo particular e concentrado do poder, puro governo disciplinar e zero governança, enquanto persistem em sujeitar-se a um tipo de aliança que persegue a constituição de inexistentes “burguesias nacionais”. Por outro lado, tudo indica que nos encontramos diante de uma diversidade de sujeitos sociais que já não reconhecem uma identidade. Sujeitos com necessidades diferentes que refletem heterogeneidades de tempos e de objetivos. Subjetividades heterogêneas. É precisamente esta nova geografia social que devemos tornar visível em nossa análise.

Devemos reconhecer que o capitalismo na Argentina, para além de suas especificidades, segue o rumo marcado pelo capitalismo no plano mundial, tendo entrado em uma nova etapa de desenvolvimento. Este resultado é um dado importantíssimo na hora de ensaiar uma análise crítica sobre a situação política nacional. O capitalismo de novo tipo – capitalismo cognitivo, onde a valorização se baseia no conhecimento e o trabalho derrubou as portas da fábrica para difundir-se na sociedade – abriu um novo cenário de confrontação social. Neste contexto, o confronto capital x trabalho adquire novas modalidades, ao mesmo tempo que emergem novos sujeitos políticos e sociais. Já não se trata daquele homogêneo proletariado fabril – que, mesmo que ainda exista, viu reduzido seu peso qualitativo e quantitativo – mas, em todo o caso, de uma heterogênea combinação de assalariados, alguns autônomos, informais e precários, outros dependentes e subordinados diretamente ao capital, quando não imigrantes, que modificou sensivelmente o mundo do trabalho, provocando sua substancial fragmentação enquanto faz surgir novas figuras laborais.

São essas novas condições do capitalismo pós-moderno que nossos intelectuais kirchneristas e não-kirchneristas resistem em aceitar, enquanto continuam vendo as novas condições políticas com os olhos do fordismo. Seguem pensando na renda (financeira e não-financeira) como um desvio parasitário do capitalismo, enquanto apostam na reconstrução de um estado de bem estar impossível de recuperar, na medida em que é a própria relação salarial fordista que entrou definitivamente em crise. Nem a acumulação capitalista pode se restringir aos marcos nacionais, com Estados capazes de desenvolver de maneira independente políticas de desenvolvimento; nem os sujeitos antagônicos que personificam o capital e o trabalho são os mesmos; tampouco os ganhos de produtividade podem ser medidos no marco do capitalismo de novo tipo. A crise da relação salarial mostra como todos os elementos dos acordos keynesianos estão hoje ausentes. Nesse contexto, fica inviável a tentativa do governo de recriar um novo pacto social de mãos dadas com o Conselho Econômico e Social gestor das grandes políticas nacionais. Nenhum New Deal é possível a não ser aquele que, emergindo dos próprios movimentos e das práticas institucionais autônomas, permita a reapropriação de um welfare de novo tipo, diferente do estatal que foi desmantelado e igualmente distante do existente de caráter privado.

Devemos ser capazes de trilhar o estreito caminho político que se abre entre a resistência e o apoio ao governo. Nem o kirchnerismo é o menemismo, nem percorremos processos similares ao venezuelano e/ou boliviano. Trata-se, neste aspecto, da construção de espaços de resistência política diferentes dos impulsionados durante o menemismo, porém resguardando autonomia e política própria. O ponto está precisamente na construção de uma alternativa crítica ao governo.

Fonte: http://www.revistaglobalbrasil.com.br/?p=22#more-22

Global entrevista Michael Hardt

Autor de “Império” e “Multidão”, junto com o filósofo Antonio Negri, Michael Hardt esteve em dezembro no Brasil, participando do Fórum Livre de Direito Autoral – o Domínio do Comum, evento organizado pela Escola de Comunicação da UFRJ e Rede Universidade Nômade. Em um dos intervalos do evento, alguns dos participantes da Rede Universidade Nômade conversaram com Hardt.

Na entrevista, ele coloca em evidência o fato de que as crises do capitalismo são resultado da força do poder constituinte da multidão e provoca cada um de nós a se colocar na disputa em relação ao que se produzirá a partir da crise atual.

Da mesma maneira, ao comentar sobre o significado das eleições de um negro – Obama – e de um operário – Lula – o autor e militante nos chama atenção para um elemento essencial: a eleição em si pouco significa sem a potência das mobilizações sociais.

