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terça-feira, 31 de julho de 2007

Edição 455 A desbravadora Sueli Costa


Edição 455
A desbravadora Sueli Costa
por Pedro Alexandre Sanches
Sempre discreta, a compositora de sucessos dos anos 70 como Jura Secreta e 20 Anos Blue volta a cantar e usa a internet para difundir sua música

Nos anos 70, Sueli Costa se fez desbravadora entre compositoras brasileiras, ao fornecer sucessos de clave bem feminina (e por vezes politizadas) a intérpretes como Nara Leão, Simone, Elis Regina, Maria Bethânia, Gal Costa, Fagner, Nana Caymmi, Marília Medalha, Cauby Peixoto, Ney Matogrosso e muitos outros.

No CD independente Amor Blue (que Sueli vende em seu próprio site, www.suelicosta.com.br), a trajetória errante de cantar é retomada por uma artista que não se vê como cantora. E de fato não o é. A meta é enfileirar canções inéditas com um leque aberto de parceiros (Ana Terra, Paulo César Pinheiro, Abel Silva, Fausto Nilo, Paulo Emílio, Carlinhos Vergueiro, Paulo Mendonça, Ana Maria Bahiana, Luiz Sérgio Henriques) e participações vocais (Simone, Nana Caymmi, Maria Bethânia, Daniel Gonzaga, Celso Fonseca, Fernanda Cunha).

Autora de canções tristes que ficaram populares nos anos 70, como 20 Anos Blue, Jura Secreta, Coração Ateu, Assombrações, Acorrentado, Encouraçado, Medo de Amar, Dentro de Mim Mora um Anjo, Açúcar Candy e Vida de Artista, Sueli fala sobre a volta.



CartaCapital: Fazia sete anos que você não lançava um disco. O que andou fazendo nesse hiato?

Sueli Costa: Entrei na Lei Murilo Mendes, da Prefeitura de Juiz de Fora. Fiquei até com medo de não passar na lei, porque já sou mais conhecida, mas acho também que a vida da gente começa todo dia, compositor é isso aí. Aí fui contemplada pela lei, e consegui fazer esse disco assim, com a família trabalhando, minha sobrinha Fernanda Cunha produzindo, meu filho fazendo o encarte, meu sobrinho fazendo a capa... Arregacei as mangas, fiz os arranjos, toquei os pianos e chamei os amigos. Tinha uma vontade muito grande de fazer um disco com Nana Caymmi, Simone, Maria Bethânia.



CC: É a primeira vez que você toca piano e faz arranjos num disco, não é isso?

SC: É. Tem muita gente que gosta do meu piano, e eu sou apaixonada por outros pianos. Mas desta vez arregacei as mangas.



CC: Você não é uma cantora constante. Como é para você gravar?

SC: Não, não sou cantora, não. Deus não me deu essa graça. Mas mostro as minhas músicas, né? Não pretendo ser mais do que eu sou. Eu sei mostrar uma música, e esse disco é um meio para mostrar minhas músicas novas. E está em primeiro lugar de vendas na (loja carioca de discos) Modern Sound, maravilhoso. É um disco sem gravadora, sem nada. Estou vendendo no site e tem gente que pede mais, pede o disco anterior. Fiz uma prensagem pequena, 400 discos com a prefeitura, e vou reprensar agora, rapidinho, correndo.



CC: Quantos anos já são de envolvimento com a música?

SC: Acho que desde que nasci. Minha mãe era pianista e professora de música, eu com quatro anos tocava piano, antes de ser alfabetizada. Música gravada, mesmo, foi em 1967, estou fazendo 40 anos de música gravada. Foi Nara Leão que gravou a primeira música (Por Exemplo: Você). Antes eu tinha feito show, música para teatro em Juiz de Fora, festival...



CC: Como você se vê dentro da história da música brasileira? Qual tem sido seu papel?

SC: De trabalhadora mesmo, de operária, junto com todo mundo. Não sei viver sem isso. Às vezes está bom, às vezes está ruim, mas eu não saberia fazer outra coisa.



CC: Apesar de ter feito uma série de discos, você sempre foi primordialmente uma compositora. Não é um ofício dos mais fáceis, não?