Participaram da entrevista:

Gilvan Vilarim, Pedro Barbosa Mendes e Felipe Cavalcanti.

Tradução: Pedro Barbosa Mendes


Universidade Nômade – A primeira pergunta diz respeito à crise. Tomando-se a crise como um momento de indefinição no qual ainda não é possível perceber com clareza a dimensão dos deslocamentos ocorridos, como aproveitar o atual processo para construir uma possibilidade de abertura/ruptura, em sua opinião?

Michael Hardt – O primeiro ponto que eu gostaria de abordar sobre a relação entre crise e revolução começa com uma idéia básica, até certo ponto óbvia, que é a seguinte: a crise do capitalismo, na sua forma objetiva, não é necessariamente sinal de progresso. De fato, o capitalismo funciona através de crises, que são modos de reconcentração de riqueza. O livro de Naomi Klein, “The Shock Doctrine” (A Doutrina do Choque: a ascensão do capitalismo de desastre, Ed. Nova Fronteira), que sei ser conhecido no Brasil, é feito dessa hipótese principal: o capitalismo usa catástrofes, choques, crises econômicas, crises militares, e crises ambientais como meio de consolidar o controle do capital sobre o privado, como um mecanismo elaborado para a privatização. Às vezes, porém, é possível aproveitar essas oportunidades para uma abertura.

Acho que, para pensar deste modo, é útil pensar na crise por sua face subjetiva, ao invés da face objetiva. Em outros termos, quais são as demandas, os movimentos e as necessidades que trouxeram essa crise, as necessidades subjetivas sobre as quais trata esta crise? Deixe-me dar alguns exemplos históricos. Existe uma leitura relacionada à crise de 1929 nos EUA e o New Deal subseqüente, que diz que não foi apenas uma crise objetiva do capital, mas o resultado da pressão de trabalhadores industriais organizados, principalmente sindicatos. Foi a pressão dos trabalhadores que gerou aquela crise. De forma similar, nos anos 1970, a leitura é que a crise econômica, e o que se chamou então de crise fiscal do Estado, ou endividamento do Estado, foi o resultado do movimento dos trabalhadores, movimento dos estudantes, movimento feminista, etc. Esta era uma leitura daquele momento. Nesse sentido, a questão que eu colocaria é: como é que está isso hoje? Quais pressões e demandas subjetivas foram trazidas com esta crise? Qual é essa face subjetiva? E acho que é nesta base que poderíamos então dizer: quais são as possibilidades abertas pela crise para a revolução, ou ao menos para atividade progressista?

Parece-me que nos EUA esta crise foi trazida pelas demandas da multidão, da população do país, por formas de Welfare que foram tiradas. Havia estruturas de Welfare que eram mais ou menos garantidas por meio dos salários, como serviços sociais, acesso à moradia, à saúde, e montantes adequados de dinheiro para o consumo. No entanto, as políticas neoliberais dos últimos 20 anos nos EUA levaram-nas embora. O que temos então é um tipo de Welfare alternativo, que funciona, na verdade, por meio dos empréstimos para a moradia, dos cartões de crédito, e as pessoas desejando ter uma casa, um iPod, um computador etc. Isso tudo vem através desse mecanismo econômico extremamente perigoso de endividamento. Então, eu começaria mesmo por aí, perguntando quais foram as demandas que levaram a essa crise. E com base nessas demandas, poderia-se imaginar, talvez, o próximo passo que possa vir com a crise, caso haja um passo positivo. Bem, é um começo, ao menos. É uma questão grande!

UN – A segunda questão é mais simples. Que tipo de relação você estabeleceria entre a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos e a de Lula no Brasil em termos de um aprofundamento da democracia?

MH – Deixe-me ver se eu entendi: Obama e a população dos EUA e a reeleição de Lula em termos de constituição do Comum, certo? Uma das coisas mais notáveis sobre a eleição de Obama foi a mobilização das pessoas para a campanha eleitoral. Foi mesmo um número enorme de pessoas que se envolveu no processo da eleição. De algum modo, elas foram atraídas, tragadas, de forma que isso resultou na reunião de todas as pessoas que tinham trabalhado em movimentos anti-globalização, movimentos “anti-sweatshop”, lutas contra o racismo etc. Tudo reunido neste processo.