SC: É, eu nunca pensei em ser cantora. Tomei um susto quando fiz meu primeiro disco, em 1975. Achei que era um disco para registrar as músicas, mostrar. Não achava que eu tinha que cantar. Mas Paulinho da Viola ia ao Nordeste com uma turma, com Fagner, Moraes Moreira, um time de futebol, um audiovisual e um show de música. Paulinho me convidou para ir junto, nós fomos atrás, e eram lugares grandes, com mais de mil pessoas, duas mil pessoas, ginásios.



CC: E você cantando?

SC: Eu cantando, fui batizada assim (ri).



CC: Foi traumático?

SC: Não, foi maravilhoso. Era uma energia muito grande. E eu estava ao lado de amigos. Era uma cumplicidade muito grande, uma unidade muito forte com todos eles, era uma geração, mesmo. Eu jogava no time de futebol, com Copinha, que era flautista, tocou com Carmen Miranda. A gente ficava jogando uma bolinha no hotel.



CC: Gonzaguinha produziu seu primeiro disco, João Bosco e Aldir Blanc produziram o segundo. Eles todos ficavam incitando você, querendo convencê-la a cantar?

SC: Não, acho que gostavam mesmo das minhas músicas. Quando fui fazer o primeiro disco, Gonzaguinha se ofereceu (suspira)... Depois, no segundo, eu estava muito junto com Aldir e João, a gente se encontrava todo fim de semana. Pus na mão deles, Gonzaguinha disse “ah, estou morrendo de ciúme” (ri). Mas todo mundo sabia que eu não era cantora. Nossa geração foi também um geração de compositores que cantavam.



CC: Existiam pouquíssimas compositoras, não?

SC: É, eu acho que estava um pouco isolada nessa época. Só tinha a Joyce.



CC: Por que isso?

SC: Não sei, hoje há muitas compositoras, mas na época não havia muitas, não. Eu sempre andei no meio de homem (ri). Me lembro de Juiz de Fora, minha casa ficava lotada no sábado e no domingo, era bateria na sala, piano, um tocando. As mulheres que tinha lá eram namoradas e mulheres dos meus amigos, sabe?



CC: Por outro lado, muitas cantoras gravaram, sua obra ficou marcada como algo muito feminino.

SC: É. Mas acho que as mulheres também demoraram um pouco para chegarem às paradas de sucesso. Me lembro de quando Clara Nunes entrou na parada de sucesso, em 1975, ela foi a primeira mulher a alcançar o topo das paradas. Era uma coisa mais de homem, sabe? Aí as mulheres tomaram realmente, acho que a partir da Clara.



CC: E muitas delas cantando músicas que você fazia...

SC: Tem mais mulher, mesmo, cantando minhas músicas. Como acho que tem mais mulher cantando, né?



CC: Você é tida como uma artista que foi politizada, participante nos bastidores. Como era isso?

SC: Não sei, não... Eu fui de uma geração que nasceu numa ditadura. Meu primeiro disco é de 1975, antes da abertura.



CC: Teve episódios com a Censura?

SC: Tive, tive, tive. Todo mundo tinha. Não tinha um que não tivesse. Era uma implicância, os caras viam cabelinho em tudo. Tive uma música, Cordilheira, que Erasmo Carlos chegou a gravar e não saiu. Só saiu agora, na caixa de CDs dele. Foi a primeira pessoa a gravar Cordilheira, e a Censura pegou.



CC: Qual era a alegação?

SC: Barravam, não falavam nada. Tive que ir a Brasília com (o co-autor) Paulo César Pinheiro para tentar liberar, falar com o chefe da Censura, uma coisa terrível. Corri com Paulinho atrás disso, ele em Brasília pisando no meu pé porque eu estava dizendo para o censor: “Escuta aqui, o cara sabe o que está prendendo, qual é a palavra que eu não posso usar? Eu preciso de parâmetros para compor daqui para frente”.



CC: E o censor respondia o quê?

SC: Nada. Nada. “Não, esqueça essa música.” Falei “esquece?”, você faz música, não pode esquecer. E Paulinho pisando no meu pé.



CC: O que você entendeu na época? O que essa música dizia de incômodo?