A questão agora é saber o que vai acontecer com essa mobilização de pessoas que conseguiu eleger Obama. Em outras palavras, será que elas vão apenas dizer: “ok, agora nós vencemos e queremos ir para casa. Obama vai cuidar de nós”? Ou elas vão se transformar em algum tipo de movimento ou em vários movimentos que possam constantemente pressionar o governo de Barack Obama a tentar fazer, ao menos, o que prometeu? Em outras palavras ainda, acho que meu lema para isso seria: a melhor saída para os EUA é que os EUA se tornem como a América Latina, e desenvolvam uma dinâmica entre governos de esquerda e movimentos sociais.

Não a América Latina toda, talvez, mas de diferentes modos, Brasil, Bolívia, Uruguai, Equador e Venezuela. Todos eles possuem alguma forma de governo de esquerda e movimentos sociais que, às vezes, pressionam o governo e o impulsionam a fazer o que ele deve fazer. Essa me parece ser uma possibilidade do resultado desse processo eleitoral. Quero dizer, a maneira mais cínica de dizer isso, mas talvez a mais verdadeira, é que inevitavelmente aqueles que têm estado tão entusiasmados com Obama, e esse entusiasmo tem sido realmente notável, as pessoas têm depositado tantas esperanças e sonhos nisso que certamente eles serão desfeitos em breve.

A questão então passa a ser: o que acontecerá no primeiro momento dessa ruptura? E não digo isso porque Obama é uma pessoa má, mas porque ele terá limites objetivos sobre o que pode fazer como presidente. Um outro modo de colocar a questão é admitir que a única forma possível de Obama fazer o que diz que quer fazer, seria a pressão constante de grandes movimentos sociais, de séries desses movimentos sociais. A primeira marcha a Washington poderia ser sobre o Afeganistão, contra Obama, ou poderia ser sobre saúde, educação e de alguma forma apoiar Obama contra aqueles que se opõem a ele. É isto o que quero dizer quando insisto que o melhor futuro para os EUA é se tornar como a América Latina.

UN – E, por último, como você analisa a situação do Brasil hoje, seis anos após a eleição de Lula? Qual o significado dessa eleição em um país sem grande tradição de cidadania e qual a possibilidade do Brasil dar um salto rumo a uma democracia mais radical, mais comum?

MH – Não sei se consigo responder esta pergunta! Quero dizer, é sobre o Brasil! É verdade a noção de um salto para o futuro. E é verdade também que não há estágios de desenvolvimento, que algumas nações ou povos não estão à frente de outros em relação a esse processo. Freqüentemente parece haver certas seqüências de desenvolvimento que nós então rapidamente reconhecemos serem, de fato, o oposto do que pensávamos. Acho que é essa a idéia do salto.

Talvez seja uma coincidência o que acabei de dizer, mas tenho satisfação em repetir que a melhor coisa para os EUA é se tornar como a América Latina. Logo ela, que sofreu por tantas décadas ou séculos até com a idéia de que os EUA eram a imagem que ela deveria ter, ou pelo menos a imagem que deveria perseguir. E agora reconhecer a inversão disso! Essa parece ser a norma para mim agora.

De fato, deixe-me colocar de uma outra forma essa inversão. Quando você pensa em comunistas do início do século XX que iam a Paris, por exemplo. Quero dizer, pense em Mariategui, do Peru. Ele vai a Paris, aprende sobre o socialismo e retorna ao Peru para fundar o Partido Comunista Peruano. Na realidade, isso é exatamente o oposto do que fazem os jovens de hoje. Eles vêm de Barcelona, vêm de Nova York e vão para Chiapas, vão para Buenos Aires, vêm ao Brasil, aprendem sobre política, e então voltam para casa. E então formam comunidades separatistas no Texas, em Padova, etc. Essa inversão do treinamento revolucionário já existe, e até mesmo do treinamento político.

A juventude de esquerda já conhece essa forma há décadas! Seria bom agora que os governos operassem essa mesma inversão! O presidente dos EUA viria para o Brasil para aprender a governar e então voltaria para casa e agiria. É bom para os americanos operar essa inversão. É claro que não quero dizer, com isto, que tudo no Brasil é ótimo, mas é saudável pensar continuamente em termos desta inversão.