SC: Ah, falava muita coisa... Mas... (longo silêncio) não sei... Era tudo que a gente fazia. Tive uma música censurada, Altos e Baixos, que depois Elis gravou, já nos estertores da Censura, bem no final, porque quando a coisa está acabando fica pior, né? Falava de uísque, Dietil, Diempax. A música foi censurada, por causa do Diempax. Elis disse para mim: “Eu vou liberar, eu libero, vou conseguir, tá acabando”. Meu Deus do céu, se fosse pelo uísque, já era uma coisa, mas Diempax é um remédio que minha mãe toma. Era uma coisa doida. A gente fazia show beneficente, entrava no Teatro João Caetano cantando em benefício de alguma coisa ou de alguém, e não podia cantar as músicas. “Cordilheira não pode”, diziam. Aí eu falava: “Agora vou cantar Cordilheira”, e cantava Dentro de Mim Mora um Anjo. Anunciava o nome de uma e cantava outra.



CC: Mudou muita coisa dos anos 70 para o momento atual?

SC: Culturalmente, sim. Na Odeon, a gente era artista (ri), tinha cordas, metais à disposição, podia gravar. Hoje não tem dinheiro para fazer um disco. Hoje você tem que fazer um disco para dar para a gravadora lançar. As gravadoras nem compram o disco, pegam e lançam, você dá de presente.



CC: Você não fez isso, não é?

SC: Não, não, não. Tentei, não tive uma boa proposta. Estou comemorando meus 40 anos de carreira, vou em frente, acho que vai dar certo. Queria mostrar minhas músicas novas, fiz um disco cheio de participações, e de parceiros também. Cada parceiro tem uma música. Só sinto falta de Aldir Blanc, queria fazer uma com ele, mas não deu tempo. Tem um chorinho que eu ia dar para ele, mas vou ver se fica para o próximo disco. Já estou pensando outro.



CC: Esse é o lado bom de não depender mais de gravadora?

SC: Eu acho que gravadora está acabando, tem hora que eu acho. Estou conseguindo vender disco na internet, quase fiquei doida aqui, porque inventei esse negócio de vender pela internet. Eu não sabia que estava lidando com fã-clube de Simone... O disco também teve críticas ótimas. Aí começou a chover e-mails, eu falei “meu Deus do céu, Fernanda, você não tem uma secretária para me ajudar?”. Passei a responder e-mail um atrás do outro.



CC: Quando você vende CD desse modo, é você mesma quem envia para a pessoa?

SC: Eu que envio, claro. Acaba um, começa outro. Mas é bom também, é um contato legal com pessoas que gostam do trabalho.



CC: Esse contato direto não existia até há pouco, não? É difícil imaginar o próprio artista mandando o disco para o fã.

SC: É. Com esse dinamismo, arranjei vários amigos. É engraçado, você fica íntima das pessoas. É legal, tem cara que compra para a mãe, depois a mãe quer comprar mais dois para dar para as amigas. É muito engraçado. Acho legal esse contato. Gosto de fazer show, quando canto eu gosto, porque estou ali com as pessoas que gostam da minha música e estou vendo aquela reação de perto. É uma troca, tem uma energia bacana que você joga e ganha de volta. Acho que essa coisa de internet é parecida. Você tem contato com quem gosta, e tem mais gente que gosta de você do que você pensa (ri).
by carta ca´pital

Sarkozy: ¿Un modelo para la Alianza?


Portada
Sarkozy: ¿Un modelo para la Alianza?

Alfredo Jocelyn-Holt, historiador y académico de la U. de Chile: "La sensatez ha llevado a Sarkozy a aggiornar sus huestes. ¿Por qué la derecha chilena no se despeina como aconseja la realpolitik? La Moneda vale una canción nacional sin botas ni estrofa adicional incluida".



El reciente triunfo y novedad de Nicolás Sarkozy nos vuelve a un tema recurrente respecto a la derecha chilena. ¿Cómo chicoteamos a esta yunta de bueyes para desempantanarla después de 18 años, si no más, atendido el hecho de que se puede ser de derecha y sin yeta? ¿Con qué cruzamos a nuestros dos rumiantes para agilizarlos un tanto? Ocurrió hace poco con David Cameron, el promisorio torito fina sangre inglés, y ahora se presenta de nuevo la posibilidad con el gaullista húngaro-francés.