O Professor e o Louco, de Simon Winchester

Este livro me foi presenteado pelo amigo e Psicanalista Pernambucano: Carlos Santos.Obra densa,e que recomendo.




Lisboa: Temas e Debates, 2001, 242 págs., 16,62 €

"Oxford English Dictionary", conhecido por "OED", é um dos grandes feitos de sempre do mundo da cultura: 12 volumes imensos que definem 414 825 palavras (os maiores dicionários portugueses não chegam às 100 mil palavras), apresentando 1 827 306 citações de obras clássicas e outras que ilustram os significados das palavras definidas e traçam a sua história. A investigação e produção do OED demorou 69 anos (de 1878 a 1927), apesar de ter sido concebido em 1858, 20 anos antes de se ter encontrado a pessoa certa para levar a cabo esta ciclópica tarefa. E a pessoa certa foi James Murray, que trabalhou no dicionário até à sua morte como editor-chefe. A tarefa ciclópica de rastrear a história de todas as palavras da língua inglesa só pode conseguir-se lendo; e é preciso ler muito. Por esse motivo, os editores do "OED" acharam por bem pedir a colaboração do público no sentido de procurarem palavras em obras clássicas, com o objectivo não só de ilustrar os significados das mesmas, mas também de tentar encontrar a altura em que tais palavras foram pela primeira vez registadas por escrito. Um dos colaboradores mais importantes do "OED" foi W. C. Minor, um americano com uma história peculiar. É a história deste americano — mas também de Murray e do próprio OED — que Winchester nos apresenta de forma magistral nesta obra magnífica.
Minor era médico e um homem culto e dado às letras; a sua inteligência e competência permitiram-lhe subir rapidamente na hierarquia militar, onde servia como médico. Mas aquando da Guerra Civil Americana Minor começa a dar sinais de paranóia e acaba por ser reformado e internado num hospital psiquiátrico. Posteriormente, viaja pela Europa e estabelece-se na Inglaterra. Aí, vítima de uma das suas manias paranóicas, persegue um desconhecido e fulmina-o com um tiro de pistola, pensando que se trata de um dos personagens imaginários que o querem matar. Minor entrega-se à polícia na cena do crime e acaba por ser declarado louco; é então encerrado num hospital psiquiátrico dos arredores de Londres, onde irá passar praticamente o resto da sua vida. E é neste hospital que Minor irá estabelecer-se como um dos melhores lexicógrafos do mundo e um dos mais importantes colaboradores do OED (cujo nome surge nos agradecimentos da primeira e segunda edições).
Winchester conduz o leitor com graça e inteligência pelos meandros desta história. Dá-nos a conhecer um pouco da vida de Murray, um homem extraordinário que nunca tirou um curso superior por ser pobre, mas a quem Oxford concedeu um grau em função do seu brilhante trabalho no OED. E narra a brilhante história da concepção e produção do ciclópico OED. Mas o tema central da obra é a vida desventurada de Minor, vítima de delírios paranóicos, o que o levou não só ao homicídio já aludido, mas também a amputar o seu próprio pénis com uma frieza de cirurgião de guerra que ele efectivamente tinha sido. Um aspecto interessante da paranóia de Minor é o facto de ela estar relacionada com o seu enorme apetite sexual, o que me fez lembrar o caso dos "serial killers" ou assassinos patológicos (veja-se a crítica à obra The Last Victim). Compreende-se que Freud tenha tentado relacionar a repressão sexual com a loucura, dado os casos deste género; mas parece-me superficial pensar que a causa da loucura seja a repressão sexual. Minor, por exemplo, viveu durante muito tempo uma vida promíscua; e o mesmo acontece com os "serial killers". Aparentemente as coisas passam-se ao contrário: é porque estas pessoas são loucas que são incapazes de ter uma relação compensadora com a sua sexualidade.
"O Professor e o Louco" é uma obra tocante, empolgante e de leitura compulsiva. Recomendo-a vivamente a todos os bibliófilos e lexicógrafos, mas também a psicólogos interessados em casos de paranóia e aos leitores em geral interessados nestes temas.
Desidério Murcho