En ambos casos vemos una derecha que quiere renovarse. Cameron pretende que a su partido se le perciba compasivo y así los conservadores se puedan volver a sentir bien. Sostiene que no se saca nada enrostrándoles a los pobres su fatalidad e incapacidad: hay que darles a entender que tienen el apoyo moral del "sistema" y para eso se les debe fortalecer su responsabilidad y autoestima. Sarkozy dice lo mismo: "Entiendo que se puede ser pobre si no se tiene trabajo, pero no acepto que alguien siga siendo pobre y trabaje realmente duro". Hay que reconstruir un Estado, agrega, que todos sientan como propio. Cameron llama a un cambio generacional; Sarkozy a dejar atrás el cinismo entronizado de Mayo del 68 que transmutó, cual alquimia, viejos ideales utópicos en puro deseo materialista, consumista y acaparador. Cameron se parece más a Blair que a la Thatcher; Sarkozy, a su vez, se supone que le habría ganado a la izquierda en su propio "turf": el de las ideas. Un derechista con ideas: ¡vaya, vaya!

Ambos, además, le han sacado mucha punta y roncha al aguatonamiento mundial de las izquierdas; especialmente el líder francés, sosteniendo que a los izquierdistas les gusta demasiado el poder, son hipócritas y corruptos (dicen representar a los sectores populares pero viven como depredadores, como derechistas).

Ni parecidos a los derechistas chilenos, ¿o no? ¿Se atrevería un UDI o un RN a proclamarse creyente pero laico o abrirse a un modelo más equilibradamente parlamentario que presidencialista, con más proporcionalidad en las elecciones y así mejorar la representatividad? En el gobierno, ¿renunciarían a prerrogativas para nombrar los directorios y altos cargos institucionales y empresariales públicos?; para qué decir integrar a socialistas en un futuro gobierno de derecha como lo ha sostenido Sarkozy. ¿Concebirían siquiera la posibilidad de hacer un gobierno de unión nacional si llegaran al poder como en Francia después de la última guerra (Sarkozy, no lo olvidemos, es gaullista)? ¿Dirían nuestros otrora antorchados de la libertad (con más gusto a mano dura que a libertad auténticamente republicana) que ahora repudian cualquier tipo de gobierno dictatorial y no sólo porque "nuestro" último "dictablando" se hizo rico indebidamente, conste que bajo gobiernos concertacionistas que es cuando empezó a mover sus platas en el Riggs?

¿Por qué no? ¿Por qué no abjuran, se flexibilizan y despeinan como aconseja la realpolitik? La Moneda vale una canción nacional bien zapateada, sin botas ni estrofa adicional incluida. La sensatez ha llevado a Cameron y a Sarkozy a "aggiornar" y moderar a sus huestes, conforme a los dictados de un mundo que se vuelve infinitamente más progresista y transversal que incluso sus autoridades y liderazgos, estén o no en el gobierno. La derecha chilena, en cambio, está empantanada hace rato en el tiempo y en sus supuestas "contribuciones" a la humanidad. Cree todavía que es profética porque "se anticipó" a Reagan y a la señora Thatcher. Sigue pensando que lo que este país necesita es un empresario en La Moneda; ¡tan pegados se quedaron con el último triunfo y gobierno que presidieron con todas las de la ley, 49 años atrás, y eso que éste fue un desastre político que siguen pagando hasta el día de hoy!
La derecha chilena critica al gobierno y éste se queja amargamente de que sólo se ve el vaso medio vacío. Una frase que difundió Lagos hasta el cansancio, antes, dicho sea de paso, de que Woody Allen en Scoop le agregara que él, en cambio, lo ve medio lleno? pero de veneno. La derecha se queja, es cierto, y hasta amenazan con desalojar a los actuales inquilinos de Palacio, pero cunde la sospecha, hace rato que hay mucho tongo en todo esto. Lo que impera en Chile desde hace 18 años es un consensualismo transversal en materias sustanciales, amparado en un empate consagrado en nuestra Constitución que no da cuenta de una sociedad más plural y compleja que por supuesto existe, pero no tiene oxígeno electoral. Visto así el asunto, quién es y no es de derecha o de izquierda oficialista es una cuestión un tanto escolástica, como discutir cuántos ángeles caben en la cabeza de un alfiler. Los empresarios, de un tiempo a esta parte, no hacen mayores distinciones al respecto, tampoco los militares ni nuestros "socios" extranjeros. Por eso la derecha, amén de estancada y sin vocación real de poder gubernamental, sigue y seguirá tan provinciana y rumiante como siempre.



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sábado, 21 de julho de 2007

Pretendi fazer uma tradução efetivamente popular, dentro da tradição homérica"

Pretendi fazer uma tradução efetivamente popular, dentro da tradição homérica"
Pretendi fazer uma tradução efetivamente popular, dentro da tradição homérica"Entrevista: Donaldo Schüler, tradutor da "Odisséia"CARLOS ANDRÉ MOREIRA

Crítico literário e escritor, Donaldo Schüler é também tradutor de largo espectro, com versões produzidas para originais gregos, alemães, espanhóis, ingleses, latinos, franceses. Domina hebraico o bastante para traduzir, se quiser, mas ainda não se interessou em verter textos desse idioma. É autor da mais recente versão integral dos versos da Odisséia, de Homero, que a LEPM está publicando em três volumes de bolso. O poema narra as atribulações do rei grego Odisseu para voltar para sua terra, Ítaca, após o fim da guerra contra Tróia. Donaldo, autor da façanha de traduzir o Finnegans Wake, de Joyce, considerado intraduzível, levou quatro anos de trabalho, com interrupções e retomadas, para apresentar sua versão em português do épico grego. Durante os últimos meses, dedicou-se oito horas por dia ao trabalho, no gabinete no segundo andar de sua casa na Vila Ipiranga, em Porto Alegre. Como Haroldo de Campos, seu amigo, Donaldo vê a tradução não como simples versão, mas como criação de efeitos poéticos em outro idioma. - Há um momento em que o filho de Odisseu, Telêmaco, repreende sua mãe por relutar em aceitar aquele homem que se apresenta perante ela como seu marido, retornado 20 anos depois. Telêmaco usa o termo "Dysméter", para dizer que ela não está sendo boa mãe. Decidi traduzir pela palavra "mámãe", juntando as palavras "má" e "mãe" e ainda fazendo referência ao "mamãe", que é uma forma carinhosa em português.

Cultura - O senhor é professor de grego e de literatura grega, crítico, tem uma longa experiência com a Odisséia como leitor. O que o levou agora à tradução do livro?

Donaldo Schüler - Foi uma encomenda da editora. Quando li o poema pela primeira vez, foi pela tradução do Odorico Mendes, que é muito comentada, muito elogiada por Haroldo de Campos. É uma tradução do século 19 que tem achados importantes, embora muito complicada. Quando comecei a ler a Odisséia em grego, percebi que o texto original era muito mais simples. A tradução de Odorico Mendes não chega a ser propriamente integral, resume certas passagens e concentra a Odisséia em versos de 10 sílabas, dentro da tradição épica, quando o verso grego no hexâmetro é bem mais longo. Isso complica um pouco a tradução. A tradução dele também é erudita, de sorte que se dirige a muito poucos. Isso me levou a pensar numa tradução efetivamente popular. A tradução de Haroldo de Campos para a Ilíada, recente, é muito boa, mas também muito exigente. Ao contrário das traduções de Homero existentes, pretendi fazer uma tradução efetivamente popular, dentro de uma tradição homérica, já que Homero foi um cantor popular. Ele se dirigia aos ouvintes, os poemas eram declamados, cantados, dançados, e o próprio verso hexâmetro, como é de quantidades longas e breves, tem uma qualidade musical mesmo quando declamado. Fala-se numa tradução fiel, a tradução fiel é impossível. Por conta desse processo coloquial, essa oralidade precisa ser adaptada às exigências de uma tradução escrita. Então, tive o cuidado de me aproximar o quanto possível do texto de Homero, inclusive de sentir a importância das palavras e das formulações, da sonoridade dos termos gregos, do ritmo dos versos, para recuperar essa oralidade.

Cultura - O senhor e Haroldo de Campos eram amigos. Sua tradução da Odisséia de alguma forma dialoga com a dele, da Ilíada?

Schüler - Na verdade, não tive a oportunidade de conversar sobre a tradução com Haroldo (falecido em 2003). Acompanhei o trabalho desde o início e o comentei na imprensa. Na verdade o Haroldo publicou primeiramente a tradução da Ilíada apenas do primeiro canto, porque ele traduzia com intenção poética e não vertia obras inteiras. No contato que tivemos, lembrei-o da importância de terminar o trabalho. Ele tinha outra aproximação com o texto, como se vê em suas traduções da Bíblia e dos poetas provençais. Ele não tinha uma preocupação de fidelidade. Fazia poesia à medida que traduzia, e isso dava um caráter muito próprio às traduções dele. A tradução mais próxima ao texto original dentre as que ele fez foi justamente a da Ilíada. Minha intenção foi ligeiramente diferente. É mais ou menos como quando a gente escreve. A gente precisa saber para quem escreve e a quem se dirige. Então minha intenção, ao propor uma tradução popular, não foi a de baratear o texto, vulgarizar, tirar dele as soluções que ele tem, foi apenas recuperar esse caráter de oralidade que estava na origem.

Cultura - Essa tentativa de uma tradução mais popular se reflete mesmo nas escolhas que o senhor fez. Em sua versão da Odisséia, como no Finnegans Wake, o senhor escolhe em determinados momentos termos característicos do Rio Grande do Sul, como "guascaços". Qual a intenção nessas opções?

Schüler - Fiz isso na tradução do Finnegans Wake e alguns me cobraram isso, mas eu justificava essas opções lembrando que a Irlanda é uma região periférica com respeito à Inglaterra, como nós somos periféricos em relação ao centro do Brasil. Logo, era uma valorização da periferia e de um dizer nosso. Temos uma tradição épica, quer dizer, existem expressões nossas que talvez ressoem melhor dentro de uma tradução homérica do que se fosse em outra situação. A própria tradição guerreira do Rio Grande do Sul facilita isso.

Cultura - Já se disse que a Ilíada é um épico com ações focadas na guerra, enquanto a Odisséia seria o paradigma de uma vertente artística que associa a viagem, o deslocamento, a uma descoberta de si mesmo. O senhor concorda com essa análise?

Schüler - Sim, mas o que se nota em Homero ainda na Ilíada é que há uma alternância entre reflexão e ação guerreira. Se você reduzisse a Ilíada a situações puramente guerreiras, você teria menos da metade do que efetivamente há. Agora, a situação na Odisséia muda porque, excetuando-se os últimos cantos, não existe situação bélica, ela se cria efetivamente pelos diálogos, que são em grande quantidade. Daí uma teoria, expressa até por Platão, de que a tragédia grega seria originária de Homero. Existem determinadas passagens da Odisséia que são facilmente transpostas para o palco por essa circunstância da dialogação. Agora, tem a questão do retorno ao centro. Ela esteve no imaginário ocidental desde Homero. Nosso pensamento a partir dele foi um pensamento centrado. Agora talvez tenha havido uma mudança nos últimos anos. Numa teorização por exemplo de Jacques Derrida, que é antilogocêntrica, que coloca em lugar do centro a disseminação, mesma situação que se nota em Gilles Deleuze, que fala de uma fluidez que não esteja centrada em um núcleo, como no pensamento grego primitivo. O que marca a Odisséia na leitura contemporânea é que nós perdemos esse ponto de referência para um retorno ao centro, seja Atenas, seja Paris, seja Roma, Lisboa, Nova York, essa idéia de "centro" é algo que está se perdendo. Nós praticamos uma Odisséia sem centro.



Fronteiras da ciberculturaO próximo encontro do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento trará, além do professor Donaldo Schüler, o professor de Crítica da Mídia da Universidade de Nova York Mark Dery, conhecido por seus estudos sobre cibercultura. Eles vão falar sob o título A Instituição do Sexo Está por Todos os Lugares, a partir das 19h30min, no Salão de Atos da Reitoria da UFRGS (ingressos já esgotados). Dery é autor de The Pyrotechnic Insanitarium: American Culture on the Brink (1999), além de ter sido o editor de Flame Wars: The Discourse of Cyberculture (1994), antologia que deu início aos chamados ciberestudos. Os artigos e comentários ácidos de Dery podem ser lidos em seu blog, no endereço eletrônico http://www.markdery.com/.clicRBSLeia outros trechos da entrevista no blog Mundo Livro
by zero hora p alegre



postado por paulo alexandre cordeiro de vasconcelos as 12:08:28 0 comentários